O  MISTÉRIO DOS CATÁLOGOS

 

—Alô...? Pois não! Com quem deseja falar?

— O Agente Mulder!

— Pois não; só um momento, por favor.

Ela se levanta e chega até a porta aberta na divisória de vidro e madeira.

— Com licença, Agente Mulder.

— Diga. — ele responde, sem levantar o olhar, enquanto faz quicar na mesa uma pequena bola de borracha.

— Uma ligação pra você.

— Quem é?

— Senhora Etelvina: ligação do Brasil. Rio de Janeiro.

— Ora, ora! Da terra do tango! Carlos Gardel! Bacana!

— Não, não, Agente Mulder! A terra do tango é a Argentina.

— Tem certeza?

— Eu sou brasileira, esqueceu?

— Ah, sim. Então Buenos Aires não é a capital do Brasil.

A secretária contém um sorriso, disfarçadamente, negando com um meneio de cabeça.

Ele pega o telefone.

— Agente Fox Mulder.

— Agente Mulder, preciso muito de sua ajuda!

— Do que se trata, senhora?

— Estou com um grande problema, Agente Mulder.

— Sim...?

— Sim, Agente Mulder. Sou uma vendedora. Ou melhor vendo

através de catálogos de venda direta.

— Sim...? — os olhos dele estão se fechando, sonolentamente.

— Então eu enviei os catálogos para o seu escritório...

— Sim...? —  continua, quase sem voz.

— Agente Mulder! — a mulher aumenta a voz.

— Sim...? Sim! Pode falar — ele reage.

Ei! Mas o senhor só responde isso?! O senhor é o famoso agente que resolve tudo?!

— O quê... ahn... hum? Ah, sim! Sou o Agente Fox Mulder às suas ordens.

— Olha, vou continuar, mas se não me der atenção...

— Senhora, eu preciso saber qual é o seu problema!

— Bem, então é o seguinte: o senhor me encomendou dois vestidos para presentear a sua parceira...

— Certo.

— ... e eu encaminhei todos os catálogos para sua secretária.

— Certo.

— ... então sabe o que aconteceu? Ela embolou tudo!!

— Certo.

— Certo...?! Certo? É só o que o senhor sabe dizer?

— Eu...? Ah, sim. Pode falar, senhora.

— Mas que raios de coisa é essa? Eu quero falar com o Agente Fox Mulder!

— Sou eu, senhora.

— Não acredito! Como pode?

— Como pode o quê?

— Nossa! — a mulher suspira — Por favor, a Agente Dana Scully está aí?

— Não, não está.

— Então nada feito, A gen te...! Não dá pra falar com o senhor.

Por que, senhora?

O senhor não me dá a mínima atenção!

— Senhora, eu sou o Agente Fox William Mulder; o mais famoso Agente Especial de todos os tempos; eu tenho  capacidade para desvendar os problemas mais intrínsecos deste planeta; podem ser de ordem sobrenatural; ou física, material; resolvo qualquer mistério; pra mim todos os casos...

— Bem... senhor... — a  mulher tenta interromper.

—... não passam por minha inteligência e astúcia sem solução...

sei, Agente...

— ... eu consigo captar qualquer perigo, qualquer falso movimento, toda mentira...

— Chega!! Não agüento mais!!

Há uma pausa no silêncio de alguns segundos.

— Mas e aí, senhora? O que mais aconteceu com seus catálogos?

Ufa! — Até que enfim esse cara acordou!” — pensa a mulher.

— Como é? Vai explicar ou não? — ele insiste.

— A sua secretária executiva misturou todos os meus catálogos e agora não dá pra saber qual deles é o do seu pedido!

— Muito grave... muito grave esse caso!

— Pois é. O que acha que  pode ser feito?

— Deixa comigo. Logo lhe dou uma solução.

— Assim espero.

O agente, após desligar o telefone, coloca no chão os pés, que estiveram todo o tempo sobre a mesa. Vai até a secretária na sala ao lado.

Nilvana...?

Ela levanta-se solícita, rápidamente:

—Pois não, Agente Mulder.

Ele passa o dedo indicador sob o nariz e aperta os lábios:

— É sobre o caso dos catálogos.

Catálogos...?

— Sim; aqueles que estive consultando para escolher um presente para ...

— ... a Agente Scully. — conclui prontamente.

— Isso. — ele a fita.

A secretária percebe o domínio daquele olhar tentador. Sente-se quase hipnotizada ante essa tentação

— O caso é que a senhora Etelvina está reclamando que não recebeu o meu pedido até agora! — ele explica.

— Não...?! Mas pode estar certo que o seu pedido foi via Speedex para o Brasil. E no tempo certo.

— Porém a senhora Etelvina não o recebeu.

— Bem, Agente Mulder,  — ela retira da gaveta vários catálogos de tamanho e forma diferentes  — Você pode ver esses também, se for o caso de...

Ei! Mas então realmente a senhora Etelvina estava certa! Eles estão todos aí!

— Ah! Ah! Ah! Engano seu!  Estes aqui são exatamente meus!

— Seus?!— ele a observa agora.

E a secretária, mais do que nunca, é que o observa bem atentamente.

“Esse nariz avantajado que ele tem, o qual é capaz de aspirar os odores dos lugares mais recônditos da mulher e que a gente tem vontade de dar uma bicota, esses olhos pequenos mas de um verde esplendoroso que lembra uma campina verdejante banhada pelo sol, os lábios carnudos bem desenhados acima do queixo fantasticamente tentador... e a voz... a voz sussurrante, onde as bolinhas de gude lhe rolam pela garganta...”

— Ai...! — ela geme ante tantas divagações.

— O que foi? Sente-se mal?

— Oh, não... isto é... sim!

— Sim...? Qual é o problema?  Está doente?

— Eu...? Não... isto é... um pouco, mas vou melhorar depois de...

— ... de quê? — levanta as sobrancelhas, curioso.

— Realizar um sonho, Agente Mulder.

Ele dá uma risadinha:

— Então você ainda tem sonhos a realizar, hein?

— É. Tenho sim. E não abro mão disso. Mas por que me pergunta se ainda tenho sonhos a realizar?

Ahn ... nada não! Modo de falar, apenas.

— Pode dizer, sem problema. É por causa da minha idade avançada, não é, Agente?

— Que é isso?! Não falei por esse motivo não!

— Eu sei que foi exatamente isso. E apesar de que você é um psicólogo, não entende muito da alma, da essência humana.

— Nossa! Que lição! Desculpe! Vamos esquecer a palavra fria que eu disse,  ?

Ela o fita, então. Mas sabe que nem deveria fazê-lo. Ter diante de si esse homem tão encantador, a incomoda muito.

“Porque na verdade não há uma beleza suprema nesse homem, mas o conjunto que o forma deixa qualquer mulher tentada a supremos desejos... os mais ...” — a secretária pensa.  

— Deixe-me ver os catálogos. — ele pede.

— Ah, claro! — ela os espalha sobre a mesa, despertando de suas românticas reflexões.

— Quero escolher um belo vestido para a Lindinha.

Ahn, ahn!! — ela tempera a garganta, incomodada.

Vestido pra Scully...humpf! Era só o que me faltava ouvir  mesmo! Bem sortuda  essa mulher!”

Debruçado sobre a mesa da secretária ele continua  a desfolhar os coloridos catálogos.

A secretária fecha os olhos, absorta.

“O perfume que recende desse homem é deveras fascinante. Me leva a lugares inexistentes, ao espaço, a recônditos da emoção...”

— Sei lá...  — continua em voz audível o pensamento.

— O quê?! Não pode dar um palpite se este vestido fica bem na Agente Scully?

— Ah, desculpe... eu estava em devaneios.

Nesse instante o agente  fita sua secretária com maior atenção.

“O que  está havendo com ela? Está meditativa... cheia de íntimas interrogações... parece que está um tanto ausente do trabalho! E ela é tão eficiente...!

— Pode me dizer o que está acontecendo com você? — ele quer saber.

— É que vivo assim, sonhando acordada.

— E isso lhe faz bem?

— E como!

Ele ajeita o nó desfeito da gravata que está completamente voltada para um lado do colarinho da camisa.

— Você é solteira, casada, viúva, desquitada? 

— De tudo um pouco.

Agora ele dá uma risada:

— O que significa isso?

— Solteira porque cuido inteira, completa e independentemente da minha vida. Casada porque vivo seguindo as regras do bom senso, da honestidade e decência e não quero trair nesse casamento as boas virtudes da minha vida. Viúva porque há muito tempo morreram meus projetos, os maiores sonhos românticos e fico na solidão. Finalmente desquitada das obrigações que já tive com todos, principalmente da sociedade. É isso aí.

— Muito bem, Nilvana! Gostei da sua explicação! — ele levanta a mão e a coloca sobre um ombro da secretária — Eu a considero, além de uma excelente profissional, uma mulher muito inteligente.

— Obrigada. — responde sorrindo.

— E quero, então, recompensá-la por tudo isso.

— Verdade?!

— Sim! Não tenha dúvida. Agora a pergunta: prefere aumento de salário ou férias antecipadas?

— Nenhum dos dois.

Ahn...?

— Sou sincera.

— Mas eu quero recompensá-la!

. Mas existem várias outras maneiras.

— Mesmo? — ele sente a perturbação que está causando na eficiente secretária e ao mesmo tempo o espírito determinado do que deseja com ele.

Mulder aproxima-se mais dela, ainda por sobre a mesa repleta de papeis e pastas.

Nilvana entreabre os lábios. Fecha os olhos. Sente que precisa viver uma cena de filme com esse homem que invade os seus sonhos românticos mais profundos.

— Bom, façamos assim: primeiro vamos resolver esse caso dos catálogos. Eu escolho logo o que preciso e pronto.

— E pronto! — ela acorda de sua rápida fantasia.

— Olha esse vestido aqui... azul... bela cor...

— É... e tem um lindo laço à frente do busto... facilita o manuseio... — suspira.

— Manuseio...? — ele faz um ar de entendido; sorri levemente e faz um bico com os lábios — Verdade. E sabe... eu gostaria de dar a ela também ...

— Veja só, Agente Mulder, que tal um par de brincos como esse....? Veja que lindo! — e coloca as pontas dos dedos na própria orelha.

Ele dá a volta em torno da mesa e aproxima-se da secretária. Encosta os lábios no lóbulo de sua orelha, que ali se oferece às carícias dele.

Ela estremece com esse toque sutil.

— E também esse colar... olhe só! Não combina bem com ela? — mais uma vez ela sugere e desliza os dedos sobre a pele do próprio colo.

Mulder aproxima o nariz na pele à mostra.

— E que tal um perfume também? O que acha? — agora é ele quem dá a idéia.

— Simplesmente maravilhoso...! — ela sussurra.

Ele a fita com seu olhar perscrutador;  esse olhar que parece querer adivinhar o que há lá no fundo da alma da secretária à sua frente.

— As mulheres costumam colocar umas gotas de perfume... ahn... entre... os seios... —  comenta, com sutileza no toque com as pontas dos dedos em carícia mais profunda  no  decote da blusa da secretária.

Quase sem voz ela suspirando, sugere:

— Também tem os batons... cada um com a tonalidade mais linda do que a outra... veja! — continua sua sugestão com os olhos fixos nos dele.

— Batons... para colorir os lábios... — ele murmura — huum... gostoso!

— Sim... uma delícia que deve ser... — ela murmura, por sua vez.

— O baton...?

— É... esses...

— O quê...?

— “... lábios” — ela conclui para si mesma.

— Quer experimentar...? — ele quer saber, adivinhando os pensamentos dela.

A secretária desvia o olhar, como que conseguindo, com sacrifício, desgrudar-se da atração daquele verde penetrante do olhar dele. Vê-se, então, a si própria; sua própria figura  refletida no vidro liso e escuro da divisória entre as salas:  seu corpo delgado, elegante, de pernas longas, mas definidas em boa estética, busto bem modelado, os cabelos castanho-escuro longos e ondulados...

Ahn...? — exclama surpresa.

Mas em seguida entra em devaneios:

“É por isso que ele está assim tão... tão... insinuante! Ele me vê jovem, cheia de vida! Oooooh...! Tenho que aproveitar, sentindo-o  e me deixando entregue a todas as sensações que as carícias desse homem me fazem...! Delíciaaaaa...!!”

Os lábios dele encontram os dela, suavemente, como que experimentando sua reação. Com o passar dos segundos lhe procura a boca com sofreguidão.

Ela entrega-se a esse prazer...

Seus olhos abrem-se de repente.

Nãaaaaao!! Não acredito!!!

As lágrimas lhe vêm céleres aos olhos, descendo quentes pelas faces. Ela abraça o próprio corpo, abaixando a cabeça, flexionando as pernas e então prendendo-as contra seu próprio  corpo.

Ah, se pudesse voltar a ser um feto...! Voltar a ser o pequenino ser que fora no ventre de sua mãe. Sem conhecer esse mundo frio e  malvado! Que traz a velhice... o fim da vida!

Mas se voltasse a nascer novamente em outra criatura, a vida lhe daria novamente o mesmo destino. Querer conhecer na intimidade aquele que ela aprendeu a admirar e a desejar sentir os seus mais íntimos carinhos.

Que pena!

Fora tudo um lindo sonho.