ESPERANÇA PARA UM SOLITÁRIO

 

Autora: Wanilda Vale

Email: wanshipper@yahoo.com.br

Data: 10.01.04

Sinopse: Será que assim agiria Mulder, logo ao conhecer Scully em março de 1993?

 

 

Dana, com o fone no ouvido, ouve como que ecoando em seu cérebro, as palavras do namorado.

O tilintar do telefone celular ressoa estridente no ambiente.

Ela atende o celular.

Ela parte apressada para o telefone na mesa.

Ela ouve o clique no outro lado da linha.

Toma novamente o celular.

E enquanto o seu parceiro vai falando, ela entra em devaneios; a voz sussurrante que ele tem a faz vibrar de emoções inimagináveis.

"Por que será que não consigo deixar de imaginar esse homem me falando ao pé do ouvido, me amparando em seus braços fortes... esse olhar que mexe com meus instintos...?"

* * *

O movimento no amplo hall do Aeroporto traz um certo desconforto para Mulder, que, ansioso, sentado num banco de espera, sacode levemente, uma das pernas, em sinal de nervosismo.

Logo sua vista depara-se com sua parceira que está a alguns metros de onde ele se encontra.

"Mas Scully está com um cara ali e com muita... intimidade...! E ele a está beijando nos lábios! Ela não me falou que tinha um namorado!" - queixa-se a si mesmo.

Os olhos verdes de Mulder tornam-se cinzentos neste momento. Nem sabe bem o porquê, no seu interior corre um sentimento desagradável de raiva, despeito ou frustração.

* * *

* * *

Mulder vê que o casal aproxima-se dela.

Sua parceira apresenta um semblante amigável, o que não acontece com o seu acompanhante

Os dois aproximam-se do Agente.

Este levanta-se. Coloca os polegares no cinto, afastando o paletó para trás, enquanto observa, com olhar atento, o amigo de sua colega.

O outro, sem jeito, abaixa a mão que havia estendido.

Mulder pega a bagagem de mão, que está a seus pés.

A chamada nos auto-falantes do Aeroporto começa neste momento, anunciando o vôo.

Dana despede-se, mais uma vez, de Ethan, dessa vez sem deixar-se beijar.

Ele, por sua vez, segura-lhe o pulso, firmemente, fixando nela um olhar dominador.

Mulder, incomodado com a atitude do outro, joga para o alto o cavalheirismo, que aliás nunca fez parte do seu ser, e intromete-se na conversa dos dois namorados.

O outro fita-o, cheio de ira.

Dana segue, a passos rápidos, o seu parceiro, encaminhando-se para o pátio do Aeroporto.

* * *

No quarto do motel, que havia ficado sem luz elétrica neste momento, somente sob a luz bruxuleante da vela, Dana, deitada na cama, com o cobertor cobrindo suas pernas, aguarda o seu colega aproximar-se.

Ele chega e senta-se no chão, recostando-se na beirada da cama. Permanece de cabeça baixa, calado, circunspecto.

Ele parece despertar. Olha na direção dela.

Ele pigarreia. Fita-a, intensamente.

Dana já havia percebido que todas as vezes que ele lhe lançava esse olhar que parece querer esquadrinhar seus pensamentos, ela sente-se como despida diante dele, de corpo e alma.

Mas é uma sensação estranha, apesar de que lhe dá imenso prazer senti-lo tão próximo.

Ela dá um sorriso, enquanto continua segurando a cabeça com a mão e o cotovelo firmado no colchão.

Ele levanta-se, num ar decidido, no seu modo estabanado de ser.

Ele cala-se.

Agora é ela que levanta-se e está disposta a sair. Arruma sobre o peito a gola do quimono na qual está vestida. Pega a vela acesa sobre a mesa.

Dana atende àquele apelo.

Esse homem alto, de atitudes tão imponentes, lhe parece um ser carente, necessitado de compreensão... e companhia. Quer ouvi-lo desabafar, contar sua vida, seus problemas, seus dramas pessoais.

Após refletir, ela novamente recosta-se na cama, puxando o cobertor sobre as pernas.

Ele suspira aliviado, vendo que ela concordara em ficar.

Mesmo ali, somente sob a luz trêmula da vela, ele poderia jogar para fora, numa conversa com essa jovem que está ouvindo com atenção, os seus temores, as suas tristezas, numa vida de desesperada busca pela irmã desaparecida.

* * *

No escritório do porão do Bureau, Dana está vasculhando algo nos arquivos.

Mulder, sentado na cadeira envergada para trás, lê com atenção um documento, enquanto morde um lápis entre os dentes.

O ruído do telefone na mesa estremece no silêncio.

Ela corre a atender o aparelho.

Mulder, de onde está, não tem como ser impedido de ouvir o diálogo de sua parceira com alguém.

Mulder, no íntimo, gosta imensamente do que está ouvindo. De soslaio, vai dando uma olhada nas expressões de sua parceira.

Ela desliga o telefone e fica a cismar.

Mulder a olha rapidamente, fingindo estar interessado somente no papel que tem às mãos.

Dana consulta o relógio de pulso. Retorna ao arquivo. Fecha as gavetas. Abre-as, novamente. Sente-se intranquila.

* * *

Ela o olha, no seu gesto característico, de apertar os lábios e apertar um pouco o pescoço para baixo, contrafeita. Está de mal humor. Em seu interior, algo lhe diz que não dá para continuar o namoro com Ethan. Algo aconteceu que mudou no seu coração o desejo de prosseguir com aquele namoro um tanto insosso. Talvez o destino.

Ela toma o sobretudo, veste-o. Dirige-se para a saída. Bate a porta atrás de si.

Mulder permanece quieto. Sem ação. Como conseguira essa simples garota tocar seu coração de homem fechado para o amor?

Aquelas outras mulheres que passaram em sua vida, somente lhe deixaram amargura, sensação de frustração e abandono.

"Phoebe Green, a bela e sedutora, interesseira da minha vida de jovem em busca de uma amor que fortalecesse a minha alma, me trouxesse um prazer para viver em paz, já que meu lar era tão atribulado, tão sofrido pela adversidade da vida...!

Depois Diana Fowley, segura, boa amante, mas com seus próprios ideais, que não dava para partilhar com os meus projetos.

Agora essa garota simples, decente, inteligente, discreta, tocou-me tão profundamente, que sento inveja do homem que pode tê-la como namorada. Dana katherine Scully...!"

E com esses pensamentos, Mulder puxa o sobretudo de sobre a cadeira, veste-o rapidamente e sai.

Na garagem pega o carro. Sabe que Dana já deveria estar com o seu à distância dali, pois havia saído há já uns cinco minutos antes.

As luzes da rua confundem-se-lhe no olhar atormentado, atrapalhando sua visão.

Ele, com as mãos no volante e olhos atentos aos carros que seguem adiante, sente uma desconexa ansiedade tomar conta do seu ser.

Num dado momento avista o carro de Dana lá mais adiante. Ele a segue, com cautela.

Após minutos, Mulder a vê estacionar junto a um grande restaurante.

"Parou aqui? Pensei que fosse direto para um hotel ou para o apartamento...! Bem... primeiro deverão jantar, é claro!"

Ele procura estacionar discretamente, a certa distância, para não ser visto. Sai do carro. Olha de longe para as vidraças do restaurante. Vê Dana e o namorado conversando normalmente. Não parece haver algo mais que uma forte amizade, no entanto. Nem parecem namorados, neste momento.

Como o restaurante possui mesas expostas do lado de fora, Mulder resolve ficar ali. Desse privilegiado lugar, poderá apreciar o casal de namorados conversando, até eles sairem do local, talvez para um lugar mais... discreto.

Mulder concentra-se em ver a cena dos dois. O homem pede uma bebida. Dana nada quis saborear. Está somente palestrando com seu característico ar de muita convicção. Não há um semblante alegre nela. Ele segura-lhe as mãos que ela mantém sobre a mesa. Mas, aos olhos de Mulder, nota que não há, verdadeiramente, uma emoção no semblante de Dana.

* * *

Mulder vê Dana levantando-se. O rapaz assim também o faz.

Ela retira-se dali, sem nenhum beijo, carícia, nada.

O homem permanece parado, no lugar.

Mulder acompanha os gestos deles, com ar intrigado.

"O que estará acontecendo?"- pergunta-se.

Dana dirige-se para o estacionamento.

Mulder a segue.

Ela entra no carro. Põe o veículo em movimento. As rodas deslizam vagarosamente, sobre o asfalto.

Mulder já havia entrado no seu próprio carro.

"Será que eles brigaram e ela está chorando? Scully é tão sensível!"

O veículo que ela dirige afasta-se do local.

Mulder o segue de perto.

Ela prossegue, tomando o rumo de Georgetown.

Uma chuva fina inicia, na noite fria e escura.

"Droga! Acho que a perdi de vista!"- xinga Mulder, em pensamento.

Vários veículos passam velozes, ladeando o seu.

Mulder começa a ficar perturbado. Mas logo uma cena o surpreende.

O carro de Dana está parado num meio-fio, com as luzes do pisca-alerta acesas.

"Houve alguma coisa."- ele pensa.

E trata de aproximar-se de onde se encontra o veículo estacionado. Ele a vê com o vidro da janela fechado, movimentando freneticamente a chave na ignição, tentando dar marcha no carro.

Mulder pára o seu carro. Sai e bate no vidro da janela do carro dela.

Ela assusta-se ao ouvir o cumprimento. Olha e surpreende-se.

Ela sorri, em meio ao aborrecimento que demonstra seu semblante.

Ela faz o que ele pede.

Mulder remexe em várias peças. Parece não chegar a nenhuma conclusão. Pára, passa a mão nos cabelos, desanimado.

Volta a olhar o interior do veículo. De repente...

Ela já havia saído do carro e olha o que ele segura na mão.

* * *

Enquanto tem os olhos fixos na pista molhada, Mulder, de vez em quando, olha de soslaio para Dana.

Ela ri.

Mulder vira-se para olhá-la nos olhos.

Ela olha para um prédio lá fora.

Ele pára o veículo.

Ela abre a porta e sai.

Ele, por sua vez, também sai do carro.

Ela, na sua pequenez diante do homem alto à sua frente, segura o olhar dele, que, como sempre, parece desejar ler até o íntimo de sua alma.

Ela fala isso e galga com rapidez os degraus sem voltar-se para olhar o parceiro, que continua parado no lugar, vendo-a entrar no prédio.

Mulder, enfim, olha para os lados, chuta uma pedrinha na calçada, dirige o olhar para o prédio onde sua colega mora.

Uma janela acesa, com luz suave, traz-lhe uma agradável sensação de que lá dentro daquele ambiente há intimidade, calor, paz, amor, coisas das quais ele ainda não tivera oportunidade de experimentar em toda plenitude na sua vida de homem solitário.

Suspira profundamente. Entra no carro e sai em velocidade.

wanshipper@yahoo.com.br