ARREPENDIMENTO

"Um bom arrependimento é a melhor

medicina para as enfermidades da alma."

Miguel de Cervantes

 

Capítulo 104

Com um gesto na mão, Mulder apresenta a Dana a tela do monitor.

Dana está completamente sem ação. Mas, pelo menos hoje, tem esperança de que não deve estar ali aquela mensagem. Quem sabe havia se livrado do importuno sujeito?

Mas, para seu horror, entre os outros e-mails, está na tela o terrível endereço de remessa da tão indesejável correspondência.

Ela abre rapidamente e lê as mensagens anteriores ou posteriores àquela que não deseja ver. Começa a ler, uma a uma, tentando acalmar-se, numa guerra de nervos.

Mulder, ao seu lado, acompanha, atentamente, a leitura de cada uma delas.

Dana irrita-se. Levanta-se num ímpeto. Fala, pausadamente:

Ele senta-se rápido diante do computador. Entra em sua própria caixa de mensagens enviadas.

Lá está, ante os olhos atônitos de Dana, o temível endereço que tanto lhe havia afligido.

Inlovefriend@all.com

Mulder joga a cabeça para trás, dando uma risada. Levanta-se. Coloca os polegares na cintura da calça e fita-a, com sorriso maroto.

Ele a agarra, de supetão. Tenta beijá-la.

Ele solta-a, contrafeito.

Ela, rápida, sai do recinto.

Mulder veste, num ímpeto, o casaco de couro e sai do apartamento.

* * *

Dana, com ar bastante amuado, está no sofá da sala; pernas dobradas sob o corpo; olhar perdido na tela da TV, nada enxergando, porém, porque no semblante está o ar enevoado da tristeza e arrependimento pelas coisas que dissera.

No seu coração o medo.

"Se ele disse que fez uma brincadeira e eu fiquei zangada, agora ele saiu e... o que pode acontecer? Ele pode até ter ido para o apartamento dele e até dormir lá e eu... vou sentir falta dele... a noite toda... muita... muita!"

Toma o celular que está ao seu lado numa mesinha. Digita o número do apartamento de Mulder. Sabe que ele não levara seu celular.

O ruído interminável da chamada a irrita. Desliga o aparelho, com raiva.

Ouve, em seguida, na porta o ruído de chaves.

"Graças a Deus ele já voltou."- pensa, menos agitada.

Ela não responde. Com o braço apoiando a cabeça, continua olhando para a tela da TV, fingindo total descontração.

Dana levanta para ele o olhar profundamente azul.

Mulder senta-se ao seu lado.

Dana retira uma das rosas, quebra-lhe a haste e a coloca entre seus cabelos, seguro atrás da orelha. Olha para Mulder, sem nada falar.

Ele a continua fitando, com olhos perscrutantes, buscando, talvez, ler o âmago dos seus pensamentos, o fundo do seu coração.

Dana tira da rosa uma pétala e a coloca entre os lábios.

O contraste entre seus lábios cheios e rosados sem nenhuma pintura e o vermelho intenso da pétala, desperta os sentidos amorosos dele.

Ela desvia a cabeça para o lado, impedindo-o de alcançar sua boca.

Ele suspira. Porém insiste no gesto.

Cada um sente a respiração quente e rápida do outro.

Ela permanece sem fitá-lo. No íntimo deseja fazê-lo ficar indócil.

Mulder chega bem perto para beija-la, mas ela o repele num gesto e apenas um canto de sua boca ele consegue tocar.

Ela sente um frenesi a arrepiar-lhe e fazer-lhe vibrar todos os nervos e sentidos com o toque cheio de sensualidade dele. E a voz com que ele sussurra seu nome a faz deseja-lo mais que tudo.

E continua com a pétala presa entre os lábios.

Ele, cheio de desejo de invadir o interior daqueles lábios, está cada vez mais encantado com a beleza singela de sua amada.

Seu olhar acariciante e esquadrinhador desliza pelos cabelos finos e lisos que caem em onda ruiva sobre a face, os olhos azuis que se escondem agora para que ele não os fite, a pele alva cheia de pequeninas sardas que o atraem, o sinal sob o nariz que o encanta, os lábios em flor que segura um pedaço de uma outra flor. A soma total de tudo é a atração que Mulder sente ao ver a formosura de Dana.

"O que encanta na vida é a beleza;

e a alma na mulher é a formosura."

Campoamor