SIMPLICIDADE

 

"A simplicidade é a companheira da

verdade, como a modéstia é do saber."

De Sanctis

Capítulo 105

Dana continua com a pétala presa aos lábios, em tentação ao seu amado, porém sem fitá-lo.

Este faz, novamente, menção de tocar-lhe os lábios para retirar a pétala.

Agora ela permite que ele toque seus lábios.

Ele umedece com sua língua os lábios dela. Afasta o rosto para fitá-la bem no fundo dos olhos azuis, atentamente. Num ímpeto cola a boca sobre os lábios de Dana, arrancando a vermelha pétala, afastando os róseos lábios tentadores e penetrando na doçura do recôndito daquele boca desejada. E a suga com paixão, voracidade quase.

Dana deixa-se levar pelos embalos desse entusiasmo ardente . Permite que seus sentidos a tornem inefável, encantada, etérea, o corpo despojando-se de quase toda a energia, até como que flutuar na nuvem diáfana do prazer.

Nesses momentos entre os dois são esquecidos todos os problemas, mistérios, sofrimentos, cansaços, perigos de suas vidas.

* * *

Mulder, de braços dobrados sob a nuca, olhos fechados, está esticado numa poltrona.

Dana sente felicidade em poder estar ali, do seu lado, na poltrona próxima, também deixando o corpo relaxar e sentindo uma tremenda paz.

Olha para ver o rosto do homem amado.

Ele abre os lábios num sorriso.

Dana suspira. Junta os lábios, num modo preocupado. Sente uma ansiedade em seu interior.

Ela apenas faz um meneio, confirmando.

Ele volta o verde olhar para a janela e os infinitos pontos cintilantes que flutuam no espaço escuro da noite.

Dana o observa. Vê as linhas horizontais em sua testa, denotando pensamentos angustiados. Está ciente que, de vez em quando, os pensamentos dele voltam-se para a ocasião de sua abdução pelos alienígenas que o levaram até quase ao fim da vida e a perseguição à vida de seu filho.

Dana levanta-se de onde está e aproxima-se da poltrona onde encontra-se Mulder. Senta-se no braço estofado do móvel.

Ele a envolve pela cintura; ela agarra-se ao seu pescoço.

Ambos permanecem olhando o vazio, com as respectivas mentes cheias de absurdas idéias. Mas sabem e sentem que é preciso relaxar.

Ela agarra-se a ele, esfregando o rosto no dele. Acha gostoso e diferente essa espécie de carinho.

Toma-a nos braços e leva-a para o quarto.

* * *

Ele agarra-a e rola com ela sobre a cama, como se estivesse manuseando uma boneca. No seu interior sente dó por Dana no seu trabalho sem trégua no Bureau, sem ter direito a passar todas as horas com seu filho e nem dormir as horas suficientes para um bom repouso. Ela tem que aproveitar mesmo enquanto pode desfrutar de sua licença no FBI.

Ambos dão risadas. Estão felizes. Curtindo sua liberdade de sentimentos e de momentos de prazer. Preferem ambos demonstrar a simplicidade do seu amor e companheirismo em seus pensamentos, gestos e palavras.

Cessam o riso, após minutos.

Silêncio. Total. Somente o ruído de suas respirações.

Chamam-se, simultâneamente.

Silêncio novamente.

Mulder fecha os olhos. Em sua mente, como sempre acontece, milhares de cenas vão passando neste momento: sua abdução, a dor pelos sofrimentos da tortura, o rosto angustiado mas esperançoso de Dana junto ao seu leito, no hospital.

"- Quem é você?" - ele lembra ter falado.

Brincadeira tem hora. Naquele instante o desespero de Dana estava estampado no azul transparente dos seus olhos. E ele, quase inconscientemente, achou que seria uma brincadeira inocente. Tal e qual a das mensagens dos e-mails deste dia, que fizera Dana enfurecer-se. Vem como cenas de um filme à sua mente sua corrida junto à sua amada prestes à dar a luz, fugindo dos seus algozes.

Mistura de pensamentos.

Ele, naquele helicóptero, louco de desespero, à procura dela e encontrando-a naquela casa, num lugar distante e ermo. E mais perseguição. E mais terror. Queriam sua criança. Eles, os miseráveis alienígenas! E ainda querem levá-lo ou mesmo... matá-lo!! Uma criança inocente... um ser humano no início de sua vida... tão tenra, ainda!

Mulder aperta os olhos com força.

Ele não responde. Sua mente é só de loucos, mas, infelizmente, muito reais pensamentos.

Hoje está a par de que deve haver uma solução para essa desesperada situação. E essa solução é terrível para ambos. Sofrerão demais! Talvez seja até seu próprio fim, na angústia e solidão em que se encontrarão algum dia desses. Mas terão que se submeter a essa vida de agonia. Por William. O seu filho que fizeram vir a este mundo.

Abre os olhos para fitá-la.

Ele a aperta contra seu peito. Continua calado.

Ele senta-se na cama para olhar o berço e ver dentro a serenidade do sono de seu filho.

Ela senta-se também e acompanha o olhar dele.

Dana leva as mãos à boca, como para impedir o soluço de dor que quer vir à tona.

E Mulder, chocado com a insensatez de suas inconscientes palavras e aturdido com o choro de Dana, sente que também seus olhos estão marejados de lágrimas e a garganta se lhe sufoca num abafado pranto.

"É mais fácil encontrar quem chore

com as nossas tristezas que quem

se jubile com as nossas alegrias."

Jacinto Benavente