SAUDADES

 

"Saudade - presença de ausentes."

Olavo Bilac

 

Capitulo 11

Um sol luminoso, porem brando, entra pelas janelas, quando Dana aproxima-se para examinar um pequenino vaso de flores naturais colocado cuidadosamente no parapeito.

Ela toca, delicadamente, em cada uma das diversas florezinhas nascidas. Toma o pequeno vaso e leva-o à frente do rosto, aproximando-o do nariz. Aspira o perfume das flores. Encosta-as com doçura em sua face.

Não sabe explicar porque, está com a alma fragilizada, o coração apertado, algo diferente dentro de si.

Ouve batidas na porta. O sinal de Mulder.

Vai rápido abrir a porta.

Ele está com as mãos apoiadas no umbral da porta.

Dana vê o olhar dele intensamente envolvendo o seu.

Mulder somente faz um meneio de cabeça. Entra.

Um vinco horizontal forma-se-lhe na testa.

Dana examina-o, colocando nele detidamente os seus grandes olhos azuis.

Joga-se, relaxadamente, no sofá.

Por alguns momentos Dana deixou os pensamentos vagarem, procurando o motivo daquela vinda do seu parceiro tão cedo da manhã.

Mas tem que entender que ele é uma pessoa extremamente imprevisível.

Ela sente que ele está reticente. E que naquela resposta há algo mais a ser dito.

Mulder toma uma atitude de quem está bem descontraído.

Scully apenas meneia a cabeça, negativamente para censura-lo pela tola pergunta.

Chega até a janela e toma o vaso de flores:

Mulder aproxima-se para ver. Sorri brandamente.

"Ele trata-me por esse nome só em dias muito especiais...!" - pensa.

Nota o ar um tanto contristado dele: os olhos estão diferentes; parece-lhe que aquele verde transparente hoje traz uma cor mais escura, lá dentro, bem no fundo.

Mulder senta-se à mesa, aguardando calmamente.

Enquanto prepara a mesa, Scully observa-o a estar pensativo, movimentando uma colherinha sobre a mesa, com os olhos no vazio.

Dana serve-lhe o café na xícara. Senta-se à mesa.

Mulder toma seu café em silêncio.

Ele fita-a amorosamente. Seus olhos falam de preocupação, tristeza, dor.

Levanta-se da mesa. Leva a mão ao queixo.

Dana mostra o seu olhar de ironia.

Dana sente, num ímpeto, que de dentro de seu peito, involuntariamente, é lançado para fora uma espécie de gemido:

- Algum tempo...?

Mulder dá uma volta e levanta-se indo até a janela.

Ela nada fala e nem um assentimento sai dela. Está estática. Somente seus olhos acompanham cada movimento de seu parceiro.

Ele aproxima-se agora.

Dana continua sentada. Tem na ponta dos dedos um pedaço de pão. De sua boca não é proferida nenhuma palavra.

Mulder senta-se à frente dela, puxando uma cadeira.

Mulder segura-lhe as mãos, ternamente.

Àquele tom de voz de Mulder junto aos seus ouvidos, Dana quase não resiste.

E se separarem-se? O que vai ser de sua vida?

Sente-se atordoada. Um redemoinho de pensamentos dispara em seu cérebro.

Ele apenas meneia a cabeça, assentindo.

Dana deve ir falar com o Diretor Assistente. Deve e tem todo o direito. É o seu desejo ir. E, é claro, o de Mulder, também.

Que vá falar com o Skinner, sim. Ambos necessitam da companhia um do outro, seja em que circunstância for.

X x x x x X

No corredor longo e frio do Quartel General do FBI Dana caminha a passos lentos.

Dentro de sua mente está agora concatenando as idéias e vendo a realidade dos seus temores acontecendo. Ela pressentira que algo de ruim aconteceria naquele dia.

Mulder a aguarda a mais alguns metros lá adiante. Deseja saber o resultado da conversa com Skinner. Pelo semblante anuviado de Scully, nota que fora tudo em vão.

Aproxima-se dela ao vê-la chegar:

Ela vai seguindo em frente. Não pára sua caminhada para falar com ele.

Não deseja parar e ter atiçado seu desejo de abraça-lo, toca-lo, senti-lo bem junto a si.

Continua caminhando.

Mulder a acompanha.

 

X x x x x X

 

Scully abre os olhos, enquanto está na cama.

A janela exibe um céu cinzento, uma temperatura fria, um lugar inóspito, triste como está seu coração.

Continua deitada. Os pensamentos a vagar.

**

Mulder olha o relógio de pulso. 4:35 da manhã. De uma manhã quente e nublada.

Nublados estão também os seus olhos pelo enevoado das lágrimas que estão prestes a lhe rolar pelas faces.

**

Scully senta-se na cama. Não tem mais vontade de permanecer ali. Sente-se enjoada, aflita, ansiosa, triste e saudosa. A saudade passara a fazer parte do seu dia-a-dia. Mas até quando?

**

Mulder continua deitado olhando para o teto. Sente a alma e o coração despedaçados.

Sente desejo de gritar a plenos pulmões o nome de sua amada, de uma forma avassaladora até penetrar seu grito nos ouvidos de Dana, lá longe onde se encontra.

Mas somente tem forças para balbuciar:

**

- Mulder? - ela o chama em voz sofrida, quase num gemido - Vem aqui comigo!

Continua sentada na cama.

Neste exato momento não dá mais para segurar o jato do pranto que escapa-lhe de dentro do peito. E dói-lhe mais ainda pensar que tem sempre que, a qualquer instante e em qualquer lugar, diante dos outros, mostrar-se forte, altiva, quando na verdade é tão frágil e tão submissa àquele amor que embala a sua vida, o seu coração...!

 

**

 

 

 

Mulder rola para um lado da cama; cruza os braços e coloca o queixo sobre eles.

Por que motivo essa situação aconteceu? Tem que ser assim?

Será que vale a pena, por causa da sobrevivência, acatar todas as circunstâncias do que o trabalho o obriga e jogar fora tudo o que sente na vida que é aquele amor intenso que nutre por Dana?

**

Mulder! - ela chora agora, enquanto murmura - Sinto tanta saudade de você! Sinto tanto sua falta, Mulder!

Levanta-se e naquela penumbra, pois o sol ainda tardaria a aparecer, alcança a janela e seu jarrinho com flores. Toca-lhes uma a uma e elas parecem compartilhar tristemente de sua saudade.

Paira um silêncio angustiante. Dana só pode ouvir o tic tac do relógio na mesinha de cabeceira.

**

Mulder continua em sua atitude meditativa. Fecha os olhos.

"Quanto tempo ainda tenho que ficar aqui? Scully, Scully, quanta falta me faz te ver caminhar pequena e frágil ao meu lado, ver teu olhar de censura quando te digo minhas teorias em confronto com o teu cepticismo! Quanta falta me faz os teus olhos para que eu possa mergulhar na profundeza azul que alivia os meus dissabores, preenche as minhas horas vazias! Quanta falta me faz as tuas mãos a tocarem as minhas, tão cheias de atenção e carinho... quanta falta me fazes inteira, Scully!"

**

Dana vê uma das pequenas flores vergar-se ao peso de uma lágrima que cai.

"Eu amo de verdade aquele homem, sabe? - pensa, enquanto parece conversar com a planta - Ele é tudo pra mim! Como eu sinto falta das mãos dele junto aos meus ombros quando caminhamos, seu corpo encostando ao meu quando estamos caminhando juntinhos, no mesmo ritmo de nossos passos , de sua voz nos meus ouvidos... olha, eu preciso dele, sabe? Quando ele me fita com aquele olhar transparente, penetrante, até o fundo da minha alma, eu me sinto arrebatada por essa paixão!

Que saudade sinto da sua voz mansa, das suas indagações, das suas hipóteses um tanto bizarras...

Mulder, quero te ver...! Me acode! Eu estou triste! Mais um dia se passou sem eu poder te ver!!"

O tilintar do telefone distrai sua atenção. O coração dispara. Perde o fôlego. Quer atender, falar um alô, porem a voz não lhe sai da garganta.

Percebe que Dana atendera o telefone, mas somente o ruído de sua ofegante respiração ele pode ouvir no momento. Sente e sabe que ela tem o fone no ouvido, mas por algum motivo a voz não chega até ele.

- Scully... - murmura - você está aí?

Fala, tentando sorrir, porem mal consegue pronunciar essas quatro palavras. Continua com a voz embargada pela emoção.

Os dois param de falar.

Estão com os fones aos ouvidos, atentos, mas parecem desejar somente se sentirem, como se a distância os fizesse muito próximos. Enquanto estão sem pronunciar palavra, somente a ouvir a respiração um do outro, aumenta o anseio de encontrarem-se e poderem se ver, se tocar...

A ligação telefônica cai.

Logo Mulder tenta restabelecê-la, pois para Scully seria por demais dificultoso, visto ser a área em que ele se encontra de difícil acesso para chamadas telefônicas ou qualquer outra comunicação.

Por várias vezes ele faz tentativas sem nenhum sucesso.

Caminha de um lado para o outro com o celular no ouvido, tentando restabelecer a ligação.

Enfim desiste.

Com o telefone sobre a palma da mão olha-o fixamente, como se isso pudesse ajuda-lo a alcançar uma solução.

- Scully...? Dana...? - balbucia.

 

 

**

Scully já havia desistido de esperar por uma nova chamada em seu telefone. Agora já desenganara-se.

Ela arranca do peito um longo e profundo suspiro. Nada mais resta, senão desistir.

E tem que reagir! E tem que mostrar a todos no seu trabalho que "está tudo bem!" Tem que mostrar a todos que não está triste, nem desolada, que não sente a falta de seu companheiro de jornada, das palavras mansas quando ele lhe fala, dos beijos suaves que já haviam trocado. Tem que demonstrar a todos que não sente falta de ver o seu corpo atlético, de sua boca sensual, de sua voz diferente, de seus olhos verdes transparentes. Tem que mostrar-se forte, impávida, fria, racional.

É isso!

 

Na tortura desses pensamentos seu coração dispara e a dor da saudade a atormenta, fazendo-a infeliz. E chora.

E as lágrimas descem silenciosas, molhando suas faces e vão caindo sobre as pequeninas flores, fazendo-as balançar sob seu peso.

"Mulder, - pensa - eu sei que quando estiver novamente na tua presença minhas palavras de amor não me sairão à boca; ficarão presas ao coração e não poderão aflorar à minha garganta. Eu sei, Mulder, que tudo será como sempre foi... o desejo que tenho de te falar sobre o que sinto simplesmente fica preso dentro de mim e nada consigo demonstrar a não ser o meu afeto, o meu carinho, minha dedicação..."

Ë encaminha-se para a cama, novamente.

A obscuridade ainda permanece no ambiente. Mas Dana não quer mais deitar-se.

E senta-se na cama, apenas.

E as lágrimas densas vêem-lhe aos olhos com intensidade banhando-lhe a face, num pranto silencioso que simboliza a falta daquele amor pela distância separado, que simboliza o desejo de voltar a ver breve seu amor e a esperança de junto a ele logo poder estar .

"O desejo, como a esperança, são dois

ventos necessários para a viagem da vida."

Campoamor

CONTINUA