RETORNO AO PASSADO

 

"É conveniente interrogar o passado,

porque a sua resposta será proveitosa

à nossa experiência."

Young

Capítulo 120

Por que estás abatida, ó minha alma?

Por que te perturbas dentro de mim?

Espera em Deus...

As palavras batem fundo no coração de Mulder. Ele as lera há algum tempo atrás na Biblia que Dana possuía. E esse versículo do Salmo fala muito ao seu interior cansado, esgotado pelas amarguras de sua vida atribulada.

Está sentindo-se infeliz e só. Faz-lhe falta o aconchego junto à Dana e seu filho.

Mulder joga-se sobre uma poltrona, estira as pernas à frente; joga a cabeça para trás; fecha os olhos. E suspira, num profundo abatimento.

Sua mente capta cenas do passado.

* * *

O lar onde fôra criado.

Contendas, intriga, traição.

Sua mãe Teena, traira seu pai Bill, desrespeitando-o em seus votos de companheira fiel na alegria e na tristeza, na doença e na saúde, na riqueza e na pobreza...

O Canceroso... então ele, Mulder, seria seu filho...? Aquele asqueroso homem lhe dera a vida, mas fizera gerar também um lar desgraçado.

Relembra os choros escondidos de sua mãe; as discussões entre os pais e ele e Samantha, sua irmã, escondidos, observando aquelas tristes cenas, apavorados, as lágrimas escorrendo pelas faces.

E aquela mulher bonita que conhecera na sua juventurde? Com maneiras distintas, refinadas, mas pensamentos não condizentes e que sempre o tratara com desdém, até o momento em que, de uma só vez, despedaçara como fino cristal, todo o sentimento que ele ainda mantinha por ela.

Phoebe Green o tratara como a um escravo; e ele quase tornara-se mesmo um em suas hábeis mãos de mulher vivida e astuta.

E Diana Fowley? Ela fôra parte de sua vida. Quiseram até formar um lar. Um lar que não deu certo.

Ela tinha os mesmos pensamentos dele, mas ideais diferentes.

Essa divergência os afastara um do outro, embora ela parecia tê-lo amado, ainda mesmo após a separação.

Tais situações vividas o haviam tornado um homem que desacreditara no amor. A partir de então, apenas enxergara diante de si a infidelidade, o egoísmo; tornara seu coração imune a qualquer sentimento romântico, apesar de que não conseguira deixar de ser um homem sensível, embora às vezes denotando um temperamento rude, quando suas palavras sarcásticas maltratavam a quem dele se aproximava; voltava-se, então, a fim de satisfazer a sua ânsia sexual, para as fitas de filmes pornográficos diante da TV, na solidão de suas noites mal dormidas, quando podia ter seus sentidos voltados para a sexualidade ordinária das personagens daqueles filmes eróticos.

Até que um dia...

Debruçado sobre a mesa, a organizar fotos de seu arquivo, ouviu a voz feminina ao seu lado:

E após essa ocasião, todo o seu ser mudara.

Considerava que jamais havia sucumbido ao ceticismo de sua parceira jovem, bonita, inteligente, culta, excelente profissional... porém descrente nas coisas que ele acreditava e lutava por elas.

A presença constante de Dana Katherine Scully o havia forçado a ser despertado para o amor. Mas ele não aceitava tal fato.

E, a cada ocasião em que conseguia demonstrar à sua parceira o sentimento maior que já havia nascido dentro dele, ao mesmo tempo ansiava para que ela ignorasse qualquer emoção sua por ela.

Por vezes nem conseguia entender a si próprio. Queria o amor de Dana, mas ao mesmo tempo procurava repelir do seu ser esse sentimento.

E sofria. E amava. E doía-lhe não ter a certeza de que ela também o amava. E isso o entristecia. E o acovardava. Mas não entregara os pontos por esse fracasso.

E assim, dedicava-se ao seu trabalho cada dia mais.

Ficar frente a frente com as aberrações que lhe cruzavam o caminho era bem mais tolerante do que ouvir um não de Dana Scully.

* * *

Dana Scully.

O passado lhe parece longínquo. Em comparação com o presente doloroso.

Como é a vida...! Nem parecia que teriam um amor tão sofrido, arrasador...

Mulder retorna ao passado novamente, com os pensamentos voltados para cinco anos atrás.

Seus maxilares se apertam, relembrando o quanto sofrera naquela ocasião.

Em sua mente vem aquele leito de hospital em que a vida de Dana estava se esvaindo, entre as mãos dos médicos.

* * *

E Mulder sofria. Muito.

Na penumbra do quarto estacou. Estava adquirindo forças para se aproximar do leito que guardava a sua frágil Dana.

Ela, adormecida pelos tranquilizantes, parecia aos olhos dele, mais frágil, ainda.

Mulder aproximou-se. Fitou-a por alguns instantes. A culpa que sentia por saber-se responsável pelo estado dela, o consumia.

Ele ajoelhou-se. Tomou-lhe a mão abandonada sobre os alvos lençóis.

E o choro do abatimento veio sobre ele, derrubando-o, tornando-o quase um menino, pela fragilidade daquele momento angustiante.

E suas lágrimas de um pranto em silêncio, molharam a mão pequena e inerte de Dana.

* * *

A esses pensamentos os olhos de Mulder ficam marejados de lágrimas. O verde transparente de seus olhos tornam-se acinzentados.

Sente-se, neste momento, tão imensamente infeliz, que deseja que o mundo pudesse ter um fim neste instante.

"Eu me sinto um fracasso. Não quis enfrentar o perigo para não pôr em risco a vida de Scully e nosso filho... mas será mesmo que pouparão a vida da criança, se eu estiver ausente? Não creio muito nisso... e tenho medo..."

Mulder retira com raiva os sapatos e joga-os, displicentemente, para um canto do quarto. Arranca com força a camisa. Atira-a na poltrona. Deixa o corpo cair pesado na cama. De bruços. Vai, novamente, tentar dormir.

Para um novo amanhã, quando continuará a demonstrar ser forte e destemido.

"Forte é aquele que não perde

a ternura nem mesmo na dor."

Wanshipper@yahoo.com.br