TRISTEZA

"Estar triste é quase sempre pensar em si mesmo."

Anatole France

 

Capítulo 126

No silêncio do quarto escuro, Dana pensa na sua solidão.

Imagina o quão poderia ser tão diferente sua vida. Quem sabe poderia ter o direito de ter um dia uma vida muito feliz com Mulder? Mas quem lhe poderia lhe garantir isso?

"Talvez... - ergue os olhos para o pedaço de céu aparecendo em sua janela, mostrando os milhares de estrelas a piscar - ... talvez o Criador de tudo isso, o Dono da Vida me desse permissão para ser feliz... quem sabe?"

Inspirada por esses pensamentos, levanta-se da cama, descalça; acende o abajur na mesinha ao lado; vai até a cômoda, abre uma gaveta.

Pega o livro de capa preta; olha-o, por instantes e detém-se, lendo o que nela está escrito:

BÍBLIA SAGRADA

Abre-a numa página a esmo. Lê, atentamente.

"1. Até quando te esquecerás de mim, Senhor? Para sempre?

Até quando esconderás de mim o Teu rosto?

2. Até quando consultarás com a minha alma, tendo tristeza no meu coração cada dia? Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?

3. Atende-me, ouve-me, ó Senhor, meu Deus; ilumina os meus olhos para que eu não adormeça na morte..."

"Tem tudo a ver comigo - pensa Dana - Dizem os entendidos que Deus pode falar ao nosso coração através da Bíblia e essas palavras parecem consolar o meu sofrido coração."

Os olhos dela enchem-se de lágrimas.

Um pequeno gemido do bebê no berço chama sua atenção. Dirige o olhar até aquela direção. Tudo bem. É apenas um resmungado natural do bebê, em seu sono.

Dana continua folheando a Bíblia em suas mãos. Pára num trecho:

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que retine.

E ainda qe eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes e não tivesse amor, nada seria.

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

O amor é sofredor; é benigno; o amor nunca morre; o amor não é invejoso; o amor não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca seus interesses, não se irrita, não suspeita mal.

Tudo sofre, tudo crê, tudo perdoa, tudo espera, tudo suporta..."

Dana fecha os olhos.

Os ensinamentos desse livro estão lhe fazendo bem. Sente um conforto dentro do seu coração e de sua alma.

Ela deita-se de lado, ajeitando-se, de modo que possa ler mais alguma coisa da Bíblia.

Olha para um ponto qualquer do espaço por vários minutos.

Quanta saudade sente de Mulder!

"Até quando te esquecerás de mim, Senhor?"

Vem à sua mente as palavras do versículo que lera, anteriormente. Seus olhos azuis, cansados e tristes, brilham ante a luz do abajur.

Uma lágrima de um silencioso pranto, sai-lhe do olho, deslizando por sua face abatida e desaparece no travesseiro.

"São tantas coisas a te pedir, meu Senhor!

Neste momento quantas lágrimas

molhando travesseiro, cobertor!"

Ela havia lido isso em algum lugar, lembra-se.

Os pensamentos de Dana vagueiam sem um porto para se fixar.

"... até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?"

Dana rebusca no coração e na alma, tentando imaginar cenas que lhe aqueçam a frieza na qual se encontra.

Tem ciência de que, a partir do momento daquele telefonema, de agora em diante, contará hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo o tempo que a separa de Mulder, que irá chegar.

Já são decorridos muitos meses sem vê-lo ao seu lado, sem sentir o seu carinho, sem ouvir a sua voz.

Depois do amanhã... até lá será uma eternidade, pensa.

Enquanto isso, enquanto não acontece essa vinda, sente a angústia que carrega como fardo pesado no coração.

Toma a Bíblia que tem em mãos, leva-a ao peito, sentindo como se Deus a estivesse vendo nesse exato instante, de tanta saudade e sofrimento.

Seus olhos, como poços de transparentes águas azuis, transbordam cristalinas lágrimas.

Seu peito dorido arfa, no choro amargurado.

Olha, mais uma vez, uma página da Bíblia, que abre ao acaso.

Dana lê:

"Bem aventurados os que choram,

porque eles serão consolados."

Prov. 5:4

Wanshipper@yahoo.com.br