DESTINADO À SOLIDÃO

"Estavas comigo, mas te pressentia distante,

demasiadamente longe, como algo só.

Era apenas solidão."

 

Capítulo 127

Mulder, antes de encontrar-se com Dana, decidira ir até seu apartamento. Verificar como ele está. Talvez matar a saudade...

Chega até a portaria do prédio. Para sua sorte, algumas pessoas pedindo informação ao porteiro, possibilitaram-lhe entrar no elevador, sem ser percebido.

Uma mulher com uma criança; um menino de mão dada com o pai. Um homem idoso.

Todos esses tipos lhe são familiares, porém não haviam prestado atenção nele ou não havia sido reconhecido, simplesmente.

Ou talvez nem lembrem-se mais dele.

O esquecimento é um sentimento fácil de se apresentar na vida de qualquer um.

"Esquecimento... e Scully ... será que esse triste sentimento já havia começado a insinuar-se no coração dela?"

Mulder suspira, nervoso, a esse pensamento.

"Claro que não! Ela demonstrou-o, quando do telefonema!" - rebate outro pensamento.

Ele repara o menino recostado nas pernas do pai, que segura sua mão, numa típica atitude de proteção ao seu filho.

Filho... uma continuação de sua própria vida... seu filho... William... e como estará? Sente desejo de vê-lo, de poder pegá-lo, acarinhá-lo, como um verdadeiro pai.

Ele olha o andar sinalizado aceso no painel. Quarto andar. Sai do elevador.

Caminha pelo corredor, a passos incertos: tem dúvida.

"Será que fiz bem em vir aqui?" - pergunta-se em pensamento.

Apartamento quarenta e dois.

O número em metal aparece diante de seus olhos ansiosos. Passa o dedo sobre a superfície polida dos números. Introduz a chave na fechadura. Abre a porta e entra.

Penumbra. Silêncio. Abandono. Solidão.

A eterna solidão que nunca deixou de fazer parte de sua vida.

Ele pára no meio da sala. A superfície dos móveis está limpa.

"Scully - ele pensa - sempre cuidando de tudo. Sempre zelosa."

Fecha os olhos molhados. Abre-os, a seguir. Morde o lábio inferior. Vai até um móvel. Retira dele o álbum de família.

Desfolha-o, lentamente.

A mãe. O pai. Samantha. Todos mortos.

Ele joga o corpo sobre o sofá de couro preto, onde tantas noites de sua vida solitária passou, às vezes, sem nem sequer conseguir dormir.

"Mas... - pensa - ... num certo ponto eu era até feliz... não sofria perseguições como hoje acontece comigo ... tinha meu emprego certo... via Scully diariamente... Scully... FBI... Teena... Bill... Samantha... William."

Os pensamentos embaralham-se em sua cabeça.

Vira mais uma página do álbum. Toda a família reunida. Aparentavam uma certa felicidade. Que, na verdade, não existia.

Um longo suspiro sai de seu peito. Levanta-se. Aproxima-se do lugar onde havia estado o aquário. Não mais está ali. Dana o levara para seu apartamento.

Vai até a cozinha. Tudo arrumado. Porém, sem vida. Tem a impressão de que, se abrir a torneira, nem água dela sairá. Só impressão. Como se estivesse tudo seco, vazio. Abandonado.

Retorna à sala e deita-se, novamente no sofá. Como sempre o fez. Estirado nele, braços cruzados sobre o peito, cabeça sobre o braço estofado do móvel.

Havia abandonado tudo. Sua casa. Seus pertences. Muito triste.

O que seria de sua vida mais adiante? Deixara tudo por amor de Scully. Por amor de seu filho. Mas não tem a ambos. Tudo se fôra de sua vida.

Sente imensa tristeza a atordoar-lhe a mente, penetrando no coração sem paz.

"Será mesmo que tanto sacrifício de minha parte trará benefícios para Scully e nosso filho? Será...?"

Volta o olhar para o aparelho de TV. No mesmo lugar. Vai até o aparelho e o liga.

As imagens aparecem na tela. Ele deita-se, novamente, no sofá. Na mesma posição. Olhar fixo na TV.

Vem-lhe à mente uma lembrança. O vizinho do apartamento ao lado: Padget.

As palavras do homem soam dentro de sua memória.

"- No meu livro eu escrevi que a Agente Scully se apaixona, mas isso é impossível. Ela já está apaixonada."

Essas foram as palavras daquele homem escritor.

" Scully já me amava. E eu, por minha vez, daria até minha vida por ela. Eu também a amava. Sempre a amei. Desde aquela noite no carro, na vigília que fazíamos naquela investigação do sujeito que comia cérebros."

"- Se tiver chá gelado aí, pode ser amor." - lembra de ter falado para ela.

"- Cerveja sem álcool, pode ser destino. "- ela respondera.

E lembra que seus olhares trocados eram de uma profunda ternura.

" Tudo estava acontecendo desde aquela ocasião. E embora eu sempre insinuasse todo o amor que sentia por ela, ao mesmo tempo, repudiava a minha ousadia, o meu medo de procurar a felicidade num novo amor."

E Mulder ali permanece. Entregue a seus pensamentos.

Sente-se imensamente infeliz. Uma coisa somente, porém, embala seu coração. Vai rever a sua Scully. E nem deseja saber se nessa sua vinda acontecerá alguma coisa que o desagrade ou o aborreça. Algum perigo. Qualquer problema, pois nada disso o demoverá de estar por algumas horas com ela, que o espera, ansiosa, tem certeza disso.

Ele resolve deixar que seus pensamentos o levem até lugares remotos, até distantes no tempo, quando tudo então era diferente.

Por que a vida lhe trouxera tantas amarguras? Será que a sua integridade de homem honesto, fiel, de caráter, boa índole, humano, sensível, o teria atrapalhado em seu destino?

Só sabe e sente que a idade madura já chegara e ainda não possui uma vida invejável.

E até quando? Até quando continuará nessa vida difícil, com situações mirabolantes, procurando tudo fazer para sobreviver de um tormento consigo mesmo?

"Fox William Mulder... - ele pensa - ... um cara destinado à solidão, à saudade... ao fracasso. Família... felicidade... paz... segurança... tudo uma utopia que... - em sua mente ele vê claramente o poster na parede de sua antiga sala no FBI - ...EU QUERO ACREDITAR! Eu preciso acreditar que um dia tudo irá bem..."

Ele levanta-se bruscamente do sofá. Desliga o aparelho de TV.

De pé, no centro da sala em penumbra, olha, mais uma vez, em seu redor.

Com gestos decididos e passos firmes dirige-se para a porta de saída.

Abre-a e sai. Passa a chave na fechadura, trancando-a

Quarenta e dois. Está lá o número, diante de seus olhos.

Ele esboça um sorriso triste, balança a cabeça, dá umas leves pancadinhas com as pontas dos dedos nos números de metal.

Afasta-se do que fôra a sua casa.

"Saímos de casa, cansados de nós próprios;

voltamos a ela, cansados dos outros."

D' Yzarn-Freissine