COMO ENTENDER A VIDA?

"Não se preocupe em entender a vida;

viver ultrapassa todo entendimento."

Clarice Lispector

 

Capítulo 130

A umidade no ar e o frio tornam opacos os vidros da janela. O zunir do vento lá fora, que vem através das frestas, ressoa dentro do apartamento.

O sono não retornara, desde horas atrás. O cansaço, a tensão emocional, não os permitem desfrutar de um bom repouso.

Dana aconchega-se mais a ele.

Ela faz um gesto de assentimento, piscando os olhos.

Ela beija-lhe o peito.

Dana o escuta, atenta, sem se mover.

Ela desliza os dedos sobre a pele quente do peito dele.

Dança lança o olhar para o teto do quarto na penumbra.

A luz do abajur, suave e projetando sombras, expõe nas paredes as silhuetas do lustre e os objetos sobre a cômoda.

Dana continua somente o ouvindo falar. Quer sentir o prazer de escutar aquela voz característica em seus ouvidos.

Agarra o cobertor e puxa-o mais para cima, cobrindo-os até o pescoço.

Dana envolve com a mão o pescoço dele, como que desejando sentir na pele da palma da mão a vibrar do som que sai dele e o movimento do pomo de Adão de seu pescoço.

Dana fecha os olhos, meditando nas palavras que ouve.

Dana escuta, suspira profundamente.

não sabia se te queria ou te repudiava dos meus sonhos de homem acostumado à

solidão... Scully...?

Mulder não responde. Apenas ouve.

Ela ri, com o rosto encostado no peito dele.

Mulder a agarra, cheio de desejo.

* * *

Dana retorna até Mulder. Usa a camisola transparente que lhe mostra as formas pequenas e perfeitas. Abre o largo cobertor e o joga sobre Mulder. Deita-se junto a ele.

Ela sorri, deixando-se jogar o corpo sobre o dele. Puxa o cobertor para cobri-lo até o pescoço.

Dana faz um trejeito sensual e deixa-se acariciar.

Eles não sabem e nem pretendem descobrir quais as horas marcadas no mostrador do relógio. Seus momentos de amor são mais importantes que tudo o mais que os cerca.

Ele meneia a cabeça, confirmando. Suspira.

Silêncio após isso. Somente o ruído arrastado dos segundos do relógio digital.

" - Só entregaremos seu filho se nos der a prova da morte de Mulder."

Dana ouve no fundo de sua memória essas palavras, que a haviam machucado, desde então.

Como se ligado àquele susto dela, o ruído da chamado do telefone ressoa no apartamento.

Mulder senta rápido na cama, atento. Aguarda por alguns segundos, um novo toque, que não acontece.

Ele joga-se de costas.

Novamente o ruído do telefone a soar alto.

Em seguida, senta-se, angustiada.

Mulder joga para o lado o cobertor e levanta-se. Dirige-se para a sala.

Mulder permanece à porta do quarto, apoiado na esquadria.

Dana pega rápida o telefone, ao chegar até ele, sobre o móvel.

Porém nada mais pode ouvir. Somente o ruído característico da linha cortada.

Mulder passa a mão sobre o rosto, denotando enfado e cansaço.

Pensa o quanto é difícil e insuportável o tipo de vida que leva.

Dana repõe o telefone no gancho. Aproxima-se de Mulder.

Ele suspira, levantando o rosto para o alto e fechando os olhos. Seus maxilares pulsam-se-lhe nas faces.

Dana chega até ele.

Abraçam-se. Calados. Respiração opressa. Angustiados.

"Morte! - a palavra vem à mente de Dana, como um furor - Alguém quer matá-lo! Alguém quer acabar com Mulder!"- este pensamento a aniquila.

Mulder aperta-a mais entre seus braços, afaga-lhe os cabelos.

Ela não consegue pronunciar palavra. O choro se lhe embarga na garganta. Sente-se um trapo. Um fiapo, uma coisa sem valor. Algo inútil. Ninguém.

Mulder afasta-se dela. Vai até o banheiro.

Dana permanece no mesmo lugar. Apática. Sem ação. Cansada. Se pudesse, jogar-se-ia no chão, e se pudesse desmanchar-se-ia, transformando-se em algo que escorresse pelas frestas e desaparecesse, virando nada.

Mulder retorna já vestido na calça jeans e a camisa de malha.

Senta-se na cama, calça as meias e os sapatos, pensativo. Pára os gestos por uns segundos. Olha para sua amada ali, no mesmo lugar.

Ela o fita, apenas, pestanejando lentamente.

Ele vai até ela.

Mulder leva um polegar sobre os lábios meio abertos, levanta as sobrancelhas.

O toque do telefone soa, novamente.

O primeiro. O segundo.

Mulder corre até o aparelho.

Ouve do outro lado da linha o ruído do baque do fone no gancho.

Volta-se para Dana. Olha-a, intensamente.

Os olhos molhados de Dana parecem pedir socorro.

Ele faz, com a cabeça, um sinal de que sairá dali o quanto antes.

Afasta-se dela, veste o sobretudo, pega de sobre um móvel a peruca, que repõe cuidadosamente, pega também os óculos escuros, que prende entre os dedos.

Aproxima-se novamente de Dana, e toma-a nos braços, embalando-a, como a uma criança, ternamente, como se a quisesse consolar; toma seu rosto, onde as lágrimas estão escorrendo livres e soltas, procura-lhe a boca e a beija, com sofreguidão.

Dana corresponde a esse beijo, a essa troca de um prazer angustiado, repleto de mistérios, de despedida, de dor da separação.

Até quando estarão sem poder desfrutar dias, semanas, meses, anos de completa paz e felicidade?

Até quando lhes fugirá do alcance as promissoras e venturosas sensações que teimam em afastarem-se de suas mãos?

Até quando?

Mulder desprende seus lábios dos de Dana, segura-a pela mão, levando-a consigo até a porta de saída. Dá uma última olhada no ambiente, no aquário com sua tênue iluminação no ambiente escurecido.

Ainda segurando a mão de Dana, fixa os olhos nos dela. Sorri.

Sabe que, num desafio, vai continuar sua jornada, enfrentando o que lhe vier à frente. Abre a porta. Desliza a mão que segura a mão de Dana até as pontas dos dedos dela, as quais leva até os lábios, fitando-a ainda, amorosamente.

"O maior desafio do ser humano, é ser humano."