TROPEÇOS DA VIDA
"Prossiga e espere para tropeçar quando menos
espera. Só não tropeça quem não sai do lugar."
Charles Kettering
Capítulo 131
Os olhos estão vermelhos e inchados. Os lábios trêmulos pelo choro que chegara, arrasando até sua alma.
Longo tempo de solidão e saudade.
Nunca mais tivera de Mulder alguma notícia.
E sua vida tornara-se arrasadoramente destruída, depois de tudo que está passando.
Dana dá alguns passos até a soleira do porta do quarto. Estaca.
Vem-lhe à mente o quarto arrumado de William e ele, no berço, no seu meigo e inocente sorriso.
* * *
No berço ele levantava as rechonchudas e irrequietas perninhas. Sorria. Segurava um dos pezinhos, enquanto balbuciava ininteligíveis palavras, na sua linguagem de bebê.
Dana debruçou-se para falar-lhe:
O bebê abriu mais o sorriso e esperneou, ansioso, esperando que a mãe o pegasse no colo.
Ela o levou em seus braços. Colocou-o sobre a cama de casal.
O bebê a fitava, intensamente, como que buscando entender as palavras da mãe.
O bebê esperneava e agitava os braços, sorrindo mais abertamente, para ela.
Dana pegou um pezinho dele e o levou aos lábios.
Ele puxou o pé, como se aquilo o incomodasse.
Ela tomou a criança nos braços.
Maggie entrou, com vários lençóis dobrados nas mãos.
Maggie parou. Fitou a filha diretamente nos seus olhos.
Abriu a gaveta da cômoda e guardou os lençóis.
Dana começava a andar, vagarosamente, com o bebê nos braços.
Olhou para o rostinho de seu filho, enquanto cantarolava, suavemente:
Eu mandava, eu mandava ladrilhar...
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante...
Para ver... para ver William passar.
Os olhinhos do bebê brilhavam de felicidade e gozo pelo aquecimento, carinho e aconchego que recebia do corpo da linda mãe. Estendia as pequeninas mãos para tocar os lábios de Dana.
E ela prosseguia seu lento caminhar, enquanto cantava.
Ia de um quarto para o outro quarto; desse quarto para a sala e retornava.
Maggie parou o que estava fazendo e olhou sua filha. Deteve-se a pensar, penalizada, no sofrimento de Dana.
Um amor verdadeiro que ela havia encontrado e ao qual, a princípio, nem quisera ceder. Quase dez anos de uma convivência pura, fraternal, amiga e inesquecível com Mulder, o homem que ama acima de todas as coisas deste mundo.
Agora estava ali, ela sem Mulder. Somente tinha a alegria de ter seu filhinho consigo.
Maggie sofria a esses pensamentos.
Maggie a fitou, fixamente.
Estas últimas palavras foram pronunciadas por Dana, com grande emoção e amargura.
* * *
Dana retorna à chocante e cruel realidade.
Rebusca, com o olhar, o quarto agora vazio.
Sem o berço. Sem os móveis. Sem os bichinhos de pelúcia que o decoravam. Sem o móbile... que William movera... com sua mente.
Os soluços que saem são tão fortes do fundo de seu peito, que ela sente que parece esvair-se de seu corpo toda a energia que possui. É como se estivesse se esvaziando de tudo dentro de si.
Como uma criatura sem entranhas, abrira mão de seu próprio filho. O fruto do amor verdadeiro... o fruto da verdade... o seu bebê querido!
Resta agora somente a dor. A saudade. A solidão.
Não tem mais nada. Nem Mulder. Nem William. Tudo se fôra.
"E se... eu saísse agora à rua... caminhasse sem parar... sem destino... sem um pouso... como um pássaro perdido de seu ninho...?
Para que mais serve minha vida? Acho que já vivi o suficiente, para descobrir como o mundo é mau!
Nem tenho mais vontade de viver nesta vida que só me trouxe coisas ruins e tropeços."
Ela atira-se na cama, de bruços. A cabeça escondida entre os braços.
Permanece assim por alguns minutos. Procura nem pensar.
Súbito, um ruído a faz levantar-se, rápida, da cama.
Procura ficar atenta para ouvir a repetição do que já escutara antes.
As batidas ritmadas que Mulder usava na porta, para chamá-la.
Continua atenta.
Mas nada mais ouve. Fôra somente uma impressão.
Senta-se na cama. Cabeça pendida sobre o peito. Coração pulsando forte. Suspira profundamente. Apoia os braços na cama, forçando-os para trás e deixa que sua cabeça também se lance para trás.
É quase um desespero o que está sentindo.
Vem-lhe à memória a tarde em que a Assistente Social e uma enfermeira haviam ido buscar sua criança.
* * *
Já havia cansado de buscar lenitivo para sua dor.
A Agente Reyes entendera o seu estado de espírito. Pensou, um pouco aflita.
"Tenho um certo receio, já que Dana está tão desesperada. Mas o que posso fazer?"
Dana apenas levantou o semblante sofrido para olhar a colega, mas nada pronunciou. Seus olhos diziam tudo.
A Agente Reyes dirigiu-se à porta, abriu-a, deu uma última olhada para Dana e saiu, fechando a porta atrás de si.
* * *
Novamente Dana sai de seus remotos pensamentos.
Caminha até o quarto que havia sido de seu filho.
Há algum tempo, tudo já havia sido retirado, enquanto ela estivera fora de casa. Não quisera assistir tal horror. Nem o berço, nem os móveis, nem a decoração; nada mais demonstrava ali ter sido o quarto de uma criança.
Uma amiga de Maggie providenciara tudo, a seu pedido, porque nem mesmo ela resistiria a tal dor, em ver tudo ser retirado, inclusive o netinho que tanto amava, o filho de sua Dana, e que já não mais poderia ir a seus braços.
"Mamãe está sofrendo muito! - pensa Dana - E eu estou morrendo...!"
Dana ajoelha-se no meio do quarto, debruça-se no chão e, com o rosto encostado no assoalho, soluça em alto som, deixando vir à tona o seu desespero, a sua grande dor.
Chora por alguns minutos.
Aos poucos, os soluços vão diminuindo e ela entrega-se ao desânimo do seu sentimento de culpa.
E deixa-se cair no assoalho.
"Não está a culpa no sentimento,
mas no consentimento."
São Bernardo