CURIOSIDADE

"A curiosidade geralmente se atreve

mais contra aquilo que mais se proíbe."

Seavedra Fajardo

Capítulo 133

Com passos lentos, silenciosos e indecisos, o homem aproxima-se de quem o estava procurando.

O outro o fita, surpreso. Segura um braço de Mulder e o puxa.

Vamos para o meu quarto. Isto é uma pensão; as portas têm olhos e as paredes têm ouvidos.

Mulder o acompanha, a passos largos, até o quarto simples.

Entram e Jeffrey bate a porta. Vai direto ao assunto.

Mulder morde o lábio inferior. Passa o dedo indicador sob o nariz.

Spender distende um sorriso na face deformada.

Mulder fecha os olhos. Aperta um punho, irritado.

Mais uma vez o irmão aperta os lábios, contrafeito. Coloca os polegares na cintura. Olha para Spender com os olhos apertados, querendo adivinhar-lhe os pensamentos

Spender volta a falar:

Mulder sente-se incomodado.

Interiormente, recrimina-se por ter deixado Scully entregue à sua própria sorte, sem um amparo, alguém que lhe desse a mão.

O chamado discreto de Spender o faz assustar-se. Parecia-lhe, por segundos, estar noutra dimensão, por estar entregue a seus pensamentos que tanto o maltratam.

Mulder agradece com um meneio o irmão e deixa o local.

* * *

Mulder dirige o carro alugado, atento à pista. Mas seus pensamentos divagam, ininterruptamente.

"Por que deixei Scully sozinha naquela ocasião? Deve ter sido horrível para ela, nos momentos em que mais precisou de mim, eu não estar presente. Pobre Scully! Só que eu acho que... isso não deve ficar assim. William é nosso filho! Ele tem pais saudáveis e vivos!"

Neste momento sente até remorso pelos seus loucos pensamentos.

"Como podemos nos considerar vivos, se não devemos, nem podemos nunca nos expor diante dos outros? É como se fôssemos mortos!"

Algo na rua o distrai de sua meditação.

Acabara de chegar em frente a uma instituição de adoção de crianças. Está o nome mostrado na fachada do prédio, em letras de metal.

Estaciona o carro.

Alcança a porta de entrada. Na recepção uma jovem o atende.

Mulder aguarda, não sem ansiedade, o momento de ser atendido pela mulher.

Está sentado numa sala contígua à da recepção, mas logo levanta-se e faz o contorno da dimensão da sala, com seus passos largos e pesados.

Os minutos parecem intermináveis horas.

Uma mulher de boa e tranquila aparência, entra na sala.

A mulher abre uma gaveta, remexendo alguns papéis, atenta ao que ele lhe está indagando, interessadamente.

* * *

Mulder abre a porta.

O quarto está silencioso e escurecido.

Ele entra e fecha a porta, sem fazer ruído.

Dana está em frente à janela. O olhar perdido na imensidão do céu, avermelhado pelo ocaso.

Mulder aproxima-se, furtivamente. Coloca sobre uma mesinha uma embalagem que contém uma pizza. Vai até ao lado de Dana.

Ele não deseja assustá-la, mas quer fazer-lhe uma surpresa.

Fala, então, bem rente aos ouvidos dela:

Dana toma um susto. No seu rosto surpreso as lágrimas haviam descido e lhe molhado a pele até sobre os lábios.

Mulder a olha, compadecido.

Disfarçando a tristeza que lhe assola o coração, demonstra descontração ao ver a caixa sobre a mesinha.

Ele sabe que a sua amada está sentindo a falta de seu filho. Como sempre.

Ela vai retirando a tampa da caixa, deixando aparecer a apetitosa e quente pizza.

Dana continua entretida, remexendo a caixa com a iguaria.

Mulder senta-se na cama.

Pernas afastadas. Cotovelos apoiados nos joelhos. Mãos segurando a cabeça. Olhos fechados.

Seus pensamentos neste instante são os mesmos de Dana, tem certeza.

"Não sabemos onde, nem com quem está nosso filho... a nossa criança gerada com todo amor... o nosso filho querido e desejado por tanto tempo... no entanto, quando o tivemos em nossos braços, a situação grotesca que vivemos não nos permitiu ficar com ele... o medo, a indecisão de um futuro levou Dana a praticar um ato quase... quase... desumano! Não! Não devo pensar assim! Eu, somente eu, sou o culpado por tudo isso! Deixei-a só, entregue à sanha daqueles desgraçados..."

Ele sente um impulso. Um susto havia tocado o fundo do seu coração e os nervos refletido sua volta à realidade.

Ela senta-se junto a ele.

Ele passa o braço à volta dos ombros dela.

Mulder permanece calado. Apenas divaga seus pensamentos.

"Scully pensa que eu não imagino as mesmas coisas. Eu sei e sinto que ela quer citar nossa família reunida. Eu... ela... William."

"Que é uma família senão o

mais admirável dos governos?"

Lacordaire