INESPERADO SONHO

"Se às vezes nossos sonhos parecem

realidade, também às vezes acontece

que a realidade é que parece um sonho."

Guilherme de Almeida

Capítulo 136

Abismado, olha ao seu derredor.

Muito verde; imensa campina estende-se diante de si. O ar puro o faz encher os pulmões e aspirar da atmosfera sadia que preenche o grande espaço.

Ao longe a casa de fazenda. Ampla, confortável, muito branca.

Mulder corre até lá. É um pouco distante de onde ele se encontra.

Ladeada pelos coqueiros e demais árvores frutíferas, ela impera na paisagem.

Arfante pelo cansaço e por estranha ansiedade, Mulder chega até a entrada da casa.

Janelas com cortinas brancas e esvoaçantes parecem ser os olhos da residência.

O choro de uma criança faz Mulder aproximar-se de uma das janelas envidraçadas. Olha o interior da casa. Vê as pessoas lá dentro. Junto ao bebê que chora no berço, há um casal.

Tenta acalmá-la. Os olhos da mulher estão marejados de lágrimas.

A mulher chora mais, enquanto tenta fazer com que o bebê pare seu choro.

O homem passa a mão no cabelo e caminha ansioso pelo quarto, levantando as mãos.

Ele aproxima-se:

Mulder, que até esse momento ouvira a conversa, escondido na janela, resolve penetrar, porta a dentro, invadindo a casa.

Sua voz, um pouco enrouquecida pela dor da angústia, brada em alto som:

Com essa entrada tempestuosa do estranho em sua casa, o casal assusta-se.

No entanto, a criança, no colo da mulher, estende os pequeninos braços em direção ao desconhecido que acabara de chegar.

Mulder repete a frase em voz baixa, agora.

Tenta segurar a criança.

A mulher grita.

* * *

O corpo forte de Mulder estremece. Acorda, sobressaltado com o inesperado sonho.

Dana está adormecida ao seu lado.

Ele procura levantar-se, vagarosamente, para que ela não acorde.

Dirige-se à cozinha. Retira um copo do armário. Da geladeira retira uma garrafa d'água. Bebe a água gelada em goles rápidos. Sente a garganta seca.

Senta-se à mesa, com a cabeça entre as mãos. Pensativo.

"É... aquelas palavras que ouvi daquelas duas mulheres na rua, me fizeram ficar imaginando coisas... como se aquele sonho fosse real... ou será... mesmo? Não... eu devo estar louco pensando na possibilidade desse fato. William... meu filho está bem... não é nada disso... eu acho."

Ele ouve Dana a chamá-lo e volta-se para olha-la.

Dana aproxima-se mais. Senta-se também numa cadeira. Tem um ar triste, cansado.

Com essas palavras Mulder levanta-se para puxar Dana para si, fazendo-a levantar-se.

Ela sorri. Beija-o no pescoço.

Ela acaricia-lhe a face com os fios de barba despontando.

Ela cobre-lhe a boca com os dedos.

Ele afaga-a nos cabelos. Prende-a contra o lado de seu corpo e a faz caminhar até a janela.

Dali podem divisar o céu sem estrelas, o tempo chuvoso, um vento frio a embalar as árvores distantes.

Ele a aperta mais contra si. Aperta os lábios, preocupado.

Sabe, exatamente, do que ela está falando: a falta que sente de seu filho.

"A saudade é a

poesia de todo homem."

Camilo Castelo Branco

wanshipper@yahoo.com.br