COMO FERA FERIDA

"Ri das cicatrizes quem nunca foi ferido."

William Shakespeare

Capítulo 140

Dana retira os sapatos dos pés cansados.

Mulder a fita, condescendente.

Eles observam no local um aglomerado de pessoas, todas conversando em voz alta, dando gargalhadas. Enquanto um homem executa uma música; usando um instrumento de corda, tirando dele notas rápidas e alegres.

Uma jovem, de pele bronzeada pelo sol, com gestos graciosos, dança ao som da música. Seus pés descalços, aparecendo sob a longa e farta saia que ela levanta, encanta os homens passantes pelo local.

E ela é como uma boneca automatizada, cuja corda fôra dada para desenvolver seus movimentos.

De súbito, os olhos grandes e negros e de fartos cílios, da jovem dançarina, dirigem-se para o casal que havia parado para apreciá-la nos seus passos de dança.

Mulder e Dana permanecem ali, a alguns metros de distância, como estão os outros inúmeros espectadores.

Mas o olhar da moça parece fascinado pela figura alta e imponente do homem estrangeiro diante de si.

Ela chega até ele e, movimentando sensualmente um lenço de tecido de seda que traz à mão, volteia diante de Mulder, roçando-lhe o lenço no pescoço, como se estivesse a pedir-lhe dar uns passos de dança em sua companhia.

Mulder sorri, diante do atrevimento da jovem de longos e anelados cabelos negros, que continua a voltear, graciosamente, ao som da música, segurando com uma das mãos a barra da saia, a qual levanta até a coxa, deixando à mostra seu belo par de pernas.

A mulher, vendo que Mulder apenas lhe sorri, porém sem tomar nenhuma atitude em segui-la na dança, segura-lhe, determinadamente, a mão, puxando-o para junto de si.

Dana, incrédula diante do acontecido, sente o ciúme a corroer-lhe por dentro. Jamais imaginaria sentir ciúmes de Mulder numa terra como a que estão agora.

Nem lhe passara pela cabeça tal hipótese.

Mulder, por sua vez, resiste ao chamado da jovem dançarina. Não quer segui-la.

Palmas e gritos de incentivo partem do aglomerado de pessoas que estão ali, ao redor da moça, que continua seus passos de dança.

Dana está ansiosa e curiosa para ver se ele aceitará o convite da bonita desconhecida.

Mulder fica a apenas alguns centímetros da dançarina, olhando-a, sorridente, enquanto ela continua os seus volteios sensuais, sempre segurando a mão de Mulder.

Por segundos, o ritmo musical prossegue, ante os olhos faiscantes de Dana, que, como fera ferida, sente-se pronta a atacar a irreverente mulher, insinuando-se para Mulder. E sente como se todas aquelas pessoas ali à sua volta estivessem a zombar de sua humilhação de mulher apaixonada.

Neste instante os olhos da moça voltam-se para os pés descalços de Dana, que segura os sapatos de salto alto numa das mãos. E também observa o buquê de flores em sua mão.

A mulher sorri, com desdém, para Dana.

Uma das mulheres que faz parte da improvisada platéia apreciadora da dançarina, entrega a esta um chapéu colorido de abas largas.

A jovem o recebe e, chegando para bem próximo seu rosto do de Mulder, coloca o largo chapéu, tapando seus rostos da visão de Dana, que os assiste, mal conseguindo reprimir sua fúria.

Mulder afasta-se neste momento.

O mesmo momento em que os que os assistem gritam, entusiasmados.

"Aquela mulher beijou Mulder!"- foi o primeiro pensamento de Dana, ao perceber que a mulher havia escondido seu rosto e o de Mulder com o chapéu, provavelmente para beijá-lo.

Os aplausos continuam.

Mulder retorna até onde está Dana.

Procura-a, com o olhar. Busca-a ao redor. Não a encontra. Preocupa-se.

Não quer chamá-la pelo nome, para não atrair a curiosidade dos demais ali presentes.

Caminha com passos largos. Olha em toda a extensão ao seu redor. Nada vê que indique a presença de Dana.

Sempre andando e olhando para um lado e outro, no meio daquelas pessoas do lugar, começa a sentir-se incomodado. Não a vê em nenhuma parte.

"Ela não gostou por ter a dançarina me chamado para dançar com ela. Eu sei que isso deve causar um certo aborrecimento, sim, mas ela deve entender que ninguém está seguro de passar por um vexame em qualquer lugar que seja."- ele pensa.

Mulder retorna os passos para ir novamente até o lugar onde estivera antes.

Dana não está à vista, ainda.

Intrigado, não sabe por onde recomeçar sua caminhada à procura dela. Nota, porém, que várias pessoas, entre mulheres e crianças, estão cercando alguém junto a um lugar, onde um toldo colorido as protege do sol.

Ele aproxima-se dali, pois, intuitivamente, sente que trata-se daquela por quem tanto procura.

Duas mulheres acercam-se de Dana, que está sentada num tamborete, segurando, com semblante de dor, um dos pés.

Dana o olha de relance apenas, levantando o olhar profundamente azul e indagador para ele.

Mulder aproxima-se e vendo-a assim sentada, segurando um pé, pergunta:

Mulder, com rapidez e sem mais indagações, carrega-a no colo, para retirá-la do local.

Agradece as pessoas que estão próximas e retira-se, com Dana nos braços.

Ela enlaça-o pelo pescoço e segura o par de sapatos e o buquê de flores.

Embora o seu semblante demonstre tranquilidade e frieza, em seu interior corre um turbilhão de pensamentos negativos.

Sente que só precisa de isolamento e consolo.

"Mesmo quando afirma não confiar em

pessoa alguma, a mulher deseja ser consolada."

Sthal

 

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