UM PULO AO PASSADO
"Os velhos, quando se voltam para o passado,
vêem tudo com olhos dos vinte anos."
Julio Dantas
Capítulo 146
O alvorecer está radiante.
Os raios do sol que vai despontar no horizonte arrumam-se, ordenadamente, formando uma moldura dourada circular, no espaço azul claro.
Mulder espreguiça-se longamente, diante da janela aberta.
Dana retoca, com delicadeza, o batom rosado nos lábios.
- Estou doido pra sair, Scully.
Ela sai calçando um pé no sapato esporte, enquanto caminha, quase aos pulos, com o outro sapato na mão.
- Já, já vou terminar aqui e vamos sair.
- Tudo bem.
Mulder toma de sobre um móvel seus documentos e as chaves para dirigir o carro alugado.
* * *
No confortável carro de passeio, o casal aprecia as paisagens que se desenrolam à sua frente.
- Por onde começaremos? - Dana pergunta, folheando um dos prospectos em suas mãos.
- Santa Fé.
- Está interessado nessas coisas que mostra aqui?
- Sim, Scully. Não é legal?
- Sem dúvida.
A longa estrada estende-se à sua vista, larga e sinuosa.
- Está bastante calor, não?
Dana assente.
Apanha uma garrafa de água de um recipiente térmico. Entrega-a a Mulder.
Mulder pega a garrafa. Bebe um gole. Olha para Scully. Aproxima-se e a beija nos lábios.
- Mulder!! - fala, arregalando os olhos, que estão fixos na estrada, enquanto está sendo beijada.
- O que foi, Scully? - afasta-se dela, na maior naturalidade.
- O volante, Mulder!
- Ah, por que se espanta?! Eu me considero um expert no volante!
Dana balança a cabeça, negativamente.
Mulder sorri.
- Veja, Scully, já está anunciando ali a entrada para Santa Fé.
Logo começam a notar um imensa cordilheira, parecendo ser muito extensa.
E enquanto Mulder continua dirigindo, Dana vai usando o disparador da máquina fotográfica.
* * *
O homem prestativo lhes oferece ajuda.
- Posso estacionar o carro aqui? - quer saber Mulder.
- Como não?! Fique à vontade. - responde o homem.
- Ao entrarmos na cidade, vimos uma cadeia de montanhas; tiramos fotos. Como se chama?
- Chama-se Rocky Mountains... é uma das maiores cordilheiras do mundo.
- Sabe a sua extensão?
- Sim! Três mil e setecentos quilômetros.
- Uau! - exclama Mulder - Magnífico! Obrigado pela ajuda.
- Não tem de que! - o homem afasta-se, com um largo sorriso.
- Vamos ali, Scully.
Ela o acompanha, procurando segurar a mão dele.
Aproximam-se de um prédio em estilo antigo. Placas anunciam vários ambientes oferecidos aos turistas.
- Quer entrar aqui? - ele pergunta.
- Por que não?
Entram no prédio, onde dezenas de stands expõem um enorme número de fotos.
Mulder aponta uma das grandes fotos expostas:
- Está vendo aqui?
- Sim; edificações do tempo do Velho Oeste.
- Ou melhor, uma cidade fantasma do Velho Oeste. - Mulder está em frente ao enorme stand; pernas afastadas, braços cruzados, olhos fixos na foto - É como dar um pulo ao passado. - diz, quase num murmúrio.
Ele desperta de sua apatia com a animação de Dana, ao seu lado.
- Cidade fantasma?! Ora, você acaba de atrair a minha curiosidade. Por que será que chamavam assim essas cidades, Mulder?
- Geralmente, formava-se uma cidade com a mesma velocidade em que a mesma era riscada do mapa.
- Como assim?
- Bastava alguém descobrir um filão de ouro numa montanha, que pouco tempo depois da notícia ter vazado, centenas de mineradores e exploradores para lá se dirigiam, para também tentar a sorte grande.
- Nossa! Que interessante!
- O mais interessante é que isso fazia com que, em pouquíssimo tempo uma cidade se formasse no local mais próximo a um riacho, rio ou lagoa.
- Naturalmente para a sobrevivência.
- Sim. Entretanto, bastava o filão terminar, que a maioria dos mineradores e demais exploradores iam embora, à procura de outros eldorados, deixando para trás tudo o que não pudessem levar em carroças ou no lombo de mulas ou cavalos, originando as tão temidas e assustadoras cidades fantasmas.
Dana não pôde conter uma risada.
- Mas que coisa mais mirabolante! Com esse povo não havia sequer uma dúvida em como proceder impulsivamente!
- Com certeza não, Scully.
Mulder e Dana põem-se a apreciar, por algum tempo, as demais fotos expostas.
Saem do prédio para retornar à rua. Caminham por mais algum tempo.
Uma infinidade de veículos passam, cujas buzinas estridentes soam, quase a arrebentar os tímpanos dos incautos.
- Scully!! - chama, entusiasmado.
- O que foi, Mulder?
- Você está vendo o mesmo que eu?
- Aquele anúncio?
- Sim.
- É... estou vendo. E o que tem?
- O que tem? Interessante pra nós.
- Interessante, Mulder? Só na sua idéia mesmo!
- Por que não? Inédito! Bacana! Vamos lá!
- Você está brincando...!
Segura-a pela mão.
- Não, não estou. Falo sério. Seríssimo. Scully... diga que sim. - fita-a com o olhar pedinte.
- Ah, não sei, Mulder, se devemos...
- Se devemos?! Mas é uma aventura, Scully!
Passam-se alguns segundos.
Os dois fitam-se.
- Scully... hum? - insiste - Vai ser bom...!
Dana suspira. Olha, mais uma vez, o anúncio na parede do prédio antigo.
VIAGEM DE MOTO PARA CASAL,
DE UM DIA DE DURAÇÃO, PARA
CINCO VIAGENS DE UM DIA,
PARTINDO DO HOTEL LORETTO, SANTA FÉ.
Ela critica-se a si mesma como um grande estorvo, se não atendesse ao apelo de Mulder, que logo poderia imagina-la tomando atitudes de uma pessoa com velhice antecipada.
"A velhice não se poderia suportar
sem um ideal ou um vício."
Alexandre Dumas Filho
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