UMA CARTA
"A carta é a continuação de uma presença."
Elisabeth Bibesco
Capítulo 148
Os olhos atentos de Mulder rebuscam na tela o que está sendo exibido num dos museus da cidade, onde se encontram neste momento.
- Ora, que engraçado, não é, Mulder?
- Sem dúvida! - responde ele, com o olhar fixo na tela do computador - Isso aconteceu em mil novecentos e setenta e dois.
- Quando confundiram a sonda espacial com um OVNI?
- Mas, pelo menos, já existiam aqueles que tinham ciência de que os alienígenas estavam de olho na Terra.
- Ah, - faz um muxoxo - mas era apenas uma sonda espacial, Mulder!
Ele não responde. Limita-se a ler o que está na tela. Na foto aparece uma nave arredondada, num campo de pouso. Uma legenda explica a fotografia.
"Após um teste de vôo em 1972, a sonda espacial
Vicking aguarda resgate em White Sands"
Alguns sites na Web divulgam esta imagem
como sendo de um OVNI."
Dana sente-se incomodada com o interesse de Mulder por essa imagem.
- Vem, Mulder! - puxa-o pelo braço.
Ele a atende.
- Não dá pra fugir à realidade, Scully. E nós sabemos disso.
- Concordo com você, mas se nós viemos dar um passeio para esfriar a cabeça, não temos porquê ficar ligados nisso.
Mulder lança para ela o seu sorriso de menino.
- Desculpe, Scully. De repente só pensei em mim mesmo. Vamos.
* * *
Chegam à nova cidade, que está em seu itinerário.
- Como é o nome desta cidade, Mulder?
- Albuquerque.
- Ah, Albuquerque!
- Vamos ver o que tem de interessante aqui.
Saem do estacionamento de mãos dadas.
- Ai, Mulder! Eu já estou sentindo falta de um pouco de sossego.
Ele ri; aperta-a contra si.
- Scully, eu gosto demais quando você está com essa cara de chateada.
- Eu...? Estou é?
- Não percebe? - beija-a na face - Ah, lindinha. Eu sou mesmo um errado! Como é que fui envolvê-la numa aventura dessa? - ele a aperta, docemente, mas ao mesmo tempo com sofreguidão - Nós só vamos ficar algum tempinho aqui e vamos embora, tá? Prometo... - beija-a nos lábios - ... prometo... mas antes...
- O que?
- Vamos procurar descansar um pouco.
- Sim. Tudo bem... - ela pára - ... espera, Mulder! Vamos ali? Tenho curiosidade de ver essas coisas.
- Ah, é? Vamos sim.
- Várias barracas montadas ao longo da extensa rua, exibem uma infinidade de artesanato indígena.
- Os índios vêm das reservas, vender seus trabalhos aqui, Scully.
Começa o casal a passear devagar, apreciando os objetos ali expostos.
Algo chama a atenção de Scully. Ela cessa de caminhar.
- O que é, Scully?
- Está vendo essa estatueta rústica aqui? - pega a peça, retirando-a da mesa onde está exposta - É bem criativa e linda.
- Sim. Muito bem feita e sugestiva.
Imediatamente Mulder arrepende-se por ter usado a última palavra. Ele sorri, pega a peça em sua mão, examina-a e vai coloca-la sobre a mesa de exposição novamente, quando Dana o impede.
- Pode deixar. Vou compra-la.
Ela toma a estatueta das mãos de Mulder, retira dinheiro da bolsa a tiracolo para pagá-la. Agradece à vendedora. Vai até as costas de Mulder, abre a mochila que ele carrega às costas e guarda a peça, não sem antes examiná-la por alguns segundos. Sente-se comovida com o belo trabalho artesanal.
A peça representa uma mulher ajoelhada, tendo ao seu colo um bebê voltado para ela, que o acaricia.
Mulder leva o dedo indicador acima do lábio superior, fica pensativo e nada fala.
* * *
No banco do imenso jardim florido, Mulder está recostado, relaxadamente. Pernas esticadas. Cruzadas à frente. Cabeça recostada no espaldar do banco. Olhos fechados. Um dos braços agarrado à cintura de Dana.
Ela, por sua vez, grudada a Mulder. Corpo encostado ao dele. Uma das mãos repousada em seu peito.
O canto mavioso de mil pássaros pousados nas árvores vem até seus ouvidos, tal qual um acalanto.
Borboletas multicores sobrevoam céleres por sobre florezinhas que enfeitam os arbustos.
- Dana?
- Oi?
- Que tal acha disso?
- Eu gosto, Mulder.
- Mesmo?
- Muito. Faça sempre isso.
- Fazer...? O que? Vir aqui?
- Não é isso. - ela fita-o nos olhos e sorri - Você me chamou Dana.
- Aaaah!
- Mulder...
- O que?
- Tenho medo de tanta paz.
- Não deve pensar assim. Pense só em nós dois aqui, juntinhos... Dana...? - sussurra.
- Sim? - responde, também num sussurro.
Ele lhe procura a boca, segurando-lhe o rosto.
- Não, Mulder!
- Por que não?!
- As pessoas estão olhando!
- Danem-se as pessoas, Scully! Você é o meu amor! O resto não conta!
- Mulder...
- Tem vergonha por que estão olhando?
- Não. É uma questão de...
- ... de que, Scully?
- De respeito.
- Eu posso fazer outra coisa, então.
- O quê? - está quase alarmada.
Conversam em voz muito baixa. Num murmúrio.
- Eu posso subir neste banco, levantar os braços e bradar aos quatro ventos deste jardim, que eu te amo!
- Bobo! - ela ri, enquanto aperta-se a ele.
- Ou então vou escrever uma carta.
- Uma... carta? - ela ri com vontade, achando gostosa a idéia dele.
- Minha adorada Dana... - ele cita o começo da carta.
Dana ri mais, ainda, divertindo-se com o jeito dele.
Mas Mulder não prossegue. Num momento, muda seu modo de pensar.
- Olha só, Scully - chama a atenção dela para um ponto, num galho de um arbusto.
Dois pequenos pássaros volteiam um local no galho. Um deles pousa. Parece estar atarefado, fazendo alguma coisa ali. O outro pássaro voa por alguns metros e retorna até onde está o companheiro.
- Engraçado, Mulder! O que ele está fazendo ali, naquele local? Aquilo parece...
- ... um ninho. Aquele pássaro que está parado no galho está dando alimento ao filhote.
Mulder, de súbito, arrepende-se de ter feito tal comentário. Sente-se mal por ter relembrado o que tanto Dana tenta esquecer.
Ela nada comenta. Apenas continua olhando fixamente a atitude do pequeno e ágil pássaro.
Mulder a afaga, ternamente.
- Dana?
- ...
- Não quero que se sinta triste.
- Não estou.
- Você verá que nem tudo é só tristeza e dor.
- Eu sei.
- Não sabe.
Ela afasta-se dele para fitá-lo nos olhos, novamente.
- O que eu não sei?
- De muita coisa, Scully... muita coisa!
Mulder joga a cabeça para trás, numa risada.
- Nada, Scully. Só quero lhe dizer que deve ficar feliz.
- Mas o que há de especial? O que devo esperar?
Ele a agarra, inopinadamente:
- Não há nada de especial, Scully. Eu me sinto feliz. Isto não lhe basta?
- Deveria?
- O que acha? - sorri - Não, não responda! Chega de joguinho de adivinhação!
Ele olha o relógio de pulso.
- Está na hora. Vamos embora.
- Nossa! O que é bom passa rápido! Neste lugar aqui eu me sinto tão bem!
" Ninguém é tão feliz,
nem tão infeliz como crê."
La Rochefoucauld