O SONHO DA FELICIDADE

"O sonho é ver as formas invisíveis da distância

imprecisa e, com sensíveis movimentos da

esperança e da vontade, buscar na linha fria do

horizonte a árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -

os beijos merecidos da verdade."

Fernando Pessoa

 

Capítulo 149-P2

Mulder abre os olhos.

Dana está ali, ao seu lado, ainda relaxadamente jogada sobre os lençóis, adormecida.

Ele olha as vidraças da janela.

O entardecer parece trazer grande paz. Haviam passado horas de tensão nervosa e chateação, mas ali, naquele recanto plácido e silencioso, ele sente-se bem. Ainda mais com a sua amada Scully ao seu lado.

Mulder levanta-se, vagarosamente, tentando não despertar Dana.

O braço dela está jogado sobre o seu peito e ele o retira, com toda cautela.

Fica, por segundos, olhando para o teto do quarto, as paredes. Num repente, sua vista detém-se no calendário ali colocado.

"Que dia é hoje, mesmo? - ele pergunta-se, meio esquecido - Domingo... mês de fevereiro. Já?? - espanta-se com a rapidez com que passam-se os dias - Nossa!! Não acredito! - seu olhar esgazeia-se - Hoje é 23!! Dia do aniversário de Scully! Aaah, não dá pra deixar passar em branco! Tenho que fazer algo."

Com muito cuidado, Mulder levanta-se.

Ele volta-se, repentinamente.

Ela ergue-se rápida.

Ela o puxa pela blusa do pijama, fazendo-o deitar-se do lado dela.

Mulder dirige-se ao banheiro.

* * *

O dia está findando, mas os transeuntes passam agitados nas calçadas. Mais distante do hotel, várias palmeiras balançam ao sabor da brisa que corre, nesse momento.

Mulder pára, por um breve instante, na porta do hotel.

Leva os dedos aos lábios, concentradamente.

"O que posso comprar pra Scully, como presente? Acho que, num dia de folga como o de hoje, não há muitas opções de compra no comércio daqui. Mas tenho que tentar."

Ele começa a caminhar, no seu passo característico e balançante, passos pesados sobre as pedras da calçada.

Vê a farmácia, um mercado, uma loja de flores, lá mais adiante uma grande confeitaria, exibindo as mais apetitosas tortas.

"Levar um bolo para comemorar? Scully quase não gosta de doces... vou acabar comendo tudo sozinho... não... não, um bolo não, talvez um perfume, mas ela já é tão gostosamente perfumada e, de repente, ela gosta somente do seu perfume favorito e talvez não queira experimentar outro."

Mulder continua na sua caminhada, atento às lojas que vê.

Entra na grande confeitaria da esquina. Dirige-se ao balcão envidraçado onde estão expostos vários doces.

A moça trata de embrulhar os dois mini bolos, enquanto lhe passa em mãos o ticket para pagamento na caixa.

A moça o atende no mesmo instante, entregando-lhe outro ticket, para pagamento.

Mulder sai com o pequeno pacote, em direção à caixa.

À porta da rua, deixa correr a vista em torno de tudo que aparece ali.

"Puxa vida! Preciso conseguir um presente que a agrade ...!"

Ele resolve caminhar para além daquele quarteirão.

Logo sua vista depara com uma pequena vitrine, que expõe suas reluzentes peças em ouro e prata.

Os olhos de Mulder vêem logo um lindo cordão de ouro com uma cruz como pingente.

"Nem adianta! Isso a Scully já tem há muitos anos!"

Mas, repentinamente, seu coração se alegra.

"Isso!! É exatamente isso que eu preciso! Um anel para a minha Scully!"

Imediatamente, o vendedor aproxima-se para atendê-lo.

Mulder olha na direção da voz que ouvira.

Um homem idoso, de agradável semblante, apresenta-se, atenciosamente.

Mulder sustenta seu olhar. Sorri, abertamente.

O idoso homem sorri, também abertamente.

Mulder balança a cabeça, confirmando.

* * *

O sol já se esconde. O avermelhado no céu contrasta com o azul do espaço e as branquíssimas nuvens.

Os poucos veículos que trafegam nesse dia parado quebram, com seu ruído o silêncio do local.

Mulder olha à distância, no horizonte já sendo atingido pelo crepúsculo. Sua mente parece entrar em transe. O espetáculo da natureza diante de seus olhos leva-o a um instante de sonho. O sonho de ser feliz, o sonho de tornar real todos os seus mais ínfimos desejos. Ali, parado, com a mente concentrada nesse instante para o infinito, deixa-se levar pelos arroubos da felicidade, sentimento que lhe é tão fugaz, tão difícil de aparecer em sua vida.

Mulder está de volta ao motel. Entra na portaria e encaminha-se para o seu apartamento. Gira a chave na fechadura e entra.

No primeiro compartimento, a saleta, ele deixa o pacote que trazia às mãos. Caminha até o quarto do casal, esperando ver Dana ainda deitada.

Mulder retorna à pequena sala e vê que, num canto, bem discretamente, está arrumada uma pequena mesa com algumas coisas sobre ela.

"Parecem ser iguarias." - é como imagina ele.

Mulder afasta-se e pega o pequeno embrulho sobre um móvel. Retorna até onde está Dana. Abre o pacote, retira do plástico um dos pequenos bolinhos e coloca sobre ele a velinha. Retira uma caixa de f'ósforos do bolso e a acende.

A pequena vela brilha sob a quase penumbra do ambiente, no entardecer.

Dana leva as mãos à face, como que deslumbrada.

Dana retira o brilhante papel dourado. Logo aparece o estojo de veludo. Ela o abre.

Ela atira-se nos braços dele.

Ele coloca no dedo dela o precioso anel.

Ela levanta a mão aberta diante dos olhos, para apreciá-lo. Os olhos estão marejados de lágrimas.

Dana vai correndo até o pequeno bolo sobre um prato, na mesa. Sopra a velinha, que se apaga.

Mulder a toma nos braços e gira com ela pela sala.

"Sem a alegria, a humanidade não

compreenderia a simpatia e o amor."

Ramalho Ortigão

Wanshipper@yahoo.com.br