TREMENDA OUSADIA

 

"A ousadia é, depois da

prudência, uma condição

especial da nossa felicidade."

Arthur Schopenhauer

Capítulo 153

Dana está diante da janela, olhando a chuva que cai, sem parar. O barulho dos pingos d'água batendo no chão lá fora, parecem atenuar um pouco a tensão do seu coração.

Mas ela, instintivamente, está apreensiva. Mulder longe dela, noutra cidade. Nunca se sabe o que pode acontecer. Queira ou não, os dois são fugitivos, refugiados nesse lugar em que ela está agora.

Repentinamente, relembra cenas de um filme antigo, que assistira através de fita de vídeo. Sua mãe comentara sobre o filme e Dana o lembra agora.

"Singing in the rain..." - era o nome do filme musical em que o ator cantava e dançava na chuva, alegremente.

Parece-lhe estar vendo as cenas.

"Singing in the rain..."- novamente vem-lhe a música à cabeça.

E a chuva torrencial a faz olhar para baixo. Uma correnteza, carregando folhas e detritos passa, velozmente, diante de seus olhos.

"Estou só. Tenho medo. Mulder está longe e, de uma forma ou de outra, ele corre perigo de vida. Mas por que ele foi com tanta ansiedade tratar da venda daquela casa? Ele nunca havia demonstrado tanto interesse nessa venda! Mas enfim, seja. Ele quer que o dinheiro não falte, já que estamos aqui, neste lugar tão longínquo!"

"Singing in the rain..." - novamente a música do filme vem à tona e Dana sente o respingar das gotas frias de chuva em sua face.

Levanta a cabeça, fecha os olhos e deixa que as gotas caiam, livremente, sobre sua pele. Fecha a vidraça, em seguida.

"William... meu filho... - o pensamento do menino vem em sua mente - ... como estará meu filho? Parece-me ouvir seu chorinho perto de meus ouvidos..."

Uma lágrima brota em seus olhos azuis, fazendo com que a visão das gotas de chuva tremulem perante si.

Seu pensamento retorna para Mulder.

"Meu Deus, e se acontecesse alguma coisa com ele? E se fosse pego e o levassem à prisão, novamente? O que seria de nossas vidas? Condenado à morte... Mulder... o meu Mulder..."

Olha entre os quadradinhos das vidraças das janelas, mais uma vez.

Afasta-se, então.

Vai para a cama e deita-se.

Lembra do contado das mãos dele em seu corpo, os lábios que volteiam ávidos em torno de seus seios para depois tomá-los com voluptuosidade e, ao mesmo tempo, doçura; o corpo forte e quente que toma posse do seu, levando-a ao intenso êxtase...

Tenta adormecer e não consegue. O desejo de estar junto de Mulder permanece a atormentá-la. Sente uma profunda saudade dele. A falta é terrível.

Nesses dois dias em que ele está ausente, sente como se faltasse algo de seu próprio ser.

"O que ele estará fazendo neste instante? Será que lá, naquele lugar, está chovendo como aqui, agora?" - põe-se a imaginar.

* * *

A noite já descera há bastante tempo.

O Dr. Scott estaciona o carro em frente a um pequeno motel sem luxo, na cidade de passagem. Descem do carro. Dirigem-se ao motel.

* * *

Mulder, deitado na cama somente vestido em cuecas, observa pela pequena janela o céu pouco estrelado.

"Scully... como Scully reagirá ao retorno do nosso filho? E como será a minha própria reação? A emoção já toma conta de mim, desde agora.

Amanhã cedo chegaremos à Instituição onde ele está sendo cuidado. Como farei? Como reagirá Maggie?"

* * *

Margareth Scully, em seu quarto, pensativamente, vai retirando as roupas principais.

"Por sorte eu trouxe um robe porque achei que seria necessário. Nem sequer imaginei que teríamos que pernoitar nesta viagem para... oh, meu Deus! Como será que vou me sentir quando tiver novamente meu netinho em meus braços? E depois? Será que devo acompanhar o pai dele até onde estão morando? Estou me sentindo muito nervosa! Acho que nem vou conseguir dormir."

Maggie retira da bolsa um pequeno frasco que contém drágeas. Tira uma e a engole com um pouco d'água.

"Para aliviar essa tensão na qual me encontro. É terrível uma situação incomum como esta... mas eu acho que devem existir mesmo poucos casos como esse. Eu só quero, meu Deus, que minha filha seja feliz e o Fox também."

Maggie ajeita-se na cama de solteiro; cobre-se com o lençol.

Fecha os olhos. Apaga o abajur de pé, de coluna retorcida, junto da cama.

* * *

Mulder está quieto. Olhos parados na escuridão do quarto.

"Scully... Dana, eu quero te fazer feliz! Você precisa disso e eu também. Vivemos quase dez anos de nossa vida correndo atrás do perigo, para nossa sobrevivência... eu sei ... eu tenho consciência de que somos fugitivos. Temos nossa vida em risco, mas não será por isso que devemos renunciar à felicidade, Dana! E esse gesto de nós dois será de uma tremenda ousadia! Eu reconheço isso.

Scully, a mulher que amo...! Eu sinto falta de você... estou aqui longe, mas parece-me sentir o teu corpo junto ao meu, Scully... teu calor, teu perfume... - ele desliza a mão pelo peito nú, sentindo a respiração apressada - ... eu preciso de você, minha Scully... amanhã já estaremos todos reunidos... eu, você e o fruto do nosso amor, o nosso William. "

Agora Mulder fecha os olhos. Está achando um tanto difícil conciliar o sono. Um intenso turbilhão de pensamentos e sentimentos o perturbam. Mas não irá se deixar vencer.

O cansaço da tensão do dia é mais forte e anula qualquer outra coisa que tencione abordar seus sentidos.

E suas pálpebras já agora não mais tensas, encontram-se livremente relaxadas, permitindo com que seu corpo e a mente entrem em completo descanso.

E ele adormece.

"Nenhum homem feliz sabe apreciar o dormir."

E. Wertheimer