Dana contempla, embevecida, Mulder que toma o café, vagarosamente.
- Que foi? - ele quer saber, vendo-a a fita-lo.
- Mulder... o que seria de mim sem a sua força... a sua determinação nas coisas que deseja...? Às vezes eu deixo que o medo tome conta de mim...
Ele segura-a por um braço e abre a boca para impedi-la de falar, mas ela coloca os dedos em seus lábios, decidida.
- Não...! Deixa eu falar, Mulder! Eu quero desabafar... quer pôr pra fora isso que guardo... esse medo que tive de não poder ter forças de cuidar do William sem você...
- Não, Scully...
- Espera.... me deixa continuar...! Foi isso que eu senti... uma fraqueza, porque achava que o perigo iria sempre rondar o nosso filho e eu não teria determinação o bastante para enfrentar a tudo e todos, Mulder! Senti-me indefesa... fraca... sofrida... levei à frente todos os meus problemas sem me deixar abater... segui esse caminho com você, porque queria mostrar a mim mesma a minha capacidade para defender as pessoas do perigo, da maldade que ronda este mundo... sabia e sentia que, com a minha capacidade, eu seria capaz de desvendar as coisas sobrenaturais que apareciam à nossa frente... e foi assim que, nesses dez anos segui você, aprendi com você a crer em tudo estranho que nos cerca... discuti com você várias vezes, com cepticismo, o meu ponto de vista amparada pelo meu conhecimento científico, mas depois consegui selar no meu coração essas verdades...
- Sei, Scully... - ele tenta fazê-la calar.
- Ainda não acabei, Mulder... você me ensinou a persistir, a travar uma luta constante com a vida, com os problemas, com o futuro... - ela pára, engole em seco - ... e isso de nada adiantou, porque o meu coração estava no medo que senti pela sua perda... eu não quis lutar, eu não quis dividir com meu filho a força e a inteligência para prosseguirmos em frente, enfrentando todos os perigos, Mulder... eu deixei o meu filho entregue em outras mãos... sem tentar eu mesma livrá-lo de tudo!
- Você quis apenas resguardá-lo da maldade...
- Não, Mulder... eu apenas tive medo... me sinto uma covarde!
- Não pense mais nisso, Scully!
Ele a puxa por um braço. Deposita a caneca que tem na mão sobre uma mesa. Leva Dana até onde está a criança, a dormir.
- O nosso filho agora está aqui, Scully. Está junto de nós. E para sempre. É só nisso que você deverá pensar. No seu filho. Na vida dele, daqui pra frente.
Dana acarinha os tenros cabelos de seu filho, sorrindo, levemente. Abraça-se a Mulder, enquanto contempla o sono da criança.
Afasta-se logo e dobra os joelhos junto às duas poltronas unidas, que estão servindo de berço. Em silêncio, continua ali.
Pega as mãozinhas da criança, uma a uma, olha seus dedinhos pequenos e roliços. Passa a mão no corpinho do bebê vestido apenas numa curta camisa macia e fraldas.
O bebê estremece com seu toque. Mas continua no seu sono; os punhos fechados, as pernas dobradas despojadamente sobre os lençóis que cobrem as poltronas.
Dana continua ali, calada, a contemplá-lo.
- A que horas ele vai comer, Scully?
- Mamãe disse que daqui a mais quarenta e cinco minutos. E ela é que vai fazer a sopinha do Will.
- Mas ele está dormindo!
- Os bebês são iguais a um reloginho, Mulder! Não se preocupe. Ele acordará bem na hora!
- Por que não compramos daqueles potinhos de comida pronta?
- Deixa ela fazer como quer, Mulder. É mais natural ele alimentar-se com legumes frescos.. mas amanhã vamos sair para comprar alguns potinhos no supermercado, não é?
- Certamente que sim. - Mulder sorri.
Faz Dana erguer-se do chão.
- Durante o resto de minha vida eu vou pensar na tolice que fiz. - diz ela.
Mulder a abraça.
- Deixe disso, Scully. Faça como eu disse e viverá bem melhor.
- Quem me garante que isso não trará algum malefício pra ele no futuro?
- Ninguém garante. Mas o amor e o carinho substituem todos os demais defeitos.
Maggie, chega à porta do quarto e permanece ali, parada.
Mulder a vê.
- Chegue aqui, senhora Scully. Venha ver como dorme o seu netinho! - fala, em voz sussurrante, mas em tom que ela o ouça.
Maggie aproxima-se, com ar feliz.
- Viu, Dana, como eu tinha razão? As duas poltronas improvisaram um belo berço!
- De fato, mamãe. Adorei a idéia.
Mulder aperta o braço de Dana, fazendo-a entender que vai afastar-se.
Sai, deixando as duas a conversar.
Ele dirige-se ao outro aposento, onde está a cama de casal. Abre o armário, a fim de procurar uma roupa mais confortável para vestir e, enquanto faz isso, deixa-se levar pelos pensamentos que afluem em sua mente.
Sua vida já fôra toda como num filme, tal qual um drama, onde o desenrolar da trama era sua trajetória, numa infância triste e uma juventude atribulada.
E agora, na maturidade da vida, quando deveria estar com um pouco de paz, esta o esquece, pois o mundo sempre consegue colocar à sua frente o sofrimento, a preocupação.
Assim sendo, na sua passagem por este mundo, ele sente-se como um ator, desempenhando o seu difícil papel, no roteiro de sua própria vida.
A preocupação que toma conta do coração de Dana, também é sua; faz parte também do seu viver.
Mas ele fará com que a mulher amada, mãe de seu filho, seja feliz.
Com amor, compreensão, afeto e carinho, sua criança conseguirá sobrepujar todos os sentimentos negativos que porventura tentarem sobreviver em seu coração.
* * *
Mulder abre os olhos. Estende o braço para tocar o corpo de Dana. Está vazio o lugar. Ele senta-se na cama.
A madrugada está gelada lá fora.
Momentaneamente esquecera de que Dana agora tem algo mais a que se dedicar.
"Na certa está olhando o bebê." - pensa ele.
Levanta-se. Caminha na direção do outro quarto.
Lá está Dana. Ajoelhada. Quieta. Ante o filho adormecido.
Mulder chega perto e toca-a no ombro.
- Oi! - ela vira-se para olhá-lo.
- Houve alguma coisa?
- Nadinha, Mulder. Apenas a saudade me fez vir ver William. - sorri e levanta-se.
- Perdeu o sono?
- É natural, num dia como o de hoje, não?
- Por certo que sim.
Ambos ficam parados, ali, diante do seu filho.
É Dana quem toma a iniciativa. Segura a mão de Mulder.
- Vem. - encaminha-o para o outro cômodo - Amanhã vamos mesmo comprar umas coisas para o William?
- Sim, vamos.
- E um berço também?
- O que você quiser, lindinha.
- O que eu quiser, mesmo?
- Sim. - ele sorri.
- Uma casinha com varanda e muita grama verde em toda a volta...?
- De onde se pode ver o nascer do sol...
- ... ou o poente? - ela ri, discretamente e agarra-o pelo pescoço, beijando-o, com ardor - Estou brincando... só quero mesmo é te amar...!
"Amar é mudar a alma de casa."
Mario Quintana
Nota : À minha grande amiga Rosa Orofino eu agradeço a colaboração de suas belas palavras no pensamento que faz parte deste Capítulo.