EM MEIO ÀS NUVENS NEGRAS

"Jamais se desespere em meio às mais sombrias

aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras

cai água límpida e fecunda."

Provérbio Chinês

Capítulo 159

O bebê está excitado. Seus olhos buscam encontrar nos rostos das pessoas que lhe cercam, algo familiar. Isto não lhe é possível; então pula sobre as pernas de quem o segura, fica agitado. Não chora, porém.

Mulder o toma nos braços, encosta seus pés no chão e ele faz movimentos de que vai andar.

Com mais alguns segundos, ele começa a dar os primeiros passos, amparado pelas mãos do pai.

Maggie sorri, também, feliz com a cena que pode ver.

Mulder coloca William sentado na poltrona.

Maggie chega mais perto, para vigiá-lo.

Mulder havia se afastado. Retorna com um pequeno embrulho. Abre-o, retira de dentro do papel um par de pequenas luvas. Calça-as nas mãozinhas de William.

Maggie está distraída, olhando para Dana, que ajeita certos objetos sobre a pequena mesa.

Mulder, após seu feito, pára, a fim de apreciar seu filho. Com as mãozinhas enluvadas, o bebê arrasta-se pelo chão, usando a barriga encostada no assoalho.

As mãos enluvadas escorregam no chão liso e ele desaba, mas reergue-se, novamente.

Em dado momento, o olhar de Dana passa para o seu filho, no chão.

Mulder aprecia, todo satisfeito, a sua obra.

Ambas ficam embasbacadas com a cena.

Dana corre até o bebê. Agacha-se junto dele. Não consegue conter o riso.

Ela não consegue fazer cessar o riso.

Apesar da dificuldade encontrada, William prossegue, engatinhando aos trancos, caindo, deslizando as mãos pelo assoalho e reerguendo-se novamente, indo em direção da mesa baixa, distante um pouco de seus olhos.

Mulder vai para junto dele, agacha-se, no mesmo momento em que Dana também está imitando seu gesto, o que faz acontecer uma batida da testa de ambos.

Enquanto isso, William, numa das tentativas de engatinhar e seguir em frente para o seu objetivo, uma bola colorida que está sobre a mesa, suas mãos, mais uma vez, deslizam no chão, fazendo escorregar seu corpo, que desaba achatado no piso, fazendo com que bata o queixo. E isso o faz chorar, irritado.

Dana acode-o e retira dele o par de luvinhas azuis.

O bebê, sentindo-se livre daquele empecilho, prossegue no seu engatinhar sem fim, mais entusiasmado do que nunca.

Alcança o seu objetivo, a bola colorida, e senta-se, deixando desabar as pequenas nádegas no chão. Seu primeiro gesto é levar a bola à boca.

Mulder ri, com a afirmativa de Dana.

Neste momento, seus olhares concentram-se na cena espetacular que assistem.

William, largando a bola, apoia as rechonchudas mãozinhas na mesa baixa e, fazendo tremendo esforço, ergue-se, ficando de pé, agarrado ao móvel.

Mulder corre até ele, pega-o nos braços e cobre de beijos a barriguinha de pele muito clara, que aparece sob a camisa.

O bebê dá entusiasmadas risadas, divertindo-se com os carinhos do pai.

Repentinamente, Dana pára de acompanhar a alegria dos demais. Seu semblante se fecha.

Mulder nota o que está acontecendo com ela. À distância, fica a observa-la, em sua atitude.

Dana continua em luta com sua consciência.

"Quanto tempo fiquei sem acompanhar o desenvolvimento do meu filho... da minha criança... que eu mesma gerei!

Sinto-me como uma estranha usurpadora dos direitos de alguém que cuidou dele com tanto carinho por meses a fio...! Mas... não! Que tola eu sou em pensar nisso! Eu agora só tenho é que agradecer a Deus ter o amor de Mulder, que fez acontecer essa grande felicidade. Eu estou feliz! Eu tenho que estar feliz! Tenho que esquecer os caminhos pelos quais tive que passar, em meio às nuvens negras do destino. Estou com meu filho, novamente! Graças a Deus!"

E, num átomo de tempo, um largo sorriso reaparece em seu, agora, desanuviado semblante.

Mulder, por sua vez, sente-se menos temeroso de rever o sofrimento de Dana. Sabe que, se ela, por momentos pára, a fim de relembrar maus pensamentos, tem forças suficientes de, no mesmo instante, expulsar de seu coração as idéias negativas que possam surgir.

E a criança continua esperta, agitando-se nos braços de Mulder, que a recoloca sentada no chão, novamente.

William reinicia a brincadeira com a bola. Pára, por instantes, tenta agarrá-la com os dois braços, tenta mordê-la, sem conseguir, no entanto, pois a mesma se lhe escapa das mãos.

Ele engatinha e a persegue. E quanto mais tenta segura-la, mais ela rola pelo chão, fugindo de seu alcance.

O bebê pára. Olha para as três pessoas que o contemplam. Embevecidos.

Mostra as gengivas com os sinais dos dentinhos superiores que vão despontar, num largo sorriso, que faz derreter de emoção os três que estão ali, junto a ele.

Seus lábios movimentam-se, como se quisesse transmitir alguma palavra àqueles entes queridos diante dele.

Começa a piscar os olhos, ininterruptamente, olhando sempre para os pais e a avó.

Maggie faz um gesto para Dana.

Dana fita a mãe, sorridente.

"No momento em que você tem seus

próprios filhos, perdoa tudo a seus pais."

Susan Hill