ESCONDENDO O JOGO

"O jogo é uma luta, braço

a braço com o destino."

Anatole France

Capítulo 165

Dana, estendida sobre a cama incômoda do hospital, rememorava os amedrontantes fatos que lhe haviam ocorrido horas atrás. E apesar de a dor no peito já bem aliviada, devido aos anestésicos, sua mente discorria sobre sentimentos que sentia em relação ao seu colega de trabalho.

"O modo como Mulder me agarrou naquele momento, livrando-me do assassino, fez-me vir impetuosos pensamentos.

Ai, como foi bom sentir o livramento da morte iminente, assim como também sentir os braços frementes dele a me apertarem contra seu corpo quente! Meu corpo inteiro vibrou, naquele instante!"

A paixão que já há tempos havia se manifestado em seu interior, tinha, então, tido a chance de deixa-la à mercê, totalmente, desse real sentimento que lhe invadia todo o ser.

E Dana, fitando o teto branco do quarto de hospital, deixou-se enlevar por suas meditações.

Memorizou, naquele instante, o verde da campina ensolarada dos olhos de Mulder, que se perdia dentro das águas do lago tranquilo de seus próprios olhos azuis.

"Aquele olhar que me arrebata... é como se fosse algo que me alucina, me prende, enfim, no cativeiro da paixão.

Eu, por vezes, tudo faço para não permitir-me prender por aquele olhar, porém ele me atrai, como algo dominador..."

* * *

Ela senta-se rápida na cama.

Mulder enlaça-a pela cintura, fazendo-a cair ao lado dele - Mulherzinha difícil...!

Dana entrega-se às carícias da boca sensual dele, úmida e quente, tocando-a, provando-a, com sofreguidão.

Ele morde-lhe o lábio inferior, prendendo-o entre os seus. Enquanto suas mãos buscam sob a roupa de Dana a intimidade de seu corpo vibrante.

* * *

A filha chega à janela.

Dana aproxima-se do bebê, nos braços de Maggie. Ele joga-se para os braços dela.

E coloca-o no carrinho.

William mostra o seu sorriso com dois dentinhos para sua mãe.

Dana entusiasma-se com o seu lindo bebê mostrando seu ingênuo sorriso. Agarra-o e beija-o nos cabelinhos tenros , que estão nascendo.

Maggie veste um casaco. Ajeita William e saem dali.

Dana acompanha com o olhar sua mãe e seu filho. Um longo suspiro sai, profundamente, de seu peito. Intimamente só deseja o melhor para os dois, a quem ama tanto. Dirige-se para o quarto.

Sobre um móvel, encontra-se uma caixa quadrada, em madeira, cujo tampo é formado por um azulejo. Nele há desenhos de flores muito coloridas.

Ela abre a caixa. Vários pequenos objetos movimentam-se sob os seus dedos. Ela encontra um pequeno cartão, com dizeres

Chega-o perto dos olhos e lê:

Querida,

Se jogares fora este cartão, me amas

Se rasgares, me adoras

Se guardares, por mim sofres

Se queimares, por mim choras

Se deres a alguém, me desejas

Se rabiscares, gostas de mim

Se devolveres, queres um beijo meu

Se quiseres namorar comigo, dobre-o.

Meu amor, sai dessa!

Dana sorri e leva a mão à boca. Lembra do dia em que Mulder havia lhe entregue este cartão.

* * *

Mulder, nervosamente, folheava a pasta do arquivo, procurando algo, quando Dana entrou no escritório.

Ela parou, a fim de reparar naquele nervosismo dele. Cruzou os braços. Continuou a observá-lo.

Ele viu que ela estava ali. Parou. Fechou a pasta. Jogou-se na cadeira. Passou a mão nos cabelos revoltos. Recostou-se o máximo nas costas da cadeira.

Ele envergou bem para trás a cadeira:

Ela continuava de pé, fitando-o. Braços cruzados, ainda. Sobrancelha erguida, num ar de incredulidade.

Dana nada respondeu.

Mulder voltou a revirar as folhas da pasta que havia fechado minutos atrás.

Após folheá-la, tomou-a pela mão, sacudindo-a aberta.

Ele esboçou um vago sorriso. Mas não deu-lhe resposta.

Dana afastou-se e colocou-se à frente do computador. Tomou nas mãos uma pilha de papéis, que estava junto deste. Conferiu alguns dados neles.

Ela virou o rosto para olhá-lo, surpresa:

Dana o viu abaixando-se, para apanhar algo no chão.

Tendo ciência do mal humor de seu parceiro, limitou-se a olhar os papéis ao seu lado e pegou o mouse do computador, concentrando-se na tela iluminada do monitor.

Notou, porém, ainda, que Mulder havia apanhado de sob a mesa, um pequeno cartão. Ele colocou-o na mesa e o estava lendo por alguns instantes.

Ela ainda reparou que ele a olhava. No entanto, disfarçou e fingiu-se entretida nos textos que estava digitando.

Ele levantou-se. Passou, novamente, a mão nos cabelos castanhos. Mordeu o lábio inferior.

Naquele momento em que o viu levantar-se, não sabe o porquê, mas lembrou-se de que ambos haviam passado dias antes, por minutos perigosos, quando haviam enfrentado a tal personagem virtual, Matreya.

Após terem trocado as roupas do jogo do qual haviam participado e até arriscado suas vidas, Mulder havia se mostrado bastante agradecido por ela tê-lo ajudado a sair das garras da furiosa mulher, naquele jogo assassino.

E Dana jamais poderia tirar de sua retina o olhar incrivelmente fascinante em sua direção, naquele momento, após terem se despedido dos Pistoleiros Solitários, mais que responsáveis por toda aquela arriscada e inédita aventura.

Dana continuava dedilhando o teclado do computador, tentando concentrar-se no texto que estava na tela e não ficar relembrando o olhar perscrutante de seu parceiro sobre ela.

Ela parou. Sem fitá-lo. Ficou aguardando que ele continuasse.

Mulder juntou as pastas do arquivo, empilhou-as, batendo-as sobre a mesa e colocando-as sobre uma prateleira da estante. Tomou o paletó. Jogou-o sobre o ombro.

Ela saiu do escritório; Mulder acompanhou-a.

Próximo à porta, moveu o interruptor, apagando a luz. Trancou a porta por fora.

Dana, pensativamente, começou a subir os degraus, olhando para os próprios pés.

Entraram no elevador. Calados, os dois.

No carro, enquanto manejava o volante, Mulder iniciou uma conversa:

Ele não respondeu. Parou o veículo naquele instante, interrompendo a viagem. Meteu a mão no bolso. Retirou dele um pequeno cartão.

"A verdadeira viagem se faz na memória."

Marcel Proust