AMOR LOUCO

"O amor não é louco. Sabe muito bem o

que faz e nunca age sem motivo. Loucos

somos nós, que insistimos em querer

entendê-lo no plano da razão.

Marina Colasanti

Capítulo 170

Noite fria. Quase enregelante.

Mulder, dentro do carro alugado, sente suas pernas esfriarem, mesmo ali, dentro do veículo com as janelas fechadas.

Ele liga o rádio no painel. A música enleva-o. Faz lembrar-lhe passagens de sua vida.

E nem mesmo sabe o porquê, vem à sua mente, a noite em que estivera numa festa, após a investigação do homem de rosto disforme.

Pobre ser desprezado! No entanto, após tudo passado, ele fôra aceito pelos moradores da pequena cidade em que vivia.

Mas, o que vem nítido à sua lembrança é o momento em que tirara Dana para dançar.

Ele recorda:

* * *

Estendera-lhe a mão.

Ela levantou-se e deixou-se enlaçar pelos seus braços quentes.

Mulder sentiu que sua carnes vibravam de prazer com o contato aconchegante e morno do pequeno corpo de Dana.

E dançaram ao som de Walking in Memphis, a mesma música que ele ouve, agora, neste momento.

* * *

"Ah, se Scully me tivesse aceito naquela ocasião, eu teria lhe oferecido a mais bela noite de amor!

E, ao final da dança, quando eu pretendia murmurar-lhe aos ouvidos as mais ardentes promessas de amor, ela fingiu estar apenas apreciando a música, apesar de estar entre meus braços."

Ele esboça um leve sorriso. E continua em suas divagações.

"Scully era terrível! Não abria a guarda de jeito nenhum, mesmo sentindo que eu a desejava, naquele amor louco!"

Uma buzinada violenta o faz retornar à realidade, no trânsito.

Ele quer logo chegar em casa.

Porém sente, no seu íntimo, que ultimamente Dana e Maggie parecem sentirem-se um pouco à vontade naquela casa. É a impressão que ele tem.

Tenta retirar essa idéia de sua cabeça.

O motivo desse novo modo de agir, pode ser consequência do retorno de William ao seu convívio. Por muitos meses, Dana fôra privada de sentir, ouvir e ver seu filho amado. Com seu retorno à convivência com ele, tudo o mais tinha pouca importância... pois seu filho tornara-se o principal objetivo da sua vida... mas ela havia gostado tanto quando haviam ambos decidido alugar a casa... o que estaria, na verdade, acontecendo?

Seu instinto o avisa de que algo surgiu, então, impedindo que Dana pudesse usufruir de um grande bem-estar naquela sua nova moradia.

Um dia compraria uma casa para eles, sim, imagina Mulder, quase com preocupação.

Mas enquanto não tivessem um lugar fixo para se estabelecerem definitivamente, teriam que submeter-se a viver ali, naquela casa, ou em outro canto qualquer do planeta. E desde que, em paz. Isso era o mais importante.

Mulder acelera mais o carro.

Os acordes da música o embalam e ele movimenta, levemente, a cabeça, ao seu compasso.

Chega, finalmente, ao seu destino.

Dirige o carro para a lateral da casa, pelo caminho de pedras, junto ao gramado que se estende à sua frente.

Desce do veículo, apanhando embrulhos que estão no banco. Vê Maggie colocando a cabeça para fora de uma das janelas, observando sua chegada.

Mulder entra.

Ouve, vindo lá de dentro, o som da risada de William.

"Muito importante e maravilhoso possuir uma família!" - pensa ele, feliz.

Penetra no recinto.

William está sentado no chão, cercado de brinquedos.

Maggie afastara-se da janela, para estar ao seu lado.

Mulder agacha-se junto de seu bebê.

O menininho o olha com o sorriso de dois dentinhos à mostra, levantando com uma das mãos em sua direção, um ursinho vermelho, de plástico.

Mulder põe-se de pé. Aperta o lábio inferior.

Neste exato momento, Dana entra na sala. Seus olhos azuis denotam o espanto de alguma coisa que lha havia surpreendido. Sua face está lívida. As mãos um pouco trêmulas.

Dana não responde. Num gesto rápido, abaixa-se, toma o filho nos braços, escondendo o rosto assustado no pequenino corpo da criança.

Mulder aproxima-se e abraça os dois. Nada pronuncia. Aguarda, apenas, que sua mulher lhe conte o que está acontecendo.

Maggie já adivinhara. Seu rosto, por sua vez, começa a demonstrar medo. Também permanece calada, enquanto os três estão ali, diante dela, abraçados.

Mulder, por fim, afasta o rosto de Dana, para forçá-la a olhar para ele.

Num ímpeto, ele a solta, falando com rispidez:

Ela anuiu. Mordeu os lábios. Franziu o cenho. Suspirou fundo e apertou a criança contra seu corpo.

Maggie leva as mãos à boca:

Em fração de segundos, sua mente retorna àquele lugar onde estivera com Mulder, numa noite de Natal apavorante. Relembra os medos pelos quais passara, estupidamente amedrontada. Porém, haviam tido plena certeza, tudo não passara de sua própria imaginação.

" Mas agora ... agora não é esse o caso." - medita, preocupada.

Maggie distancia-se da filha e olha pela janela.

A filha a olha penalizada, enquanto William agarra-se a seu pescoço, procurando aconchegar-se mais ao calor da mãe, colocando os pequeninos e roliços braços à sua volta.

"Conserve o seu amor pela natureza,

pois é esse o verdadeiro meio de

compreender a arte cada vez mais. "

Marina Colasanti

wanshipper@yahoo.com.br