COMO NUM SONO

"Não abandones teus olhos à doçura do sono antes

de haver examinado, por três vezes, as ações do

dia. Que falta cometeste? Que fizeste? A que obrigações

faltaste? Começa pela primeira de tuas ações e percorre-as

até o fim. Joga em tua face o mal que fizeste e goza com o

bem que praticaste.

Pitágoras

Capítulo 173

Dana sente seu corpo estremecer. Sabe que não é medo. É o frio, que quase enregela-lhe as carnes pouco agasalhadas.

Continua caminhando, recostada às paredes da casa. Pouco a pouco, prossegue.

Segue, ainda, cautelosa.

Sente que seus pés esbarram em algo macio, no chão. Abaixa-se, par tocar com as mãos, aquilo que encontra-se ali. Sente as roupas. Nota que é um corpo.

Ela tenta erguê-lo, sem sucesso, porém. Ele está completamente desacordado. O corpo dele está muito pesado, para a fragilidade de sua pequena força.

Dana levanta-se, aflita. Tem que tirá-lo dali. Retorna seus passos para a direção da varanda da casa, pelo outro lado.

Neste, há iluminação. Ela corre em direção da porta. Entra.

Maggie está na porta do quarto, quando ouve os passos da filha no piso.

Dana, desesperada, abre um móvel à procura de uma lanterna. Pega-a, rapidamente e volta para fora da casa.

Agora vai em passos rápidos, até onde está Mulder, caído.

Ele move, levemente, os lábios. Os globos oculares movimentam-se nas órbitas, ainda com as pálpebras fechadas.

Dana agacha-se; senta-se no chão. Coloca a cabeça dele em suas pernas. Com a luz da lanterna, examina um ferimento na cabeça dele, entre os cabelos; é como se o torpor de um sono pesado esteja se apossando dele.

Ele, aos poucos, vai abrindo os olhos; movimenta um braço, levando a mão à cabeça.

Dana pega a arma, que está caída no chão, junto dele. Ajuda-o a levantar-se.

Mulder, por sua vez, tenta fazer isso e não o consegue imediatamente. Logo que pode erguer-se um pouco, vai desabando, sem forças, no chão e Dana o sustenta com seu próprio corpo.

Ele encosta-se na parede. Permanece nessa posição. Leva a mão à cabeça ferida.

Começam a caminhar, dificultosamente; ele por causa de sua tonteira e mal-estar; ela, pelo peso que tem que carregar, auxiliando o seu amado em seus pesados e lentos passos.

Num repente, ambos desabam no chão, pesadamente. Haviam tropeçado em alguma coisa.

O esforço de Dana é tremendo, ajudando-o a caminhar. Mas continuam, aos poucos, sob o facho de luz da lanterna, dirigindo-se para o outro lado da casa.

* * *

Mulder, deitado no sofá, leva a mão à cabeça, que lateja, incessantemente.

Resolve sentar-se. Ouve os passos de Dana.

Ela chega com uma xícara nas mãos.

Ele olha a xícara com o chá fumegante, sem vontade de pegá-la e nem ao comprimido.

Dana senta-se a seu lado.

É a voz de Maggie, aos gritos.

Mulder levanta-se, rapidamente.

Dana faz o mesmo, apavorada.

Ele vai, aos trancos e barrancos, batendo aqui e ali nas paredes, devido ao seu equilíbrio estar um tanto avariado.

Entram na sala onde Maggie está, atarantada, com os olhos vidrados na parede à sua frente.

Uma silhueta que clareia e escurece alternadamente, ali aparece. Essa silhueta transforma-se e os dois braços levantam-se e as mãos crispadas, como garras, parecem ameaçar quem está no ambiente.

Dana e Mulder chegam e param, surpresos e aturdidos.

Mulder, parado por alguns instantes ante a estranha aparição, aproxima-se, em seguida, da parede.

Mas ele não a ouve e aproxima-se mais.

A estranha e ameaçadora figura desaparece.

Dana tira William dos braços de Maggie.

Esta, desnorteada, senta-se numa poltrona.

Mulder continua parado, olhando fixamente para a parede. Volta-se para a sogra.

Mulder aproxima-se dela, olhando-a, com benevolência.

Mulder esboça um sorriso. Leva a mão à cabeça.

Maggie levanta-se, desanimada.

Ele nem responde. Sai da sala.

Ele continua em seus passos decididos. O tecido da calça chega a dançar sob o ritmo do seu característico caminhar, jogando os pés.

Dana e sua mãe saem também da sala.

William, nos braços da mãe, já tinha parado de chorar.

Dana tenta, com serenidade, imaginar como Mulder e ela poderão resolver esse intrigante caso.

"É impossível entrar numa estrada

perigosa quando há serenidade."

Shirley MacLaine