COMO UM ESPELHO
"Os espelhos são usados para ver o rosto;
a arte, para ver a alma."
George B. Shaw
Capítulo 177
Os arbustos plenamente floridos balançam à brisa que sopra, vinda da direção em que dezenas de palmeiras e outros tipos de árvores que formam um bosque, inclinam-se sob sua passagem.
Um coelho de pelagem branca passeia, saltitante, sob os pés dos arvoredos.
Pássaros de cantos sibilantes treinam seus maviosos trinados, que ecoam entre o espaço existente entre as casas distantes umas das outras.
- Dia maravilhoso este...!
- O quê, Mulder?
Dana retruca, ocupada, passando um pano úmido na cadeira alta, na qual William faz suas refeições na mesa, fazendo nela uma limpeza.
- Eu falei que num dia desses assim, o melhor é sair por aí, montado num cavalo, trotando, sem parar.
- Ah...! - ela faz, distraidamente, como se não entendesse suas palavras.
E continua ocupada em sua tarefa.
- No mínimo, em cima de uma charrete. - ele prossegue.
- O quê...?
- Ah, Scully, você nem está prestando atenção no que digo!
Dana pára o que está fazendo. Coloca as mãos na cintura, sorridente:
- Mulder, com certeza sei muito bem de tudo o que está falando! - protesta.
- Hum... menina atenta! Exatamente o que eu disse: precisamos entrar para almoçar.
Dana, com um meneio de cabeça, entende que Mulder a quer confundir. Termina a sua tarefa. Puxa a cadeira em direção à porta de entrada.
- Scully, espera! - ele pede.
Ela estaca, para aguardar a aproximação dele. Que, diante dela, segura os passos.
- Realmente, você está linda demais hoje!
- Nossa! Você é que está inspirado! O que está acontecendo?
- Sabe o que é, lindinha? Essa sua roupa azul está combinando es pe ta cu lar men te com seus olhos!
- É mesmo? - fala, em voz acariciante - É só pra você...
- Esses olhos... esses cabelos... - desliza os dedos entre os fios ruivos - ... esses lábios...
As bocas vão se aproximando, pouco a pouco.
Dana fecha os olhos. Espera.
Mulder toca-lhe os lábios carnudos e rosados.
Quebra-se o encanto, com a exclamação espantada de Mulder.
- O que foi...? - ela abre os olhos - Mas o que é isso...?!
Um inseto havia se colocado entre os dois rostos, quase a se tocarem.
Um zumbido leve os faz perceber o intruso.
- Apenas uma abelha. - diz Mulder, tentando enxotá-la com a mão.
Dana dá uma risada.
- Isso lembra-lhe o quê, Mulder?
- Lembra-me de que abelha nenhuma neste mundo pode impedir-me de te beijar, Scully!
O inseto dá uma volta por detrás das cabeças dos dois e avança em sua direção, novamente.
- Mas que negócio é esse? Será que estou doce? - reclama Mulder, batendo com a mão, incomodado.
- Nesse período de tantas flores é comum elas estarem por aqui, procurando o pólen.
O inseto afasta-se, zunindo.
- Puxa vida! Eu já estava ficando bastante irritada com esse inseto. Ainda mais lembrando daquela ferroada no pescoço...!
- Não lembra aquilo, Scully! - ele faz uma pausa, olhando atentamente o inseto, que está afastando-se, reluzente ao brilho do sol.
- Essa não! - exclama, por fim, ele, apertando as pálpebras.
- O que foi?
- Essa abelha... ou seja lá o que for, brilha mais do que um...
- ... um o quê?
- ... um espelho... ou... algo assim...
- Ah, Mulder, pára com isso! Você e suas teorias bizarras...!
Ele nada responde. Continua com o olhar atento para melhor focalizar o inseto, que, por fim, desaparece no espaço.
Dana puxa-o pela mão.
- Vem, Mulder. Vamos entrar.
- Não. Espera! Olha aquilo lá!
Dana concentra a vista no ponto para onde Mulder está mostrando.
- Aqueles dois parecem estar discutindo. - ele comenta, em voz baixa.
- É... parece.
Observa o casal a cena bem distante.
Em dado momento, um dos homens é atirado no chão da rua por um soco desferido pelo seu oponente.
O homem caído permanece imóvel, no solo.
O que o havia agredido, afasta-se em passos rápidos, quase correndo.
No mesmo instante, Mulder corre para aquela direção.
Seu apelo de nada adianta. O objetivo do ex-agente é justamente alcançar o homem caído, a fim de ajudá-lo.
Dana o segue, em passos ligeiros.
Mulder chega até o local.
Neste mesmo instante, uma mulher surge aos gritos:
- Andrew!! O que aconteceu com ele??
Mulder, agachado, examina o homem que está desmaiado.
Dana chega, neste momento.
- Como está ele, senhor? - pergunta, aflita, a mulher.
- Está desacordado, senhora. - Dana responde prontamente, abaixando-se também, para examiná-lo.
- Aquele miserável! - queixa-se a mulher - Ele vai pagar caro!
- Calma, senhora, calma! - fala Mulder, levantando-se - Quem é aquele homem que o atacou?
- É um morador daqui. Um safado! Há dias está perseguindo o meu marido!
Dana continua examinando o homem.
- Senhora, seu marido precisa ser levado a um hospital.
- O quê?! O que está acontecendo com ele?
- Teve uma concussão.
- Concussão?! - leva as mãos à boca - Meu Deus! E isso é grave?
- Só após exames radiológicos e outros testes do sistema nervoso central é que se pode dizer as consequências.
- Não!! Não é possível! - reclama a mulher, quase aos gritos.
- Senhora, tenha calma! - Mulder pede - Por favor, ligue para uma ambulância.
- E urgente! - reitera Dana.
A mulher corre em direção da entrada de sua casa.
Junto a Mulder e Scully, já estão mais pessoas da vizinhança.
- Por favor, o que é que meu pai tem? - pergunta um rapaz.
- Ele sofreu uma concussão. - explica Mulder.
O rapaz franze o cenho, abaixando-se até o pai, ainda caído no chão.
- E o que é isso? - ele quer saber.
- É uma lesão encefálica, que resulta de um trauma no crânio. Ele deve ter batido com a cabeça no meio-fio.
O rapaz levanta-se, de súbito.
- Como é que a senhora sabe do que pode ter acontecido com meu pai...?
- Ela é médica. - afirma Mulder.
O rapaz começa a andar rápido, afastando-se.
- O que vai fazer? Aonde vai? - pergunta uma mulher, que está junto a ele.
O moço não responde e afasta-se mais, em passos rápidos.
- Você é parenta deste homem? - pergunta Mulder.
- Sou irmã dele. É lamentável essas coisas que estão acontecendo aqui neste bairro.
- E o que está acontecendo?
- Muita discórdia entre os vizinhos.
- É mesmo? - ele leva o dedo indicador sob o nariz, num gesto característico seu .
- Você sabe por que brigaram? - pergunta Dana.
- O meu irmão está sendo acusado por aquele sujeito de ter denunciado as sujeiras dele, no jornal da comunidade.
- Esse jornalzinho que temos aqui todas as semanas?
- Exatamente.
- E quais as sujeiras que o homem pratica, senhora? - continua Mulder a inquirir.
- Ele tem uma fabriqueta de biscoitos caseiros, que vende fora daqui; porque depois da denúncia, ninguém mais ousou comprar nada a ele.
- É caso de contaminação? - quer saber Dana.
- Sim. A mais completa falta de higiene!
O som da sirene da ambulância já pode ser ouvido à distância.
Já vem de volta a esposa do homem agredido, juntar-se aos demais.
- E no caso, não foi o seu irmão quem fez a denúncia? - pergunta Dana, por sua vez.
- De jeito nenhum! Ele não usa meter-se com essas coisas e nem mesmo tem uma máquina fotográfica!
- Ah! - fala Dana, meneando a cabeça, num gesto de compreensão - Houve fotos na denúncia?
- Sim! Não viu no jornal da semana passada?
- Não, não o lemos. - responde Mulder.
- Pois lá está a foto bem visível daquele homem manipulando toda a massa do que ele fabrica, sem nenhuma higiene nem cuidado, num depósito no quintal da casa dele.
Mulder franze a testa.
- E alguém quer pôr a culpa no seu irmão, como delator do fato.
- É isso! - confirma a mulher.
A ambulância pára próximo às pessoas ali presentes.
Os paramédicos começam a remoção do homem para uma maca.
Dentro do íntimo de Mulder, um pressentimento de que tais problemas são apenas o começo, instala-se, teimosamente.
"Pressentimento é quando passa em você o
trailer de um filme que pode ser que nem exista."
Mario Prata