UM GRITO DE DOR

"A dor não tem remédio para

quem sofre pelo que ama."

Jacques Chardonne

Capítulo 193-D

Os dois terminam de tomar o suco nos copos.

Ele recolhe o de ambos e os joga numa lixeira.

Encaminham-se para o veículo estacionado na rua.

Entram no carro.

Ele, usualmente tão desprendido de cavalheirismo, abre-lhe a porta do veículo para fazê-la entrar, seguindo então para o seu lado, no volante.

Naturalmente, esse gesto novamente não deixou de chamar a atenção de Dana.

Ela levanta as sobrancelhas; os olhos brilhantes de surpresa.

Dana, de cenho franzido, expressão atordoada, o ouve, procurando absorver cada palavra que ele vai falando, sem demonstrar emoções.

No seu íntimo, enquanto consegue captar tudo o que ele tenta explicar com meias palavras, ao mesmo tempo a recusa, a relutância, a impedem de aceitar tudo aquilo pacificamente.

Ele não responde.

Ele mete a mão no bolso, novamente pegando a carteira, da qual retira uma foto, que expõe junto aos olhos de Dana.

E ela vê na foto uma mulher loura com duas crianças; uma menina e um garotinho muito pequeno, ainda.

Dana observa a foto sem pegá-la.

De dentro do peito de Dana um gemido de dolorosa surpresa se expande para fora. Imagina que seu peito vai explodir.

Num gesto decidido e rápido, agarra a maçaneta do carro. Abre a porta. Sai a correr, em disparada.

Ele também abre, nervosamente, a porta do carro e corre para alcança-la. Para alívio dele, a larga rua está sem muitos transeuntes neste momento. Alcança Dana. Segura-a firme por um braço.

Ela está ofegante. Os cabelos espalhados sobre o rosto. Os olhos de azul intenso, com ar transtornado pela excitação e a raiva.

Ele continua fitando-a, segurando seus ombros.

Agora ele já demonstra estar cansado de tanto ouvir as lamúrias dela.

Ele não está encontrando mais argumentos para debater as palavras dela, que saem em disparada; e, ao mesmo tempo, sente desejo de poder contornar a situação, no entanto sabe que isso não será possível. Nada será o suficiente para tirar do coração da Dana tanta amargura.

E enquanto ela fala, ele reflete. Para que continuar essa encenação, fazendo-a sofrer? Resolve deixá-la.

Dana deixa os braços caírem ao longo do corpo, para vê-lo sair dali.

Sente que está perdendo as forças. E que seu coração está despedaçado. Sua alma entregue aos horrores da angústia e da dor.

As lágrimas descem aos borbotões em sua face lívida. Os pensamentos embaralham-se na mente.

Um grito sai de sua garganta. Um grito lancinante. De dor. De perda.

Vem à sua mente, num relance, a noite em que a amargura e a aflição haviam arrebatado-lhe a alma, no momento em que aquela nave alienígena, ao deixar o solo, carregara com ela todas as esperanças de ter Mulder de volta, com vida.

E ali, então, caira de joelhos. E o grito, lancinante, saira de seu peito sofrido, varando a amplidão da noite escura.

Sente, nesse instante, que seu corpo é sacudido, não somente pelos soluços, mas mãos fortes segurando-a firme, parecem querer fazê-la despertar...

* * *

Ela abre os olhos. Vê a expressão preocupada do homem que ama.

Ele toca em seu rosto, delicadamente.

Ela está atônita. Fita-o, assombrada.

Ela desvia o olhar da direção dele. Vê as paredes claras do quarto, seus móveis simples; numa cadeira o seu robe de cetim e no espaldar a blusa do pijama de Mulder; no chão um brinquedo de William.

Retorna o olhar agoniado para o rosto dele.

Ele a aconchega em seus braços, com carinho.

Agora ela fecha os olhos. Respira profundamente. Só quer sentir os braços ternos, quentes e fortes do amado ao redor de seu corpo.

Após alguns minutos nos braços dele, enquanto calados, ela afasta o rosto, segura-lhe a cabeça com ambas as mãos. Beija-o no pescoço, longamente pousando os lábios ali naquele seu lugar preferido da pele morna e perfumada dele.

Abraça-se a ele. Com ansiedade. E ali deixa-se ficar. Feliz. Tudo aquilo não passara de um terrível e enganoso sonho.

Mas...

A mão de Dana toca na maciez e frescor de algo que está em seu decote. Olha para ali e um susto apodera-se dela.

"Ahn?! Não!!" - grita, em pensamento.

A rosa, no decote, viçosa, linda e de pétalas tremulantes, parece sorrir para ela.

"A primeira e a pior de todas as

fraudes é enganar-se a si mesma."

P. J. Bailey

wanshipper@yahoo.com.br