Os dois terminam de tomar o suco nos copos.
Ele recolhe o de ambos e os joga numa lixeira.
- Quer ir, então? Estou pronto.
- Claro. - ela confirma, disposta.
- Vamos para o carro.
Encaminham-se para o veículo estacionado na rua.
- Bem... deixa eu lhe falar uma coisa... ouça bem... não me leve a mal...
- Que palavras são essas, Mulder? O que está ensaiando me dizer?
- Nós passamos uma tarde ótima e achei você maravilhosa: e como já disse, não vou poder nunca esquecê-la.
- É, você já me falou essas palavras estranhas.
- Ora essa, por que estranhas? - dá uma pequena risada.
- Para o meu entendimento é o suficiente senti-las estranhas, Mulder. Não devo dar explicações.
- Pois não, sábia senhora! Você é que manda!
- Mas, deixando a brincadeira de lado, você quer falar pra mim o quê? - ela quer saber.
Entram no carro.
Ele, usualmente tão desprendido de cavalheirismo, abre-lhe a porta do veículo para fazê-la entrar, seguindo então para o seu lado, no volante.
Naturalmente, esse gesto novamente não deixou de chamar a atenção de Dana.
- Adorei estar com você... Scully. - ele recomeça.
Ela levanta as sobrancelhas; os olhos brilhantes de surpresa.
- Que conversa é essa...? - pergunta, lentamente; não está conseguindo entender as palavras dele - E por que fica só repetindo essas palavras? - abranda a voz - Nós sempre nos curtimos muito, Mulder. Você sabe e sente assim como eu... certo? - observa-o, olhando, profundamente, tentando ler naquele olhar algo que a faça entender tais palavras - Ou não existe nada disso de sua parte, Mulder? Mulder... ahn... eu já fico pensando o que você deve estar achando de mim... nesta tarde você não me disse nem uma só vez que me ama, Mulder! E você sempre me dizia isso...!
- É que... eu nem sei como lhe falar... você está tão excitada...!
- Mas que droga de coisa você quer me dizer, Mulder? Desembucha!! - fala, alterada.
- Olhe, nós levamos nossas vidas completamente diferentes...
- Diferentes?! Que loucura é essa que você está falando? Explica, por favor!
- Eu tenho que prosseguir a minha vida, que, na verdade não é fácil; é cheia de sucessos, mas o fracasso também faz parte dela.
Dana, de cenho franzido, expressão atordoada, o ouve, procurando absorver cada palavra que ele vai falando, sem demonstrar emoções.
No seu íntimo, enquanto consegue captar tudo o que ele tenta explicar com meias palavras, ao mesmo tempo a recusa, a relutância, a impedem de aceitar tudo aquilo pacificamente.
- Você está me dizendo palavras frias, Mulder, tentando incutir na minha mente que não devemos nada um ao outro, é isso? E por que isso agora? - leva as mãos ao rosto - Por que deixou o tempo correr e tudo acontecer? - ela cessa de falar; está arfante; sua garganta seca; uma dor vem de seu peito, fazendo-a sentir-se mal - Mulder... na realidade isso é uma despedida?
Ele não responde.
- Fala, pelo amor de Deus! - quase grita - Mulder... Mulder, diz que me ama, Mulder! Diz que isso tudo é uma encenação! Por Deus, me fala o que está acontecendo!
- Deixa eu lhe mostrar uma coisa. É preciso.
- O que é?
Ele mete a mão no bolso, novamente pegando a carteira, da qual retira uma foto, que expõe junto aos olhos de Dana.
E ela vê na foto uma mulher loura com duas crianças; uma menina e um garotinho muito pequeno, ainda.
Dana observa a foto sem pegá-la.
- Quem são?
- Minha família. - explica friamente.
- Sua... o quê?! - arregala os olhos.
- Eu sou casado.
De dentro do peito de Dana um gemido de dolorosa surpresa se expande para fora. Imagina que seu peito vai explodir.
Num gesto decidido e rápido, agarra a maçaneta do carro. Abre a porta. Sai a correr, em disparada.
Ele também abre, nervosamente, a porta do carro e corre para alcança-la. Para alívio dele, a larga rua está sem muitos transeuntes neste momento. Alcança Dana. Segura-a firme por um braço.
Ela está ofegante. Os cabelos espalhados sobre o rosto. Os olhos de azul intenso, com ar transtornado pela excitação e a raiva.
- Venha comigo. - ele quase ordena.
- Não! Não vou! Chega! Cansei de tanta achincalhação comigo!
- Escute, eu não a estou magoando. Eu não sou o homem de sua vida, mas quero redimir-se ante seus olhos julgadores.
- Ah, ah! - força uma risada - Agora quer tirar o corpo fora! - baixa o tom da voz - Olha, Mulder, fica sabendo que agora, depois dessa, nunca mais você vai me ver diante de você! Você terá a sua vida e eu terei a minha. Chega! Valeu, enquanto pensávamos que a felicidade havia batido à nossa porta...
Ele continua fitando-a, segurando seus ombros.
- Pode desabafar. É necessário isso para sua mente e seu coração.
- Olha, Mulder, nesses dez anos de vida atribulada, cheia de perigos, mistérios, sofrimentos, desenganos, dores, sua companhia ao meu lado teve sentido, me fez ter forças para suportar tudo...
- ... dez anos...? - ele interrompe, falando quase com desalento.
- ... e você me deu o que eu mais queria... o meu filho... e isso vai me dar também estímulo para continuar, tenho certeza, a minha vida sem você...
- ... por favor, entenda! - ele volta a interromper.
- Entender mais o quê, Mulder? Só me resta saber uma coisa: ou você está doente ou tem dentro de si um coração tão perverso que deseja me maltratar até acabar com as minhas forças.
- Não diga uma coisa dessas...!
- Pra mim chega, Mulder! Acabou! - fecha os olhos, com ar abatido - Aliás, eu acho que não deveria ser essa a forma de dizer que não me ama mais. Aliás... - abre os olhos e o fita - ... será que, na verdade existiu amor? Talvez...
- Pare com isso...! Eu não sou...
- ... talvez você tenha levado todo esse tempo pra descobrir.
Agora ele já demonstra estar cansado de tanto ouvir as lamúrias dela.
Ele não está encontrando mais argumentos para debater as palavras dela, que saem em disparada; e, ao mesmo tempo, sente desejo de poder contornar a situação, no entanto sabe que isso não será possível. Nada será o suficiente para tirar do coração da Dana tanta amargura.
E enquanto ela fala, ele reflete. Para que continuar essa encenação, fazendo-a sofrer? Resolve deixá-la.
- Bem... preciso ir... - diz, por fim; hesita um pouco e afasta-se na direção do carro; pára um instante, voltando-se para dizer: - Sinto muito...!
Dana deixa os braços caírem ao longo do corpo, para vê-lo sair dali.
Sente que está perdendo as forças. E que seu coração está despedaçado. Sua alma entregue aos horrores da angústia e da dor.
As lágrimas descem aos borbotões em sua face lívida. Os pensamentos embaralham-se na mente.
Um grito sai de sua garganta. Um grito lancinante. De dor. De perda.
Vem à sua mente, num relance, a noite em que a amargura e a aflição haviam arrebatado-lhe a alma, no momento em que aquela nave alienígena, ao deixar o solo, carregara com ela todas as esperanças de ter Mulder de volta, com vida.
E ali, então, caira de joelhos. E o grito, lancinante, saira de seu peito sofrido, varando a amplidão da noite escura.
Sente, nesse instante, que seu corpo é sacudido, não somente pelos soluços, mas mãos fortes segurando-a firme, parecem querer fazê-la despertar...
Ela abre os olhos. Vê a expressão preocupada do homem que ama.
- M... Mulder...? Você... voltou? - murmura.
Ele toca em seu rosto, delicadamente.
- Teve um sonho mau, Scully?
- Oh, meu Deus... um sonho?! Mulder, é você mesmo?
- Tolinha, quem você imagina que seria?
Ela está atônita. Fita-o, assombrada.
- Scully! Acorda, Scully! Sou eu, Mulder! - ele está insistindo.
Ela desvia o olhar da direção dele. Vê as paredes claras do quarto, seus móveis simples; numa cadeira o seu robe de cetim e no espaldar a blusa do pijama de Mulder; no chão um brinquedo de William.
Retorna o olhar agoniado para o rosto dele.
Ele a aconchega em seus braços, com carinho.
- Espera... não! Você não me disse que me quer!
- Scully! Acorda, Scully!!! Ei! O que está acontecendo? - abraça-a com força; parece sentir que ela precisa de seu afeto, mais que tudo - Meu amor, pára com isso! O que aconteceu?
- Mulder... você me ama?
- O quê? Scully, você é a minha vida! Meu tudo! Eu já te falei, Scully, que você é o sentido da minha vida! Eu te amo, Scully! Muito, muito... - cobre-a de beijos carinhosos. - Você está assustada, Scully! Deve ter sido um sonho bem ruim.
- Sim, Mulder... muito ruim... como se você ... fosse outra pessoa...que não me amasse... eu não quero lembrar...!
- Não lembre dessa coisa ruim, Scully. Eu estou aqui, amando você, mais do que nunca...!
Agora ela fecha os olhos. Respira profundamente. Só quer sentir os braços ternos, quentes e fortes do amado ao redor de seu corpo.
Após alguns minutos nos braços dele, enquanto calados, ela afasta o rosto, segura-lhe a cabeça com ambas as mãos. Beija-o no pescoço, longamente pousando os lábios ali naquele seu lugar preferido da pele morna e perfumada dele.
- Eu nunca mais quero ter um pesadelo como tive hoje, Mulder, nunca mais!
- Não dá pra contar os detalhes?
- Não vale a pena..
Abraça-se a ele. Com ansiedade. E ali deixa-se ficar. Feliz. Tudo aquilo não passara de um terrível e enganoso sonho.
Mas...
A mão de Dana toca na maciez e frescor de algo que está em seu decote. Olha para ali e um susto apodera-se dela.
"Ahn?! Não!!" - grita, em pensamento.
A rosa, no decote, viçosa, linda e de pétalas tremulantes, parece sorrir para ela.
"A primeira e a pior de todas as
fraudes é enganar-se a si mesma."
P. J. Bailey