TRANSIDA DE MEDO

"O medo é a única coisa que se multiplica

mais depressa que um casal de coelhos."

Hal Boyle

Capítulo 194

O dia seguinte ainda encontra Dana intrigada com o acontecimento do dia anterior.

Acontecimento real? Realidade alternativa? Sonho? Ultrapassagem para uma outra dimensão?

Enquanto ela assiste Mulder cortando os ramos mais desarrumados dos arbustos floridos que contornam a casa, seus pensamentos ficam num vai-vem de dúvidas. Encaminha-se então para junto dele .

Ela prontifica-se a ir pegando da mão dele os galhos cortados.

Ela encosta-se amorosamente ao corpo dele.

Ela mostra-lhe um sorriso.

Ele volta-se para ela, com ar amoroso.

Ela o olha surpresa com a reação dele a um fato tão antigo.

Neste momento em que ele a chama pelo primeiro nome, ela recorda do sonho, novamente.

Ele pára novamente seu trabalho.

E ela fita-o, interessada em ouvi-lo.

Ela reflete, por momentos.

Ambos riem.

Ela não sabe o que responder. Levanta as sobrancelhas. Aperta os lábios.

Ficam executando os cortes nos ramos, em silêncio.

Em seu íntimo pensa como pôde ter acontecido aquilo com Mulder naquela época e com ela, atualmente, um fato tão estranhamente quase levado à realidade?

* * *

Mulder está deitado no chão, pernas esticadas. Olhar atento à sua volta.

Dana ao seu lado. Também derreada sobre o solo recoberto de folhas.

O alto, grosso, rugoso e centenário tronco escuro da árvore encobre, com sua sombra, o casal deitado sob a sombra de seus galhos.

O ruído dos pássaros nos altos topos das árvores parece ser do desejo daqueles seres cantantes um afã de agradar o casal ali, à mercê de seus maviosos sons.

O farfalhar das folhas das altas árvores, assim como as de menor porte, enchem o ar com um som sereno. Que descansa. Que restaura as forças. Quebranta a ansiedade.

Mulder procura a mão de Dana estendida no solo. Segura-a.

Continuam de mãos dadas. Meditam por minutos, deixando que o canto dos pássaros alimente sua alma.

Súbito, um seco estalido de galhos quebrados interrompe a paz.

Mulder senta-se, rápido. Levanta-se em seguida.

Ele, com o dedo indicador nos lábios, pede-lhe silêncio.

Novamente os estalos de galhos quebrados fazem-se ouvir.

Mulder dá alguns passos.

Dana levanta-se.

Ambos caminham, sorrateiramente, na direção de onde vieram os ruídos.

Mulder abaixa-se para verificar que, realmente, haviam sido pisados diversos galhos e agora ouvem como se fossem passos rápidos, fugindo do seu alcance.

Continuam andando, cuidadosamente.

* * *

Dana consulta o relógio de pulso.

Ele apenas pára, olhando à frente.

Ela alonga o olhar.

Ele toca-lhe na face com carinho.

Ela tranca os lábios. Está convicta de que ele vai tentar ver, a fundo, o que contém na caverna. E nem adiante tentar demovê-lo da idéia.

Ambos prosseguem, com cautela.

Mulder na frente. Dana logo atrás.

Ela pára por instantes, para endireitar algo que a está incomodando dentro de uma das botas que está calçando.

Mulder já está adiantado vários passos adiante.

Ela dá uma pequena corrida para alcançá-lo, em seguida.

Mulder estaca os passos e olha para trás e a vê pálida e parada.

Ele retrocede os passos para ir até onde ela se encontra. Olha para os lados.

Junto a um tronco quebrado, dá para ver a cauda peluda de um pequeno animal.

Mulder vai até lá.

O animal foge, assustado.

Ela leva a mão ao peito, mas aliviada, então.

Ele a fita, com ar indagador.

Dana faz um ar de resignação. Há muito aprendera a conhecer os métodos e atitudes impensadas de seu companheiro de jornadas.

"O amor nos faz enfrentar tudo." - pensa, tentando animar-se.

Agora é a vez de Mulder, que pára de caminhar, sentindo algo que havia lhe roçado a testa. Passa a mão na pele e nesse gesto sente que seus dedos haviam tocado em alguma coisa fria.

Dana olha estarrecida a cauda fina e balançante de uma serpente pendurada num galho.

Mulder pára. Fica olhando para o chão. Fecha os olhos. Aperta-os com os dedos.

Dana arrepende-se por tê-lo feito relembrar tal cena.

Ele aperta os lábios. Abre os olhos.

Prosseguem nos passos.

Um macaquinho engraçado parece divertir-se ao vê-los; aproxima-se. Pendurado num galho baixo, fica como que aguardando que os visitantes lhe ofereçam alguma coisa para comer.

Mulder abre a mochila que leva às costas, retira um biscoito. Estende a mão na direção do mico.

Este, num gesto rápido, aproxima-se para agarrar o biscoito, enquanto equilibra-se com a cauda presa ao galho da árvore.

Após apreciarem durante alguns minutos o pequeno símio, que com os olhinhos espertos e gestos rápidos devora a guloseima, prosseguem em seu caminhar mais rapidamente.

Mulder já está colocando o pé para entrar.

Ela o acompanha, temerosa.

Nos primeiros metros escuros da entrada, uma visão fantástica os assombra. Parece a ambos um cenário de ilusão.

"A ilusão não é mais nem menos

que a aberração da esperança."

Severo Catalina

wanshipper@yahoo.com.br