TENTANDO RECOMPOR AS IDÉIAS

"Toda idéia nossa é reação - positiva ou negativa -

às situações que cria nosso destino."

Ortega Y Gasset

Capítulo 204

É difícil para Dana entender o que se passa com Mulder.

Há dias queixando-se de perturbadoras dores de cabeça. E seu humor está dos piores.

Agora ele está deitado, braços sob a cabeça. Olhos fechados.

Dana recosta-se na cama, acaricia-o nos cabelos castanhos.

Ele movimenta a cabeça de um lado para o outro, tentando evitar que a mão de Dana permaneça tocando em seus cabelos.

Mas ele não responde.

Ainda sob o impacto dessa recusa de Mulder por suas carícias, Dana chega a pensar que na situação em que ele se encontra, perturbado e sentindo dores, na verdade não é nada apetitoso um carinho fora de hora.

Ela assim tenta convencer-se. Para sentir-se melhor. Menos frustrada.

* * *

Mulder levantara-se. Olha o relógio de pulso que toma de sobre a mesinha ao lado da cama. Três horas da manhã. Sua vista dirige-se para o mar revolto através da vigia do camarote. Não entende o porquê, porém algo o chama. Tem que ir ao convés. É imperativo o desejo de ir até lá agora.

Com muito cuidado, sem fazer ruídos, dirige-se ao banheiro. Nele permanece por vários minutos. Na sua mente é um meio de fazer com que, se Dana despertar e vê-lo entrar no banheiro, naturalmente não vai ficar questionando onde ele estaria indo e permaneceria tranquila, continuando seu sono, que anda bem pesado e contínuo nesses primeiros meses de gravidez.

Ele observa por uma fresta da porta aberta para olhar. Como havia pensado, Dana remexera-se na cama: virou-se para o outro lado e continuou a dormir.

Mulder veste, rapidamente, uma roupa mais agasalhante. Sorrateiramente destranca a porta de saída no recinto contíguo e trancando-a por fora, deixa o local.

Desce as escadas, sem pressa. À sua vista somente a tripulação do navio em seus afazeres noturnos. Chega ao convés. Fica com as duas mãos agarradas à amurada, fitando as águas escuras e tormentosas. O céu sem estrelas. Uma brisa gelada corre sobre sua pele. Sente um incômodo arrepio.

Num relance, permite sua mente trabalhar um pouco.

"Mas afinal, porque cargas d'água estou aqui? Scully está lá em cima, meu filho também e eu... eu aqui... fazendo o quê?"

Rapidamente volta-se para deixar aquele lugar.

A voz viera às suas costas, num tom suave, mas ao mesmo tempo cortante, através da brisa que sopra no momento.

Mulder olha. É Maureen ao seu lado.

Ele franze o cenho. Pára e observa a mulher, intrigado.

Mulder sorri. Mas ao mesmo tempo deseja mesmo é distanciar-se dessa criatura. Sente, porém, que seus pés parecem estar cravados no chão.

Já Maureen está com a boca entreaberta, bem junto à dele, tentando-o.

Mulder a segura pelos ombros, firmemente.

Ela não reage. Apenas sorri.

Mulder encaminha-se para sair dali.

Com o olhar, Maureen acompanha-lhe os passos, com ar de desafio.

* * *

Ele anui, sacudindo a cabeça, ao concordar.

Dana percebe que ele não está com muita vontade de conversar. Sai, deixando-o entregue a seus pensamentos.

Mulder fecha os olhos. Além de perturbação na mente, há uma coisa terrível lhe acontecendo: a cada vez que fecha os olhos a figura de Maureen se manifesta em seu pensamento.

Ele passa a mão pelos cabelos, nervoso. No silêncio do recinto tenta recompor suas idéias. Está tudo misturado em seu cérebro, no entanto.

Essas palavras ele ouve, aturdido.

Olha para os lados, querendo descobrir de onde partem. Bem atrás dele a voz sussurrante reinicia.

Maureen, de mãos postas à cintura, fita-o, desafiadoramente, fazendo-o engendrar-se no seu encantador assédio.

A risada insinuante da mulher o deixa frustrado. Mas ao mesmo tempo fascinado.

Maureen aproxima-se de Mulder, novamente. Desliza os dedos gentis sobre sua face.

Mulder, gentilmente, retira as mãos dela de seu rosto.

Maureen faz um trejeito, com ar de menina mimada.

Maureen volta-se para sair. Vira a cabeça, sorrindo.

Abre a porta e sai.

Mulder, atrapalhado e confuso, imediatamente vai trancar a porta atrás dela. Antes, porém, dá uma rápida olhada para o longo corredor, a fim de vê-la afastar-se. Nada vê, a não ser o tapete que se estende por toda a extensão do corredor.

"E o pior - ele pensa - é que tenho a impressão de que essa mulher entrou numa dessas próximas portas aqui nesta ala do navio... tsc... tsc... tsc... e deve ser nossa vizinha... que chato...! E é uma pessoa totalmente destituída de moral e de vergonha."

"Chama-se vulgarmente

habilidade à falta de vergonha."

Nocedal