OLHAR REPLETO DE ÓDIO

"O ódio tem pressa de vingança."

C. Diane

Capítulo 207

O escuro da madrugada só permite a Dana ver que Mulder está de pé, junto à vigia, olhando as encrespadas ondas no mar agitado. Ela observa-o. Olha, discretamente, o relógio. Três horas da manhã. Ele não dormira direito desde o começo da noite. E nem ela conseguira também faze-lo.

Nunca, em dez anos de relacionamento diário com esse homem, o vira tão estranhamente perturbado. Vê que ele está ali, de pé, junto à vigia, como se algo o chamasse. Está inquieto. Passa as mãos nos cabelos. Esfrega os lábios, mostrando nervosismo. De vez em quando dá uns passos para trás e retorna. Uma inquietude bem maior do que Dana já pudera ver em toda sua vida.

Ela nota, agora, que ele está aproximando-se da cama para deitar novamente.

Dana continua fingindo dormir.

Mulder deita-se bem distante, beirando o lado oposto no qual ela se encontra.

Longos minutos passam-se.

Ela percebe que ele já começara a ressonar.

"Isso é sinal de que não está com dor de cabeça."- ela pensa.

* * *

O chamado desesperado de Mulder desperta Dana, que então conseguira conciliar um breve sono. Ela sacode-o, levemente, vendo-o debater-se, nervosamente.

Ele abre os olhos, agoniado. Senta-se na cama.

Num repente, levanta-se. Vai até um aparador onde tem copos e uma jarra com água. Ele bebe um pouco. Permanece ali parado, olhando o copo em sua mão.

Dana, observando-o ali, começa a imaginar o que deve fazer. Tem um filho, uma criança que já está dando seus primeiros passos, aprendendo suas primeiras palavras e o que ela mais necessita agora é do carinho, atenção e orientação de seu pai. Ela passa os dedos levemente sobre o ventre. Continua em suas divagações, lamentando que agora, com mais um filho a chegar na família, mais ainda será necessário a atenção do pai, para que os filhos sintam, junto a pai e mãe uma família completa e feliz.

Ela vira-se para o outro lado e tenta parar de pensar. Impossível. Olha o relógio, que já está marcando cinco horas da manhã.

* * *

Maggie olha o rosto abatido da filha.

A mãe fita novamente a filha. Sabe e sente que ela está lhe passando uma mensagem, mas ao mesmo tempo, esforça por faze-la esquecer do que havia comentado como uma queixa.

Dana sai. Caminha pelo longo corredor e sobe as escadas. Alcança o convés, que a essa hora da tarde está repleto de passageiros que caminham ou conversam. Ela tenta não entrar em assunto com nenhum dos que costumam conversar com ela. Apenas cumprimenta-os, ligeiramente.

"Onde está Mulder?"- indaga a si mesma.

Dirige-se para o salão de jogos, tenta vê-lo no salão de refeições. Noutros lugares de lazer. Procura mais e não o encontra. Num certo recanto, porém, bem para a proa do grande navio, onde não estão transitando passageiros, ela consegue vislumbrar duas pessoas.

Um casal, exatamente.

Tapando com a mão para tirar os raios do sol sobre os olhos, consegue divisar, para seu espanto, que lá adiante está nada mais, nada menos, que o pai de seus filhos com a mulher que nunca mais vira em seus passeios pelo interior do transatlântico.

Dana pára onde está e coloca-se atrás de uma coluna de madeira para observar, sem ser vista.

Os dois parecem conversar.

A mulher insinua-se, colocando as duas mãos sobre o peito dele. E este, gentilmente, as retira. Leva a mão à cabeça. Parece sentir dor.

A mulher acaricia-lhe a testa.

Dana sente o sangue ferver-lhe nas veias. Jamais seu orgulho de mulher fôra tão ultrajado, como neste momento. O seu desejo maior é avançar alguns passos e acertar com bem dadas bofetadas as faces da desavergonhada passageira.

Dana engole em seco. Contém sua ira. Mas de sua garganta um brado retumba.

Ambos viram-se para sua direção.

O olhar repleto de ódio de Maureen, emitindo um estranho brilho, cai sobre o rosto de Dana. Que não se intimida.

Mulder afasta-se da mulher e aproxima-se dela.

E a mulher chega mais alguns passos, perto de Dana, que desafia o seu olhar de ódio; e agora, com sarcasmo, medindo a criatura à sua frente da cabeça aos pés, indica claramente o seu desprezo.

Maureen, em um gesto rápido, dá um sopro na direção de sua rival, o qual até lhe faz movimentar os longos cabelos ruivos, cobrindo-lhe parte do rosto. A mulher dá uma gargalhada irritante.

Dana retira os fios que a perturbam. Neste momento sente uma sensação estranha, como se algo lhe houvesse penetrado pelos poros, causando-lhe arrepios. Então, gira sobre os calcanhares para retornar, apressadamente, de onde viera, a fim de afastar-se do local.

Mulder, num safanão, liberta-se da mão que o impede de ir e segue, rapidamente, em direção de Dana.

Mas ela continua seu caminhar quase a correr, agitada e desesperada.

Ele a alcança.

Ela o fita. Em seus olhos as lágrimas dançam, porém as palavras saem firmes de sua garganta.

Mulder medita consigo mesmo.

Incrível como não consegue se concentrar e dizer à mulher que ama que é a ela, somente a ela que havia entregue o seu amor. Para toda a vida.

O coração, lá no seu âmago, deseja dizer-lhe que a ama, que não a trocaria por ninguém no mundo, que ela o faz inteiramente feliz, mas... a boca só tem frias palavras para dizer:

Dana afasta-se, o mais rápido possível. Deixa-o estático ali, entregue a seus atormentados pensamentos. Alguns passos mais adiante, volta-se para olhá-lo. E o vê parado, as mãos apertando a cabeça, demonstrando dor.

"As palavras, como os vidros,

obscurecem tudo que não esclarecem."

J. Joubert