COM TANTA INDIFERENÇA!

 

"O maior pecado para com o próximo

não é odiá-lo, mas ser-lhe indiferente.

É a essência da desumanidade."

George Bernard Shaw

 

Capítulo 210

 

A mulher, demonstrando um ar entediado, movimenta-se, querendo sair.

-          Bem, senhor segurança, já que você permite que essa mulher fique me ameaçando

-          com essa arma o tempo todo, eu vou ter que exigir que me tire daqui!

-          Bem... é que... - balbucia o homem, sem encontrar palavras.

-          Você não vai sair daqui! - ordena Dana, com autoridade na voz.

-          Você não poderá me impedir! - retruca a outra, cheia de si.

-          Veremos! - responde Dana, convicta.

-          Senhor...? - fala  o homem, dirigindo-se para Mulder - O senhor está se sentindo mal?

Mulder ouve o chamado. Franze a testa, procurando fixar o olhar perdido no homem à

sua frente. Porém não responde. Só pestaneja, pesadamente.

-          O que ele tem? - pergunta o segurança, aproximando-se, fazendo menção de ajuda-lo.

-          Algo que só essa ... criatura aí pode responder. - responde Dana.

-          Senhora, você deu algum entorpecente a esse homem? - quer saber ele.

-          Imagina! - a mulher dá uma gargalhada - Nem sei o que é isso, senhor segurança!

-          Não há necessidade. - explica Dana, falando quase que para si mesma.

-          Do quê...? Como disse? - pergunta o homem.

-          Desculpe. Não posso explicar agora.

E  Dana vendo que a mulher movimenta-se, tentando sair do lugar, aponta mais

firmemente o cano da pistola em sua direção.

Maureen a olha, fixamente, apertando as pálpebras, para falar:

-          Isso não me intimida.

-          Sei disso. - Dana retruca, rapidamente, permanecendo com a pistola apontada

     para a mulher.

Na porta, neste momento, surgem o Comandante do navio, junto com o outro

segurança e Maggie visivelmente aflita.

-          O que está havendo aqui? - pergunta o Comandante.

-          Mandei chamá-lo, senhor, para lhe participar que neste navio está viajando alguém

-           que é um risco para todos os outros passageiros. - explica Dana.

-          Como disse??

A mulher alienígena apruma-se onde está.

-          Essa mulher está se referindo a mim? Que coisa idiota é essa? - reclama ela.

O Comandante está ouvindo as duas mulheres falarem, sem entender de pronto.

-          Mas o que está dizendo, senhora? Isso é uma séria acusação! - fala ele para a Agente.

-          Mais séria do que o senhor pensa! - completa Dana

-          E do que a acusa?

-          Sim!! - berra a mulher agora -  Do quê pode me acusa? Vamos! Diga!!

A agente volta seu olhar para Mulder. Ali está ele, naquela poltrona, jogado, com o

espírito tão disperso, sem forças, sem atitudes! Sente dó dele nesse momento.

Retorna o olhar para a mulher e dirige a voz ao Comandante.

-          Senhor, quero avisá-lo de que essa criatura não é um ser humano.

-          O quê?!  - a exclamação vem do Comandante e os dois seguranças.

-          Scully... - a voz de Mulder, sumida, sem nenhuma tonalidade, chama-a, tentando

-          levantar-se.

-          Eu quero sair daqui! Essa mulher é louca! Quer se ver livre de mim!

-          Prendam-na! Ela é completamente louca!! - berra Maureen, agitada.

Dana, com um gesto rápido, enfia mais uma vez, a mão num dos bolsos do casaco.

Sim! Providencial e muito oportuno ter à mão a arma que havia encontrado

no bolso da calça esfarrapada de Mulder, quando ele quase fora morto pelos

alienígenas na Chapada dos Guimarães. Agora essa arma servirá muito bem aos

seus objetivos.

Com fúria, Dana investe contra sua inimiga, não dando nem tempo de os três homens

a impedirem.

Dana, no entanto, é jogada contra o chão, pela força descomunal da mulher

alienígena, que tenta estrangulá-la.

-          Parem!! - berram os seguranças.

-          Atirem para o alto!! - grita o Comandante.

Um deles pega do chão a pistola de Dana, e,  num gesto de alívio, olha para os

companheiros, demonstrando que não há mais perigo de ferimento por bala.

Mulder, num ímpeto, parece ter adquirido forças e joga-se no chão, imobilizando

a mulher, que continuava tentando estrangular Dana.

E, neste momento então, esta lança sobre o rosto de Dana um sopro violento, cuja saliva

umedece-lhe o rosto e faz com que ela feche os olhos, balance a cabeça e aperte os lábios,

enojada com o que acaba de receber contra sua face.

-          Ora, sua...! - consegue murmurar, cheia de ódio e fúria contra a criatura.

Mulder, por sua vez, consegue fazer Maureen soltar os dedos do pescoço de Dana.

Esta, nesse átomo de intervalo e, enquanto a mulher se debate tentando desprender-se

dos dois que a seguram, vê a chance de fazer o certo. E com um preciso golpe, enfia na

nuca da criatura a arma alienígena, profundamente, até o cabo.

-          Ei!! - grita um dos seguranças - Ela feriu a mulher!!

Os outros dois homens avançam na direção de Dana, para levanta-la do chão e

segurarem-na para a impedir de tirar a vida de Maureen, que ainda está caida no chão. 

Os olhos dos três homens, porém, esgazeiam-se de terror ao ver a cena a seguir.

O líquido verde, viscoso, jorra do pescoço da mulher e a cada segundo todo o

seu corpo vai-se desintegrando, pouco a pouco. Em minutos, somente suas roupas

estão no assoalho, molhadas no pegajoso líquido verde, que se esparrama pelo chão.

Mulder, ao ver Dana sendo segura pelos dois homens, parece acordar de um pesadelo.

-          Scully!! O que aconteceu?

Ele, num gesto rápido, retira-a das mãos dos seguranças.

O Comandante do navio, após ter fixado o olhar estarrecido na mancha no chão,

resquícios do que julgava ser um ser humano, volta-se para Mulder.

-          Senhor, por gentileza, juntamente com a senhora, venham ao meu gabinete de

-          comando, pois tenho que relatar esses fatos aos meus superiores.

-          Fatos?! - Mulder indaga, sem entender de imediato, ainda com a mente entorpecida.

-          Sem dúvida, Comandante. Iremos imediatamente. - Dana confirma.

*   *   *

Dana, com William no colo, acarinhando-o, tem o queixo apoiado em seus cabelinhos

castanhos, como os do pai. Seus pensamentos estão distantes.

Maggie nota isso.

-          Filha, daqui a pouco você vai para o almoço, não é?

-          Acho que não.

-          O quê? Como não vai?! E por quê?

-          Nossa! Não precisa exagerar, mamãe! Não estou com fome!

-          Dana, você pensa que tem direito de agir assim, agora? Você está grávida!

Dana arqueia as sobrancelhas, com ar chateado.

Maggie senta-se e encara-a de frente.

-          Filha, eu acho que você ainda não se convenceu de que o que aconteceu foi o

-          terrível poder daquela maldita criatura sobre o pai de seu filho.

-          É.  - fala, sem pestanejar - Acredito, sim!

-          E então? O que a faz pensar que ele lhe falou tantas coisas desagradáveis por querer?

Dana levanta-se. Coloca William no colo de sua mãe. Vira-se para sair.

-          Bem, se o caso é de que devo compartilhar do camarote junto com ele, seja... não

-          a incomodarei mais...

-          Dana, minha filha! Não é isso...

Mas a filha já saira porta afora.

*   *   *

Mulder a vê chegando, enquanto está em frente a um espelho, passando um pente

sobre os cabelos revoltos.

Dana sente no ar o perfume gostoso da loção de barba que ele usa, mas não quer

deixar-se levar por arrebatamentos sentimentais.

-          Oi, Scully! Eu já ia buscá-la. Está na hora de descermos para o almoço.

-          Ah, sim, Mulder. Pode ir. Estou sem fome.

-          Mas Scully...!

Ele nota que está usando as palavras em vão.

Dana já entrara no banheiro e, com seus pensamentos embaralhados, fica imaginando

como ele é capaz de fingir tanto, em nenhum momento tocando no assunto da mulher

maldita que tanto a fizera sofrer.

-          Que hipócrita ele é! - sussurra, para si mesma.

*   *   *

A lua derrama sua luz prateada sobre as águas agitadas do oceano. O rumor sombrio

que elas causam, mistura-se aos vários sons que ocorrem no navio nesse momento.

E essa mistura penetra perturbadoramente nos ouvidos de Dana, deixando-a nervosa.

Com ansiedade, aguarda a chegada da madrugada, que fará surgir no horizonte,  para

os passageiros, os primeiros contornos da cidade onde vão ter que desembarcar.

Há dias sente-se terrivelmente só. Apenas a presença de seu filho e sua mãe ajudam-na

a quebrar a monotonia da viagem, que parece sem fim.

Dana ouve um ruído às suas costas. Volta-se para olhar. É Mulder chegando.

-          Oi, Scully! - cumprimenta-a, em baixa e discreta voz.

-          Oi. - responde ela, sem entusiasmo.

-          Você não desceu  também para o jantar.

-          Não. Fiz a minha refeição no camarote.

-          Ah, sei. - aproxima-se da amurada do convés, dá duas pancadinhas com as palmas

-          das duas mãos sobre ela, demonstrando nervosismo - Até quando as coisas entre nós

-          correrão assim, Scully?

-          Do que está falando?

-          Você sabe muito bem.

Ela vira-se para encará-lo. Olhos nos olhos. Mas seus lábios não se abrem para respondê-lo.

-          Scully... - ele recomeça.

-          Por favor, Mulder! É um bem que me faz se não continuar com essa conversa.

Ele segura-a pelos ombros. Seus olhos verdes brilham de agitação.

-          Vamos continuar, sim! Você terá que me explicar tudo!

-          Mulder, pára com isso! - sussurra - Olha aquelas pessoas lá adiante! Não temos que

-          fazer cenas aqui para deleite dos outros!

Ele lhe segura a mão, puxando-a para acompanhá-lo.

-          O que você quer? - ela pergunta.

-          Não importa. Venha comigo.

Andam pelo convés até chegarem a uma das portas que dá para o interior do navio. Nesse

hall ela detém os passos.

-          Eu não vou subir agora, Mulder!

-          Ah, vai, sim! Vamos para o camarote agora!

-          Não vou!

-          Por que está fazendo assim, Dana? Por que me evita? O que está acontecendo?

Ela leva a mão ao estômago. Empalidece.

-          Você está passando mal? - ele pergunta, suavemente.

Ela apenas balança a cabeça, confirmando.

Ele, num gesto rápido a toma nos braços, subindo com ela as escadas.

-          Eu não quero ir, Mulder! Preciso respirar ar puro! Por favor! Me larga!

Ele detém os passos e, subitamente, ao invés de colocá-la no chão para retornarem,

continua a levá-la nos braços em direção do convés.

-          Me larga, Mulder! Me põe no chão!

Ele finge não ouvi-la.

Passageiros que passam por eles apenas dão sorrisos complacentes, mostrando entender

o amor e a união entre o casal . Pelo menos é o que acreditam, vendo a cena.

Num local bem deserto do convés, ele a coloca no chão. Dá um suspiro para descansar da

tarefa de tê-la carregado.

-          Bem feito! - ela resmunga, aborrecida, vendo-o resfolegante.

-          Pronto. Eu já a trouxe de volta ao ar puro. Pode começar. - fala, colocando as mãos

-          nos bolsos, encarando-a.

-          Começar o quê?

-          Não se faça de tola, Scully! Vai me dizer porque está me tratando assim, com tanta

-           indiferença!

Ela segura o seu olhar. Está agitada por dentro. Aperta os lábios. Franze o cenho.

-          E você, Mulder? O que quer que eu pense depois de ouvir o que você falou pra mim?

-           O que você acha que senti?

Ele dá uma guinada no corpo, passa a mão nos cabelos. Aperta os lábios.

-          Mas o que eu lhe disse, Scully? Eu a ofendi? Eu a fiz sofrer de alguma forma?

Dana volta-se para o mar. Seus olhos estão brilhantes de lágrimas. No seu íntimo,

desejaria que Mulder parasse com esse fingimento. O amor que ela sempre lhe

dedicou é grande demais, porém não deseja ficar sofrendo amarguras nem constrangimentos,

 mesmo sendo isso provocado por esse homem a quem tanto adora.

-          Fala, Scully...! - ele volta a pedir, suavemente.

-          Por que você faz questão de não lembrar, Mulder?

-          Não lembrar do quê?

-          Das palavras duras que me disse. - os olhos estão cheios de lágrimas e os lábios

-           tremem - Mas não se preocupe, eu concordo em fazer como você deseja.

-          O quê...? O quê...? O que eu disse que desejo? O que te falei? Fala, Scully!

Agora Dana exaspera-se. Cansa de tanto fingimento.

Dá meia volta e caminha a passos rápidos.

-          Scully! Volta aqui!!

Ela pára, a fim de alertá-lo. Fala em voz baixa.

-          Mulder, se você me segurar novamente, eu juro que vou gritar por socorro até

-          a chegada dos seguranças!

-          M... mas Scully...!

Ela afasta-se rápido.

Mulder deixa cair os braços ao longo do corpo. Sente-se cansado. Impotente. Tenta,

por todos os meios entender o motivo da raiva de Dana.

*    *   *

Ela chega apressada ao camarote, onde está sua mãe e seu filho. Agora está

resolvida. Não mais partilhará em hora nenhuma algum local com Mulder. Ele não

merece. E nem a quer mais...As garras da angústia maltratam seu coração. Ela

sente-se sem ar. Do fundo de seu peito um soluço vem, dilacerando-lhe as

entranhas, até sair pela garganta afora, num despejar de desespero e dor. Durante

alguns minutos Dana fica ali, numa cadeira num canto do recinto, derramando suas

lágrimas de tristeza.

*   *   *

Maggie está  recostada na cama, olhos fechados. Pensamentos felizes voltados

para os outros filhos distantes, que logo poderá ver.

Logo, um ruído  interrompe-lhe os pensamentos felizes e a faz sentar-se para ouvir

mais atentamente.

Soluços abafados vêm até seus ouvidos.

-          Dana!! - exclama, num murmúrio, horrorizada.

Levanta-se, rapidamente. Segue para a entrada do camarote. E vê sua filha; com

uma grande echarpe tapando-lhe todo o rosto,  tentando abafar os soluços.

-          Minha filha! Minha filha! - e Maggie abraça o corpo de Dana, que estremece

-          sob o peso do choro incontido.

*   *   *

Mulder, petrificado pela atitude da mulher que ama, procura rebuscar em sua memória

o motivo pelo qual ela está se sentindo tão vilipendiada, tão indignada. Mas não consegue.

E ela é o seu amor. O seu verdadeiro amor. Mas... será que há alguém entre os dois...?

Mas não! Como pode pensar uma coisa dessas?! Duvidar da fidelidade e integridade

moral de Dana?! Jamais! E ela está grávida! Grávida de mais um filho seu!

"Que tormento! - pensa - Que tormento! O que será que eu fiz à Scully? Que palavras usei

para ofendê-la tanto assim? E se fiz isso, por que não me recordo? Por quê...? Por acaso

fiz-lhe algum mal, sem o saber?"

Ele permanece no mesmo lugar, absorto, fitando as ondas encrespadas do agitado oceano.

*   *   *

Dana, enquanto deixa cair sobre seu corpo as cálidas gotas do chuveiro, permite que sua

mente entre a divagar em cenas do passado.

Agora sua vida retrocedera há nove anos atrás, quando a solidão lhe fazia companhia nos

 momentos em que entrava em seu apartamento.

Tédio. Melancolia. Cansaço. Nostalgia.

Todos esses sentimentos faziam morada com ela. Eram sua companhia inseparável.

Tempos depois de trabalho no FBI, Dana Katherine Scully, a agente especial resoluta

daquela época, fora,  convocada por seus superiores, a um novo trabalho.

E ela caminhava, então, um tanto em dúvida de como seria recebida pelo seu novo

companheiro de trabalho, pelos corredores do Bureau. Desceu os poucos degraus que

levavam a um dos muitos escritórios. Este porém, era localizado no lugar mais discreto

daquele andar.

-          Não tem ninguém aqui! Só os imprestáveis do FBI!

A voz chegara até seus ouvidos surpresos. Esse modo um tanto inconveniente de tratar

uma visitante, no entanto, não a intimidara.

E entrou no escritório.

E lá estava aquele homem debruçado, encurvado sobre a mesa, ocupado em examinar fotos.

Ele mal virou-se para vê-la chegar. No entanto, estendeu a mão, cumprimentando-a.

Aquele modo displicente, gestos sem nenhuma elegância ou finura chamaram-lhe a

atenção, sem dúvida. Sim, naqueles olhos pequenos, apertados, o jeito de olhá-la

profundamente, a impressionara um pouco. Não poderia negar.

Passara-se algum tempo após esse encontro.

Trabalho árduo. Cansativo. Cheio de horrores e perigo.

Mas a companhia do atraente parceiro agradava-lhe, dando-lhe sempre entusiasmo para

continuar sua luta diária junto à companhia de seu colega Fox Mulder, por vezes grosseiro

e radical e por outras meigo e dócil.

*   *   *

Uma ponta de despeito a tocara naquele momento em que estava vendo Mulder usando

seus braços quentes e acariciantes para envolver sua  ex-namorada,  Phoebe Green.

Dana Scully só percebeu que estava sentindo-se terrivelmente incomodada com a cena

que estava assistindo. Ciumes? Não saberia, na verdade, definir naquela ocasião.

E sua labuta continuara por meses a fio. Sempre ao lado de seu parceiro, até que, em

certa ocasião, ouvira, naquela voz dele gostosa, sussurrante, uma frase que significara

muito para ela.

-          Posso não ter mais os Arquivos X, Scully... mas ainda tenho meu trabalho e ainda

-          tenho você... e ainda tenho a mim.

Quão significativa fora para ela tais palavras...!

Mas agora tudo isso faz parte do passado. Acabou.

Do seu relacionamento amoroso, nascera William. E o outro que irá nascer. E ela sempre

quisera ter um filho, principalmente um filho gerado pelo amor verdadeiro e puro que

sentira por Fox William Mulder.

 

"A  verdadeira  palavra  do  homem é a

 palavra escrita, porque só ela é imortal."

João de Deus