TRANSBORDANDO IRA

"Resposta branda apaga a ira."

Salomão Traustorn

Capítulo 214

Mulder continua sua corrida, transtornado com a situação em que se encontra Dana. Acelera o veículo, imprimindo-lhe ainda mais velocidade.

Ele tem vários palpites. Um deles é seguir o caminho para Virginia.

Num repente, vem-lhe à mente seu antigo endereço.

* * *

O apartamento simples, onde havia morado por tanto tempo. Seus móveis sem nenhum luxo. O sofá de couro negro, onde costumava jogar-se, extenuado, no final dos dias do cansativo trabalho que tinha. Sua TV em frente ao sofá, a qual ligava, mas a programação decorria ante seus olhos distraídos, pois a mente trabalhava incessantemente, o que o impedia de prestar atenção nas cenas que podia ver na tela.

Naquela época costumava colocar para seus peixinhos no aquário, ração suficiente para, no mínimo, quinze dias, visto que, por muitas vezes, ausentava-se de casa junto a Scully, sua cada vez mais amada parceira.

* * *

E ele prossegue dirigindo atentamente, mas a mente divaga aos borbotões.

Sua Scully. A sua amada. Nem sabe como pudera resistir essa longa temporada de mais de dois meses sem tocá-la, sem sentir seu corpo ardente colado ao seu. Não tem noção de como tem conseguido viver sem o seu amor. Um amor sofrido. Uma longa e duvidosa espera, sempre na esperança de uma resposta positiva da parte dela, que não queria, de forma alguma, entregar-se a essa paixão. Pobre amada...! Ele até desconfiara de seus sinceros sentimentos dela por ele. Sente-se mal por dentro por haver pensado desse jeito.

E agora? Dominada por esse mal, como poderia ela sobreviver? Mas... que pensativos negativos esses? Por quê, afinal? Alex Krycek não sobrevivera? E Marita Covarrubias? E ele próprio também não conseguira livrar-se do terrível mal?

"Não! Não! - pensa perturbado - Tenho que ajudá-la, pois ela vai sair dessa! Minha adorada Scully... o meu amor não permitirá que você continue assim, subjugada por eles, Scully!"

* * *

Mulder dirige, ainda mais atento. Sua sempre precisa intuição o levara para aquela direção e ele tem certeza de que está no caminho certo. Algo no seu íntimo lhe diz que...

Por breves segundos avistara o carro que haviam alugado há dias atrás. Reparara na chapa na traseira do veículo. Confere.

Com as mãos crispadas sobre o volante, procura enxergar novamente o carro que Dana está dirigindo velozmente. Diversos veículos tiram-lhe a visão, impedindo-o de ver novamente o automóvel azul levado por ela.

Ele soca o volante, demonstrando nervosismo.

Enquanto olha para o lado esquerdo, tentando, mais uma vez, ver Dana, ele quase desespera-se, reparando que dezenas de outros veículos em desabalada velocidade, passam pelo seu, atrapalhando-lhe a visão.

Agora, no entanto, vem até seus olhos, novamente, o carro dirigido por Dana.

Mulder tenta aproximar seu veículo do outro, muitos metros à sua esquerda. E continua tentando a aproximação.

Com dificuldade, cortando a dianteira de vários veículos, Mulder vai chegando até o carro que Dana está dirigindo.

Uma buzinada longa e estridente o faz quase pular no assento. Na sua ansiedade por aproximar-se do carro de Dana, quase encostara no veículo que trafega junto ao seu.

O xingamento chega até seus ouvidos, o que o deixa irritado. Mulder aperta os lábios. Está enraivecido com o desagradável incidente. Tem que controlar-se, custe o que custar. Finalmente, após minutos, consegue ficar lado a lado com Dana, separado por apenas uma pista central.

Ela, atenta à pista à sua frente, prossegue em alta velocidade.

Mulder já a avistara e chegara à conclusão exata do destino que ela havia tomado. A indicação para a entrada de veículos alerta Mulder para a situação que ela irá enfrentar.

"Naturalmente que Scully vai tentar entrar aí."- pensa, perturbado.

A construção monumental do Pentágono está diante de seus olhos. Prosseguindo no seu intento, vai lançando seu veículo em direção do que Dana está levando.

Ela já estacionara seu carro. Sai dele agora.

Um dos militares, atento, chega até ela.

Ela, sem falar, retira do bolso do casaco sua carteira. Coloca-a ao alcance da vista do homem.

Nesse momento Mulder já se aproxima.

Mulder levanta uma das mãos, indicando que vem em paz.

Dana o fita, com o olhar transbordando ira. Volta-se para o militar.

Esta exaspera-se.

Mulder, num ímpeto, puxa-a pelo braço. Sabe que não deve fazer isso, tentar estar perto dela, mas o desejo de ajudá-la é mais forte que tudo. Segura-a, fazendo com que se afaste do militar. E ela luta mais, ainda.

Mulder, insistente, não a larga.

Dana, no entanto, com sobrenatural força em seu corpo pequeno e frágil, desprende-se da mão de Mulder e chega bem junto do militar, que, atordoado por aquela intrepidez, arma o fuzil possante em direção do casal, tentando impedi-los de algum gesto.

- Parem com isso! Estão em área militar! - diz o homem.

Neste exato momento, Dana dá um gemido angustiante e dos seus olhos e boca o líquido viscoso e negro escorre, o que faz com que ela curve-se em direção do solo.

O óleo negro que cai ao chão em fios, tomando a direção dos pés do homem diante de Dana, é como resquícios de um ser vivo, arrastando-se em busca de abrigo no outro corpo.

Todo o negro líquido escapa do interior da sofrida amada de Mulder. Após isso, seus olhos vão fechando aos poucos e ela empalidece. Seus joelhos vão se dobrando lentamente e seu corpo vai em direção do chão.

Num gesto rápido, Mulder a sustenta, para que não caia. E procura afastá-la consigo o mais rápido possível.

O homem olha para o chão, vendo o negro elemento em movimento, procurando a direção de seus pés.

Alarmado, corre, afastando-se do local.

Mulder, com Dana desmaiada em seus braços, caminha sem mais tardar para o carro estacionado adiante. Coloca-a no banco ao lado seu, prendendo-a no cinto de segurança.

Dá a volta e entra, ligando o carro e saindo imediatamente dali.

O maligno e negro elemento, não tendo ao seu alcance um corpo para se abrigar, escorre para um extenso e estreito canal aberto no cimentado do grande pátio e penetra pelas brechas da estreita grade de ferro que fecha-o em toda sua dimensão.

* * *

Mulder consulta o relógio de pulso. Com imenso pesar no coração, observa a mulher que ama, desacordada ao seu lado.

"Há dezessete minutos que Scully está desmaiada. Acho que devo levá-la a um hospital. Receio que ela tenha algum problema por causa desse negócio maldito." - assim pensa ele.

"É mais heróico viver dos

pesares do que morrer deles."

A. Houssane