APAGADO DA MEMÓRIA

"Uma cabeça sem memória

é uma praça sem guarnição."

Napoleão

Capítulo 215

Mulder olha para ela, que continua movendo, levemente, a cabeça para um lado e outro. Ele afaga, com carinho, seus cabelos, retirando alguns teimosos fios, que ficam em seu rosto pálido.

Dana, ainda olhos fechados, parece despertar de um sono intranquilo.

E ele, mesmo continuando a levar o carro na larga pista asfaltada, fica a tocar na face dela, para faze-la sentir seu toque e recobrar os sentidos o mais rápido possível.

Ela apenas geme, permanecendo com os olhos fechados. Gira os globos oculares, fazendo movimentar as pálpebras.

Passados mais alguns minutos, ela leva a mão à cabeça, demonstrando estar despertando de seu torpor.

"Não sei como ela está se sentindo, mas eu estou bastante aliviado. O óleo negro tendo saído dela, libertou-a desse maldito poder. Na certa ela havia sido destinada pela alienígena para contaminar ou matar alguém." - ele pensa, enquanto dirige.

* * *

Finalmente, Mulder chega da extenuante jornada. Ter trazido Dana semi-inconsciente, o havia deixado perturbado. Sente-se cansado e um tanto amedrontado com as horas e o tempo passado, já que não tem certeza de como Dana reagirá após toda esse tempo de inconsciência.

Ele estaciona o veículo. Gira a chave na ignição e desliga-o. Volta-se para olhar sua Dana. No mesmo instante, ela geme e movimenta as pálpebras.

Mulder continua calado, observando cada gesto dela.

Então Dana abre os olhos, como que sonolenta. Pisca várias vezes. Olha à sua volta. Vê que a seu lado Mulder a observa, atento.

Abre os lábios, olhando-o, curiosa.

Ele apenas a afaga na face, carinhosamente.

Ele toca-lhe num braço, com ar preocupado.

Mulder percebe que ela nada consegue lembrar. Tudo ficara para trás ou melhor, tudo fôra apagado da sua memória.

Suspira, aliviado. Nem seria bom que ela lembrasse de tudo que fez. Distende os lábios apertados, num sorriso para ela.

Dana o olha, ainda parecendo não entender o que se passa à sua volta.

Mulder desvia o olhar para a rua, enquanto retira de Dana o cinto de segurança que a prende ao banco do carro.

Ele volta-se para olhá-la, novamente.

Mulder a afaga, sorrindo levemente, procurando acalmá-la.

Ela prepara-se para sair do carro, nervosamente.

Ele dá uma risada, ao mesmo tempo em que, nos seus habituais gestos rápidos e decididos, sai do carro, dá a volta para ir até o lado onde está Dana.

Ela já está colocando as pernas para fora do veículo, quando Mulder a toma nos braços.

Dana não mais protesta. Deixa-se levar por ele. Recosta a cabeça sobre seu ombro forte e suspira. A pele dele exalando o perfume da loção de barba tenta-a e ela coloca os lábios, levemente, em seu pescoço. Nem sabe o porquê, mas sente-se feliz ao lado do homem que tanto ama. Só que sente-se terrivelmente enfraquecida. Faltam-lhe as forças, como se algo a tivesse consumido interiormente.

Mulder pára, por alguns segundos, sentindo o prazer que lhe causa o toque de Dana.

E logo Mulder reinicia seus passos apressados, para entrar na casa.

Maggie os está aguardando à porta . O semblante de felicidade que ela exibe é tão intensamente visível, que sua filha assusta-se ao vê-la.

Dana olha à sua volta.

Mulder já havia relembrado à Maggie com o olhar, que ela deveria permanecer calada quanto ao caso terrível que havia acontecido com Dana.

* * *

William, pulando no chão e dando gargalhadas, impede que sua mãe o agarre.

Desistindo da idéia, ela fala em voz alta, fingindo-se aborrecida.

Nesse instante William faz cara de choro. Em segundos começa a chorar convulsivamente; logo em seguida, corre para os braços da mãe, agarrando-se, fortemente, como que desejando prendê-la a si.

Maggie, vendo isso, comenta para Mulder.

* * *

Dana, após um benfazejo banho, escovando os dentes com vigor, mira-se no espelho do banheiro e acha-se abatida. Mesmo após vinte e quatro horas de um bom descanso, está com esse ar de quem havia passado momentos difíceis, organicamente. Além de um extremo cansaço, nada de anormal sente. Termina o que estava fazendo. Começa a pensar.

"Mulder e mamãe dizem que eu apenas fiquei fora de mim nesses longos dias. Mas como? E por que não me revelam tudo o que aconteceu? Eu tenho certeza de que algo de grave se passou comigo... talvez uma inconsciência profunda... um coma, mas... por qual motivo? Um problema de meningo-encefalite, trauma craniano ou... algum tipo de envenenamento... uso de barbitúricos... não sou diabética que uma quantidade insuficiente de insulina pudesse causar um coma... não houve nada desses casos comigo, bem o sei, então..."

Ela ouve a porta do banheiro se abrir.

Ele a prende contra o peito. Para ele parecera uma eternidade os dias que teve que estar longe de sua amada.

Ela sente a pele vibrar de prazer com a voz sussurrante dele em seus ouvidos. E cola sua boca à dele, que a procura com voracidade.

Ele a aperta mais contra o peito em chamas. Suas mãos correm pelas costas dela com suavidade, parecendo querer descobrir se, realmente, Dana está ali, colada a ele, entregue às suas carícias, à sua indescritível paixão.

"O amor já está; está sempre!

Falta apenas o golpe da graça

  • que se chama paixão."

Clarice Lispector