O CONTRATO

 

“Contrato é uma série de cláusulas

assinadas por pessoas honestas que

se consideram intrujões.”

Celt

 

Capítulo 222

 

Mulder aguarda que Dana saia do banheiro.

Estirado, relaxadamente, sobre a cama, braços cruzados sob a cabeça, olhando as sancas que ornamentam o teto, deixa que seus pensamentos retornem a tempos atrás.

 

Ele estava no quarto do hote1, encostado na cama, examinando umas fotos. Alguém bateu à porta e ele perguntou:

-    Quem é?

-         Sou eu, Mulder! Scully!

Já vou. – disse, levantando-se, para atender.

            Dana estava à porta. Pálida e trêmula.       

-         Que foi, Scully...? Parece doente!

-         Não sei o que é... – disse em voz balbuciante e sentou-se na cama – eu estava começando a me preparar para deitar... e... comecei a me sentir tonta... uma vertigem... tontura... depois comecei a sentir calafrios... – deitou-se na cama.

-         Quer que chame um médico? – ele perguntou, enquanto lhe tirava os sapatos.

-         Não...  só quero... – deitou-se de lado -  ... me aquecer... – empurrou um pouco as fotos que estavam sobre o cobertor e cobriu-se com ele.

Mulder deitou-se a seu lado. Colocou o braço sobre o corpo trêmulo dela.

-         Obrigada. – ela diz, suavemente.

Mulder, com o corpo coladinho ao dela,  sussurrava-lhe nos ouvidos.

-         Não vale a pena, Scully.

-         Não, Mulder! Eu vou ficar bem! -  disse, tristonha e nervosa.

-         Não, não! Estive pensando...  olhando hoje você com aquele bebê, sabendo que tudo foi tirado de você... uma chance de ser mãe, sua saúde, o bebê...

Ela o ouvia, quase chorando.

-         É... talvez eles tenham razão. – continuou Mulder.

-         Quem, Mulder?

-         O FBI... talvez digam a verdade. Mas pelos motivos errados, os custos  pessoais são muito altos.

O rosto de Dana contraiu-se num choro.

Mulder chegou a cabeça  mais próximo à sua nuca. Sussurrou ao ouvido dela.

-         Há tanta coisa pra você fazer de sua vida...! É muito mais do que isso!

Ela começou a chorar.

Ele, docemente, passou a mão sobre sua face molhada de lágrimas.

-         É preciso ter um fim, Scully. – beijou-a, ternamente, na face.

Ela segurou a mão dele,  colocou-a sob a sua face, chorando ainda.

 

Essas cenas desenrolam-se com nitidez na mente de Mulder. Nem sabe o porquê.

De vez em quando vêm pensamentos de coisas do passado, que sempre são ligados ao que ocorre no presente.

Naquela época Dana sofria por não poder ter um filho e hoje aí está William, cheio de vida e, para completar,  mais uma menininha vem, para aumentar as bênçãos do casal.

Mulder sorri, levemente,  a esses pensamentos.

Dana sai do banho, resplandecente, no seu quimono de cetim. Os seus olhos parecem mais azuis agora.

-         Vejo felicidade no seu olhar, Scully! – ele fala.

Ela achega-se a ele; senta-se na beira da cama, ajeitando os longos cabelos ruivos na toalha, a fim de seca-los.

-         E não é pra estar, Mulder? – diz, bem junto ao rosto dele – Estou com você aqui, junto de mim, tenho meus filhos, estamos casados...!

Ele a beija, com ardor.

Em seguida arranca de seus cabelos a toalha e a joga, displicente, para o lado. Com os dedos entre os cabelos dela, desliza os lábios sobre seu colo aberto no decote do quimono azul claro.

Dana deixa-se enlevar pelas carícias do seu amor

O telefone toca, neste momento.

Mulder, de mau grado, pára seus gestos acariciantes sobre o corpo perfumado de sua  amada. Faz um muxoxo.

-         Má hora em que fui dar o telefone para aqueles  caras! – reclama, aborrecido.

-         Mulder... pode até ser minha mãe...! – comenta, já apresentando um ar preocupado.

-         Não, Scully! Nem demos a ela o telefone deste hotel!

-         Ah, sei... Mulder... – ela recomeça - ... sei lá... acha mesmo que vamos nos dar bem fazendo aquele negócio que os homens nos propuseram?

Mulder não responde. Senta na cama e toma o aparelho que está sobre a mesinha ao lado.

-         Alô!

-         Senhor Mulder – diz a telefonista do hotel – Posso passar a ligação para o senhor? A pessoa diz que é importante!

-         Sim. – diz e aguarda por segundos – É Mulder falando!

-         Ah, sei... senhor... – o homem, no outro lado da linha parece titubear - ...senhor Mulder aqui é o Beck! O Chris Carter pediu que avisasse para vocês irem até os estúdios às dez horas.

-         Sei... ok, estaremos lá.

Mulder desliga.

Dana o está observando.

-         Mulder...

-         Já sei o que vai dizer, Scully. Nós vamos fazer aquele trabalho. É inédito pra nós um serviço como esse, eu sei.

-         Mas nós apareceremos nas elas de TV, no cinema, em revistas...!

-         Ora, mas não somos os sósias dos tais atores? E daí? Os nossos perseguidores vão perseguir quem, na verdade?

 

Carter os instrui,  nos estúdios,  em como receber a orientação de Manners, o diretor.

A conversação e entendimentos a respeito dos dólares a serem pagos e a assinatura do contrato estão chegando às vias de fato.

-         Está aqui o contrato que a produtora coloca à sua disposição para assinatura. Leiam, por favor.

O casal lê todos os itens do documento.

Logo terminam e, após conversarem, por alguns minutos discretamente, a respeito do assunto, aguardam que Carter e Manners os orientem, mais uma vez.

-         Tudo certo? – pergunta ele.

-         Na mais perfeita ordem. – afirma Mulder.

-         Então, por favor, podem assina-los com sua verdadeira assinatura. E, por gentileza, dê-me  a sua carteira de identidade.

Mulder retira a sua do bolso interno do paletó e Dana de sua bolsa a tiracolo.

Entregam os documentos na mão de Beck, que está ao lado de Carter.

Este, ao ver que Beck está parado, sem fazer nenhum comentário a respeito dos documentos, observa que o mesmo está com os olhos arregalados, sem ação.

-         Não! Não é possível! Vocês não podem fazer isso! – diz ele, em voz alterada.

-         Não podemos fazer o quê? – pergunta Mulder, sem entender.

-         O que aconteceu, Beck? – quer saber Carter.

Manners debruça-se sobre a mesa, encarando o casal à sua frente, falando-lhe bem de perto.

-         Vamos lá, gente! Agora acabou a brincadeira! Este contrato deve ser assinado com seus verdadeiros nomes. Conforme vocês foram registrados em cartório, certo?

Mulder levanta as sobrancelhas. Morde o lábio inferior. Levanta-se, apertando os punhos na mesa.

-         Se o que pretendem, é fazer graça, podem desistir! Não tem nada hilariante nisso tudo! – fala, em voz baixa, mas convicta e ameaçadora – Mas qual a intenção de vocês ao nos fazerem essa proposta e comentar tais absurdos?

Carter está segurando a cabeça entre as mãos, olhos fechados, cotovelos sobre a mesa, em atitude de quem sente-se  derrotado. Pega um aparelho telefônico que está junto dele e dá uma ordem em voz baixa. Após isso, fica em silêncio. Manners dirige-se ao casal.

-         Calma. – fala, ponderado – Me respondam, por favor. – dirige-se à Dana – Pode dizer a data de seu nascimento? 

-         Vinte e três de fevereiro de mil, novecentos e sessenta e quatro. – ela responde, sem titubear.

Manners fecha os olhos e aperta os lábios, contrafeito;  vai anotando num bloco as respostas de Dana.

-         Filiação?

Neste ponto Carter toca num braço de Manners, para responder, ele mesmo, num murmúrio.

-         William Scully e Margareth Scully.

-         Como?! – admira- se Dana – Você os conheceu?

Carter dá um suspiro e encolhe-se na cadeira.

-         Muito...! – balbucia, sem forças.

-         Ora, que bom isso! Obrigada. – Dana comenta, satisfeita.

     Manners dá um suspiro e decide continuar. Coça o nariz, nervoso.

-         Possui irmãos?

Dana abre a boca para responder, quando, neste exato momento, Carter, mesmo parecendo abatido, diz, com decisão na voz:

-         William Scully Junior, Melissa Scully, falecida em abril de noventa e cinco e Charles Scully.

Mulder, nervoso, interrompe.

-         Mas, se já tem todos os nossos dados, por que insistem em perguntar-nos?

Manners olha de soslaio para Carter.

Neste exato momento entra um funcionário, trazendo umas fichas.

-         Senhor Carter,  está aqui o que o senhor pediu.

-         Obrigado. – ele diz e consulta as fichas.

O funcionário deixa a sala.

-         Manners,  - fala Carter – pode conferir as assinaturas.

O outro toma as fichas e as confere com as assinaturas do contrato.

-         Oh, meu Deus! – exclama.

-         Os senhores têm dúvidas do quê? – pergunta Dana

Mulder exalta-se. Levanta-se, num gesto rápido.

-         Mas que negócio é esse? Nossa assinatura já está aqui? Que lugar é este?

-         Um momento. Não se exalte, por favor. Vamos com calma. – pede Carter e coloca as fichas diante dos olhos do casal.

Ela lê.

Departamento de Investigação do FBI

Agente Especial Dana Scully

Este documento certifica que a assinatura e fotografia que aqui aparecem ...  etc... etc..

Dana espanta-se, nessas alturas da leitura.

-         O que significa isso?! Como  está em poder de vocês nossos documentos de Agente Federal?

Mulder levanta-se, novamente.

-         Que trama é essa?

Os três homens levantam-se, também.

-         Por favor! Por favor!  - pede Carter – Está acontecendo aqui algo inesperado, inédito, nunca, jamais acontecido em lugar nenhum do mundo!

-         Mas o quê está acontecendo? – quer saber Mulder, nervoso.

-         Vocês não entenderiam... – explica Manners.

-         Querem parar com isso? O quê nós não entenderíamos? – reclama Dana.

Carter segura a cabeça com a mão. Sente-se meio tonto.

-         Vocês podem aguardar um pouco? Coisa de minutos. Eu e meus companheiros precisamos conversar, acertar umas coisas... – pede, suavizando a voz -  ... por favor...!

Chris Carter, antes de afastar-se com seus colegas de trabalho, pára, a fim de meditar sobre o que pode detectar neste momento.

“Aí estão eles. Exatamente eles!  Fox Mulder e Dana Scully; meus personagens criados com carinho e ardor, certo de que mais tarde me dariam a recompensadora alegria da fama e da vitória financeira.

Fox William Mulder, nome que criei, unindo o nome de um amigo da juventude ao sobrenome de solteira de minha mãe.

Eis aí o meu personagem maravilhoso, vibrante, com sua forte personalidade, que não dá a mínima importância para o que as outras pessoas pensam dele. Esta é a maior força do seu caráter; ele não dá a mínima! A suprema liberdade é não estar nem aí com nada!

Dana Katherine Scully, a minha criação de uma personagem sensacional, cujo nome criei usando o nome Catherine de minha mãe, modificando-o, porém, colocando a letra K ao invés do C e é uma personagem  que representa honestidade, justiça, força de vontade para trabalhar, dedicação e paixão, além de ser um modelo de comportamento. Então é... fantástico!

E agora, te-los aqui, em... carne... e osso?!“

Este último pensamento o perturba.

Pigarreia. Pisca os olhos várias vezes. Começa a caminhar.

Mulder, ao vê-los sair da sala, levanta-se da cadeira junto à mesa. Segue para uma janela envidraçada que mostra a selva de pedra da grande e movimentada cidade. Edifícios altos e baixos e o movimento de muitos veículos, é só o que pode ver.

Fica ele ali, concentrado, por longos minutos.

Dana levanta-se também. Chega para junto dele. Apóia-se em seu braço.

-         Mulder...?

Ele a olha. Vira-se totalmente para ela e segura-a pelos ombros.

-         Scully...

Ela o observa muito concentrado em seus pensamentos. Seu olhar está perturbado.

-         O que houve, Mulder?

-         É mais sério do que se pensa, Scully.

-         Do que você está falando?

-         Você não vai acreditar, Scully! – diz, com veemência, porém em baixa voz.

 

“O pensamento  consola-nos

 de tudo e a tudo provê.”

Chamfort