NUM MUNDO À PARTE

 

“Deves conceber o mundo como um ser

único, composto de uma só substância

e de uma só alma.”

Marco Aurélio

 

Capítulo 225

 

Carter e Manners trocam idéias falando em tom baixo.

-         Não dá pra entender, Chris. O que está acontecendo, afinal? Morte em cena, incêndio... você acha que isso é algo criminoso?

-         Não descarto de maneira nenhuma essa hipótese!

-         Mas quem...?

-         Não sei; por enquanto não temos nenhum suspeito, mas temos que ficar atentos.

Dois participantes da equipe entram, esbaforidos, na sala, agora.

-         Senhor Carter !!

O roteirista os olha e vê espanto no semblante dos dois homens recém chegados.

-         O que houve? – pergunta Manners, por sua vez.

-         Outro acidente horrível! Há fogo no vestiário e...

Neste exato momento uma intensa explosão é ouvida.

Os quatro homens, em desabalada carreira, dirigem-se ao local do acidente.

 

 

A explosão destruíra por completo uma parte da construção. Há destroços por todos os lados.

Desespero das pessoas no local.

-         Tem alguém ferido?

-         Morreu algum dos nossos funcionários?

-         Como aconteceu?

Essas e mais dezenas de perguntas elevam-se pelo ar, naquela mistura de esperança e terror.

-         Os atores? Onde estão os atores? – pergunta Carter, com as  mãos na cabeça, aterrorizado.

-         Calma, homem! Não lembra que hoje eles não tiveram que vir ao estúdio?

-         Ah... – lembra, atarantado - ... ah, é! Eles não tinham cenas a gravar hoje... felizmente! – diz, aliviado, passando a mão na cabeça, como que desejando retirar dali os maus pensamentos.

Os bombeiros, fazendo o rescaldo dos escombros do lugar, ajudam a confirmar que somente três pessoas saíram feridas, sem gravidade, no entanto.

 

 

-         Você aqui? – Carter surpreende-se, vendo Mulder à sua frente.

-         É... eu vi a notícia na TV, lá no hotel em que estou e vim correndo.

-         E ela...  a ... sua mulher?

-         Ela está bem; um pouco assustada, devido ao seu estado.

-         Eu compreendo... – balbucia, não conseguindo retirar de seus atrapalhados pensamentos que os personagens que havia criado têm vida própria – Olha, tenha certeza de que mais esse grande problema não nos irá impedir de continuar nossas filmagens e... – ainda está explicando sua decisão, quando Mulder, com seu modo decidido de sempre, sem mais ouvi-lo, afasta-se dali, quase a correr.

-         Espere!! Dav... Mulder, espere!! – grita Carter.

Mas o Agente já se distanciara, a passos largos.

Carter segue-o; quer saber onde o está levando seu caminhar rápido e decidido. E,  pela sua intuição e sabendo da criatividade que sempre tivera para seu personagem, Mulder não deixaria muito facilmente, de fazer uma pesquisa  e tentar fazer algo para ver o que tinha acontecido.

Carter corre até um imenso corredor escuro, pois as luzes haviam se apagado, devido a falta de energia causada pela explosão.

Logo vê o Agente. Mulder está parado, a arma apontada para alguém que tenta se esconder nas sombras das colunas, junto à parede.

-         Você está louco, cara!! – berra o ameaçado.

-         Cala a boca e anda pra lá! – ordena Mulder – Mãos para cima, onde eu possa vê-las! E vire-se devagar!

Agora Carter aproxima-se dos dois.

-         O que está havendo aqui? O que está acontecendo? O que  est..?

O homem, com as mãos erguidas pela ameaça da arma do Agente, protesta, indignado:

-         Cara, esse David tá ficando louco! Ele está se prevalecendo do personagem que desempenha, para vir me afrontar!

-         Afronta-lo? -  Mulder tira do bolso o par de algemas – Mãos para as costas.

-         Que é isso, rapaz?! Deixa o outro em paz! O que está havendo, Dav... Mulder? – pergunta Carter, sem entender.

O homem dominado tenta dar uma risada, nervoso, descontrolado.

-         Você também está entrando nessa, Chris? Endoideceu, também? Me ajuda a me livrar desse cara! – volta-se para o Agente – E você, querendo ser o herói, lembre-se de que sua arma é uma imitação, ok? Não tente me amedrontar!

Mulder, ante essas palavras, vira o cano da pistola para o alto e dispara. O tiro ressoa fortemente no local, estilhaçando um aplique de vidro instalado na parede.

Os olhos do homem estão esbugalhados pelo espanto.

E muito mais estão os de Carter.

O Agente, então, com a pistola apontada, quase  encostando no nariz do sujeito suspeito, com a mão esquerda, firmemente agarra os pulsos do homem, algemando-o

-         Mas o que está fazendo? Deixe-o! – pede Carter.

Outras pessoas do estúdio e atores entram no momento, no mesmo instante que as luzes se acendem.

-         Nossa! O que é isso?! – exclamam alguns.

Mulder, encostando, de vez em quando o cano da pistola nas costas do homem algemado, o faz caminhar para fora do corredor.

Esta cena, vista  pelas pessoas ali presentes, as deixa completamente sem saber distinguir a realidade da ficção.

O Agente continua, com seus passos firmes, jogando os pés, como é seu modo característico de andar, levando o algemado para um espaço mais amplo; as laterais de seu sobretudo movem-se, como bandeiras içadas ao vento.

-         Carter, -  diz ele – pode entrega-lo à Polícia.

-         O queê?! – o roteirista  está atônito.

-         Ele está completamente pirado, pessoal!! – berra o preso, desnorteado.

-         Cala essa boca! – ordena Mulder em voz baixa, fitando-o, com seus pequenos olhos apertados; volta-se para o atônito Carter – Faça o que mandei! Ele tem que ser preso! É o responsável pela morte de Croft e os incêndios.

-         Não engole essa, Chris!! Esse cara não sabe o que está dizendo! – implora o preso, aturdido.

Mulder exaspera-se com tanta incredulidade de todos ali presentes. Toma o seu telefone celular. Digita um número. Espera alguns segundos. Então fala no aparelho.

-         Polícia? Aqui é o Agente Especial Fox Mulder, do FBI. Só para avisar-lhes para virem até os Estúdios 1013 imediatamente, para levar um homicida!

O homem algemado olha, estarrecido para todas as pessoas diante de si.

-         Vocês não vão fazer nada?! – pergunta, alarmado.

Carter cruza os braços. Fica numa atitude de quem está completamente seguro do que vê diante de seus extasiados olhos. Um leve sorriso é esboçado em seus lábios. Claro que está certo da atitude tomada pelo Agente Mulder! Ele raramente erra. O seu grande e maravilhoso personagem é sensacional. Como sempre.

 

 

No escritório, Carter, cotovelos apoiados na mesa,  as mãos segurando a cabeça, mantém um sorriso nos lábios.

Manners o observa.

-         Rapaz, você parece estar vivendo num mundo à parte... e não é pra menos.

-         E você bem vê... como é que pode uma coisa dessas? Eu estou desolado, sim, com os trágicos acontecimentos, uma morte... três feridos... mas acima de tudo isso, a descoberta de que o Drake, o meu amigo de muito tempo, é que armou toda essa trama pra me prejudicar... não dá pra entender...!

-         E o motivo disso tudo que o Drake confessou à Polícia?

-         Ele confessou que tinha também um roteiro para um filme e a Produtora o recusou, dando preferência ao meu, do Arquivo-X e assim ele perdeu a chance de ganhar milhões de dólares, diz ele. Como vingança, convenceu-me a deixa-lo entrar na equipe de produção, tendo, assim, chance de tornar-se um assassino e me prejudicar.

Manners coça a cabeça, pensativo.

-         Ainda bem que estamos quase pra terminar o  filme... mas eu quero lhe perguntar uma coisa...

-         Pode falar.

-         Carter, como foi que o ... aquele cara... o seu personagem... o ...

-         ... Mulder? – o roteirista dá uma risada espontânea – Não fique constrangido em falar nele, Manners, ele realmente  e xis te, você viu.

-         É... tá... eu concordo... – responde, titubeante -  ...mas como  o ... Mulder descobriu que foi o Drake o causador de toda a trama?

Carter levanta-se e dá uma volta pela sala. Chega novamente para  perto da mesa. Apóia nela as duas mãos e fala para seu amigo.

-         Mulder me disse, simplesmente, que foi... intuição.

Após pronunciar essas palavras, ele queda-se absorto. As imagens de Dana Katherine Scully e Fox William Mulder estão em sua mente. E somente suas imagens ficarão, porque logo eles irão embora para sempre. Tem consciência disso.

Com seu olhar perdido à distância, talvez medindo a extensão da linha que o separa dos personagens criados por sua imaginação, deixa que deslizem por sua face, mansamente, as lágrimas da emoção que o envolve neste instante.

 

“Lágrimas e sorrisos são a condição da vida.”

Camilo Castelo Branco