COM ALUCINADA PAIXÃO

 

“Uma grande paixão é doença incurável”

Goethe

 

Capítulo 227

 

As pessoas ali perto assistem, sem a mínima reação, o incidente.

Até Carter e Beck, que haviam chegado até o local, estão completamente sem ação; não conseguem, de pronto, meios para argumentar qualquer coisa.

Carter, após segundos de silêncio, murmura, por fim:

-         Eu não mereço isso...!

A estupefação é geral.

Enquanto o homem gordo havia tentado empurrar novamente o outro, este o segura pelo pulso com firmeza, torcendo-o, ferozmente.

O homem gordo reage, fazendo uma careta de dor.

-         Pára com isso, David!! – grita a mulher loura, de voz esganiçada,  que havia chegado e visto a cena.

Dana afasta-se, horrorizada. Não está entendendo mais nada.

Neste exato momento, Carter e Beck aproximam-se, nervosos.

-         Gente, pelo amor de Deus, por que armar confusão aqui dentro? – fala Carter

-         Por favor, parem com isso! – pede Beck.

Cada um dos homens olha-se, furibundo. O mais alto solta, enfurecido, o braço do homem gordo, de carnes moles,  fazendo-o balançar como uma palha de coqueiro ao vento.  E então, em passos rápidos, pesados e decididos, sai do local.

Dana, parecendo despertar do torpor em que se encontrava, segue-o, sem titubear

-         David!! Onde você vai? – grita a mulher loura, mais irritada, ainda, em voz estridente – Vocês não me enganam, seus idiotas! Sempre que se encontram,  esquecem tudo que está à sua volta! Eu conheço vocês!!

-         Gillian!! – berra, por sua vez, o homem gordo.

Ambos vêem que o casal está se afastando, sem dar a menor atenção aos seus chamados.

Dana está convencida de que se encontra num mundo de loucos varridos, onde ninguém entende ninguém.

A mulher loura pergunta a Carter,  que está atônito, após ter visto a inédita cena.

-         Eles endoideceram?

-         Bem, sabe... é que ... – ele titubeia, sem ter uma resposta.

-         E por que estão indo para o estúdio? Tem alguma filmagem hoje?

-         Han...? Não... ah, é! Tem sim! E é agora mesmo! – olha para o relógio de pulso, sem, no entanto, enxergar as horas, tão  atarantado está, neste momento.

A mulher loura, pega, com indisfarçável furor, a alça da bolsa a tiracolo e, praticamente arrastando-a pelo chão, retira-se.

Uma das mulheres que estivera com Dana no camarim, dá uma risadinha discreta.

-         Como ela não pode arrastar o marido safado, arrasta a bolsa...!

-         Ah, ah, ah! – ri a colega, com a mão na boca – E o noivo da outra... dizem que ele quase a escraviza, que é um déspota... esse ... esse... arre!! Não gosto dele!

A colega dá uma risada gostosa.

-         Ah! Ah! Ah! Gostei de ouvir isso... e acho que ela também não gosta meeesmo! – fala mais baixo - E o que será que ele vai fazer, agora?

Como resposta a essa indagação, o homem gordo sai, em passos rápidos, na direção em que foi o casal.

 

 

Esbaforido,  o ator  chega dentro do set de filmagem, que, neste momento, está vazio. Entra no estúdio e bate a porta com estrondo. Poucas luzes acesas.  Todo os aparelhos desligados.  Ele fecha os olhos. Aperta o lábio inferior. Suspira fundo. Senta-se numa das cadeiras ali expostas. Mantém os olhos fechados, como a concentrar-se.

Dana também entra,  vagarosamente, trancando a porta em silêncio e  aproxima-se, sem que ele a veja.

Agacha-se junto a ele e apóia a cabeça em suas pernas.

Ele sente a presença dela. Abre os olhos. Um terno sorriso nasce em seus lábios. Afaga, docemente, seus longos e ruivos cabelos.

-         Até quando ficaremos nessa situação, sem podermos, definitivamente, resolver nossas vidas? – ele fala, com voz mansa e amargurada.

Ela levanta a cabeça para fitá-lo.

-         Do que está falando?

Ele a olha, parecendo entender o porquê dela estar querendo ficar alheia ao que se passa. Segura-a pelos dois braços, para faze-la levantar-se. Por sua vez, levanta-se também.

Fitam-se, com ardor.

-         Eu sempre te amei...! Não dá pra esquecer...!  – ele murmura, tomando o rosto dela em suas mãos.

E fita os  lábios dela  que se entreabrem, aguardando o beijo que sabe que chegará. Ele toca-lhe os lábios levemente, uma, duas, três vezes, como que esperando sua reação. E nota que ela o espera, então.

E suas bocas unidas e os corpos sentindo-se reciprocamente as quenturas, vão se deixando levar pelas delícias do amor verdadeiro, que, enfrentando todas as barreiras,  persiste em continuar.

 

 

Mulder havia retirado suas roupas de Agente Federal usadas nas gravações de cena. Decide, então, procurar Dana. Depois dessa lida toda de filmagens e tudo o mais, sente-se cansado. E está necessitado de ir embora. Seguir seu rumo. Ir para sua casa. Seu lar. De verdade. Sair dessa vida diferente que os havia tomado num repente.

-         Olá! – alguém o cumprimenta nesse instante.

-         Olá. – responde, sem entusiasmo.

-         Como está você? Tudo certo aí? – diz o outro, estendendo a mão.

-         Tudo certo.  – responde distraído.

O recém chegado o observa, detidamente.

-         Que houve? Está me parecendo cansado.

-         E estou. Bastante.

O outro senta-se,  com um gemido de fadiga. Fala em seguida.

-         É... tivemos uma semana de trabalho duro! – observa o colega – Acho que... bem... de repente me dá a impressão de que você nem me conhece direito...!

Mulder olha-o, com ar de falsa surpresa.

-         Claro que me lembro de seu nome! Pilleggi!

O outro apenas ri. Está acostumado com as brincadeiras do amigo. Em seguida faz um gesto com o dedo polegar, apontando para o lado de fora.

-         Eu soube que ela  está aí.

-         Quem...?

-         A sua mulher, cara! – fica inclinado sobre o próprio corpo, atento – O que está acontecendo com você, hein?

-         Mas por que me fala isso, se sabe que ela está aqui comigo...?

Porém, antes que o outro lhe responda, a porta abre-se neste instante.

-         Oi rapazes! – diz uma mulher, entrando.

-         Oi! Tudo bem? – fala Pilleggi – Pensei que era a mulher dele chegando! Ela está lá fora.

-         Eu sei! – diz a atriz, sorridente.

-         Como?! – Mulder quer entender; mas está tão admirado em vê-la chegar, que nem ouve o comentário de Pilleggi; observa, atentamente, a recém-chegada, que também o fita, interessada.

-         Não entendi...!  – ele comenta, olhando-a, com ar surpreso.

-         O quê?

-         Seu cabelo...

Ela faz balançar os cabelos dourados e longos.

Pilleggi sorri pela surpresa do outro.

-         E... está ... você está loura...! – Mulder conclui, admirado.

Agora ela dá uma cristalina e longa risada.

-         E você não sabe disso? Chega de cabelos ruivos!

Mulder sorri, meio contrafeito, ainda, com ar surpreso.

-         Não foi bom você ter feito isso, sabia? – fala, com voz mansa.

Ela aproxima-se dele.

Seguram-se as mãos, fitando-se, como que hipnotizados.

-         Bem, pessoal,  já vou indo! – anuncia Pilleggi, avisando que vai retirar-se, sentindo que deve deixar os dois a sós.

Mulder afaga os cabelos louros dela, com prazer.

-         Eu nem sei dizer como você fica mais  linda, só sei que...

Ele não tem tempo de mais nada falar. Ela já lhe havia tampado a boca com a sua. Agarra-se a ele com alucinada paixão. Levanta-lhe a camisa de malha, deslizando os dedos sobre seu peito quente.

-         Te  adoro! – ele murmura, entre beijos.

-         Eu te quero...! – ela sussurra – Você é a outra parte que falta em minha vida... meu outro pedaço!

-         Claro! – ele a aperta com força – E eu sem você não conseguiria viver.

-         O que temos que fazer? Me diga!

-         Temos que ir embora daqui e viver nossa vida o quanto antes. Já chega disso tudo!

-         Está falando sério?

Ele a afasta de si, para fitá-la, demoradamente.

-         Por que está me perguntando isso?

Ela levanta uma das sobrancelhas, surpresa.

Mulder continua.

-         Afinal, lembre-se de que já estamos unidos. Nada há de nos separar. Nada!

Ela ri, entre os braços dele, jogando a cabeça para trás.

-         Só você mesmo para me dar esse ânimo para viver e esquecer daquele compromisso infame com...

-         O quê?! Compromisso?! Do que está falando?

Ele a afasta de si, exasperado. Súbito vem à sua mente o que, realmente está acontecendo.

-         V... você...  não é a ... Scully...!! – ele murmura.

Ela aponta para ele, fingindo um semblante de aterrorizada.

-         Aaah! E você não é o Mulder!! – em seguida a esse tom de brincadeira, fita-o, ardentemente e seus olhos azuis nadam em lágrimas de emoção.

Ele afasta-se. Sorri um pouco. Coça o nariz, nervoso.

Põe-se a pensar:

“Perturbador isso tudo que está acontecendo. Mas é ela! A atriz que desempenhou o papel da Scully. Fantástico! O mesmo cheiro gostoso. O mesmo gosto no beijo.  A mesma sensibilidade. A mesma sensação maravilhosa de estar junto de Scully... claro! Por que não? Ela é a minha amada Dana Scully. Por que duvidar, se é ela mesma?”

Num súbito desejo, está certo de que tem que aproveitar esse irreal, mas doce momento.

-         Vem cá. – ele a puxa, novamente para si, com sofreguidão; beija-a no pescoço, nos ombros, desce os lábios pelo decote profundo, desliza suave e habilmente os dedos entre seus seios, toca-lhe os mamilos, desejando sentir todos os detalhes – Minha Scully... – sussurra nos ouvidos dela, em voz arfante – minha Gillian...!

 

“O momento é sempre adequado para fazer o certo.”

Martin Luther King