NENHUM ATO INDIGNO

 

 

“Nossos atos são nossos anjos, bons ou maus; sombras

 fatais  que   caminham  silenciosas  ao  nosso  lado.

John Fletcher

 

Capítulo 229

 

Antes de penetrar no toalete, Dana dá uma olhada, ainda, para reparar a roupa que Mulder está usando neste momento. Não quer mais, de forma alguma, confundi-lo com ninguém, muito menos com o “outro”.

Ela entra, fecha a porta e coloca-se diante do espelho.

Horrorizada, vê o cabelo em desalinho. Abre a blusa e, passando de leve os dedos por sobre os seios, parece sentir ainda a saliva morna dele, umedecendo-lhe a pele.

“Jesus! Que fiz eu?! Mas como podia saber, enfim? Se Mulder está certo, nós somos aquele casal de atores e eles são nós! Eles são nós...?! – sacode a cabeça – Que confusão! Acho que estou ficando louca! E agora que... estive com... aquele homem... não sei mais o que pensar. Deus! Tenho eu alguma culpa ou não?”

Ela arranca a blusa rapidamente, lava-se com bastante água, banhando o rosto e o busto.

Sente umidade nas suas partes íntimas.

E sente temor em suas entranhas.

“Como foi isso acontecer? Tenho que lavar-me toda! Mas se a água lava o meu corpo, lavará também a minha consciência?”

Após rápida e geral higiene, apanha, com rapidez e muito aflita, várias folhas de papel toalha para secar-se e ajeitar assim melhor, a aparência.

* * *

 

Mulder aguarda, impaciente.

Anda para lá e para cá, no seu modo balançado, jogando os pés.

Sente-se um tanto desconfortável, nervoso e com remorso. Afinal, estivera com outra mulher em seus braços!

“Impossível conseguir deter o desejo de sentir o corpo daquela mulher junto ao meu! Claro, no início, eu até me confundi, mas ela é... é a minha adorada Scully! Sem dúvida! As duas são a mesma pessoa... portanto... – ele coça a cabeça, atordoado - ... portanto, não pratiquei nenhum ato indigno... e ela... ela é tentadora, tanto quanto a minha Scully! Scully... Scully... você jamais terá o dissabor de tomar conhecimento do que aconteceu... jamais!”

* * *

Dez minutos somente foram suficientes para que Dana, quase em pânico, pudesse arrumar-se para sair dali com Mulder.

-         Precisamos sair daqui! – fala consigo mesma.

Deixa o banheiro. Um aliviado suspiro sai de seu peito. Lá adiante está Mulder. No mesmo lugar, parecendo afobado pela espera.

-         Eu já estava ficando nervoso, Scully! – fala, antes que ela chegue perto.

-         Estou pronta, Mulder. Pelo amor de Deus, vamos embora desse lugar maluco!

-         Claro! – concorda.

Caminham, apressados agora, de mãos dadas e corações afogueados, nervosos. Ansiosos por uma solução positiva.

-         Mulder, sabe os atores... os atores que... ahn... os que fizeram nossos personagens na TV?

-         Sim, o que tem eles?

-         Eles se amam!

-         É verdade.

-         Como? Você sabe disso?

-         É... eu... ouvi falar sobre isso nos estúdios. E você, como descobriu?

-         Eu...?

-         É.

-         As moças do camarim me contaram.

Ambos calam-se. Ambos tiveram certeza da paixão que rola entre os atores pelo simples fato de que sentiram na própria carne, literalmente, esse amor que enfrenta o tempo, a tudo e a todos.

Súbito, seus olhos apavorados deparam-se com o casal que vêm em sua direção.

Como Dana e Mulder, eles também estão de mãos dadas. Mas o casal nada enxerga à sua volta. Fita-se somente, apaixonado, em êxtase.

-         Mulder... – começa a falar Dana.

-         Espera. – ele pede, para observar melhor.

O casal se agarra, ali mesmo, naquele instante, como se não estivesse vendo ninguém por perto. Os dois beijam-se, quase desesperadamente.

Dana estaca atônita. Examina atenta a mulher. Ela tem a sua estatura, seu corpo, seu jeito, TUDO!

“Bem, uma pequena diferença... nos cabelos louros.” – pensa.

-         Um espanto! – sussurra, por fim.

Mulder, por sua vez, está boquiaberto.

-         O cara é a minha cópia, Scully! – murmura, assombrado.

-         Como se fossem nossos clones... incrível! – ela confirma.

Dana puxa com força a mão de Mulder.

-         Vamos, vem! Vamos sair daqui rápido!

Mulder concorda, sem questionar.

Logo já estão longe do casal. E sentem-se aliviados.

Andam mais devagar agora. Conseguiram sair do grande estúdio e atravessaram o portão que dá para o estacionamento e a estrada.

-         Ufa! Que sorte! – fala Mulder.

-         Agora aqueles dois apaixonados ficarão por alguns minutos...

-         ... ou  por algumas horas... – ele interrompe.

-         ... longe daquele sujeito nojento e daquela mulher sebosa! – ela conclui.

-         Scully... que palavreada tão... – ele joga a cabeça para trás e dá uma risada.

 

* * *

Mulder observa a moça que o atende no balcão da loja a embrulhar, cuidadosamente, os pacotes de brinquedos.

-         Obrigado – diz, minutos depois de estarem prontos.

Ele caminha com os pacotes nas mãos. Lá adiante já pode ver Dana saindo de uma das portas envidraçadas do grande shopping. Dirige-se até ela.

-         E então? Terminou as compras?

-         Sim, Mulder. Podemos ir.

-         O que você comprou?

-         Ah, coisas de mulher... algo também pra minha mãe.

Ele sorri. Segura-a pela mão.

Caminham por cerca de meia hora.

-         Está cansada, Scully?

-         Nem tanto, mas acho que já é tempo de resolvermos nossa questão.

-         Que é acharmos o local pelo qual entramos aqui.

-         Sem dúvida.

Continuam a caminhar. Sem saber ao certo para onde.

-         Lembrei, Mulder!

-         Onde, Scully?

Ela o faz deter os passos. E o faz dirigir o olhar a 30 metros adiante.

-         Está vendo aquela velha construção com colunas em mármore, como se estivesse abandonada?

-         Sim, vejo. Mas não está. Ali, quando passamos era um...

-         ... uma galeria só com aquários. – ela completa.

-         Isso mesmo! Nós passamos por ele quando viemos pra cá.

Ela o olha, fazendo-se entender.

E para lá se dirigem, rapidamente. Logo chegam à galeria.

No local amplo e agitado, muitas pessoas transitam. Homens, mulheres, crianças, todos excitados, a observar os inúmeros aquários, com seus habitantes marinhos.

O casal infiltra-se entre as pessoas, buscando encontrar ali alguma passagem secreta ou algo que o valha, a fim de retornarem ao seu mundo.

-         Mulder, - ela demonstra  cansaço – acho que nos enganamos, pensando que havíamos entrado por aqui. Agora sei que não é nada disso. E estou que não agüento mais!

Mulder pára diante dela, para observa-la com mais atenção.

-         Scully, eu estou começando a me sentir culpado por essa estranha aventura.

-         Não... eu não quero faze-lo pensar assim!

-         Mas é assim que estou me sentindo, Scully.

Ele havia dito essas últimas palavras, porém ela não prestara atenção ao que ele está lhe falando. Mulder repara que Dana está atenta à uma criança que, destacando-se entre as outras que por ali estão, olha, fixamente, para sua mulher, com um sorriso no semblante infantil.

Ele olha para Dana mais uma vez e nota o seu semblante de surpresa. Dirige, então o olhar, novamente para a garotinha. E também surpreende-se: a menina de curtos cabelos louros, uma franjinha reta a emoldurar-lhe o rosto, mantém o olhar fixo em sua direção.

Encaminha-se, agora, para o casal, ainda fitando-os, com um meigo sorriso nos lábios.

-         Emily!! – murmura Dana, extasiada.

-         Espere, Scully, não é... – ele tenta remover-lhe essa idéia.

-         É ela, sim! – Dana estende a mão, desejando alcança-la.

A menininha loura pára. Continua fitando-os. Logo aproxima-se mais de Dana. Também estende a mão em sua direção.

-         Calma, Scully! – ele a quer convencer de que a criança não é a sua filha já falecida há muitos anos; segura-lhe o pulso, fortemente, impedindo-a de tocar a menina.

As pontas dos dedos da criança tocam as de Dana, que tenta segurar-lhe a  mão por inteiro.

-         Emily!! – Dana chama, novamente.

No segundo seguinte não conseguem vê-la mais diante de si.

Dana, chorosa, começa a chamar o nome da filha.

-         Emily...! – procura ao seu redor, sem encontra-la; dentro de seus olhos azuis as lágrimas dançam, enevoando a sua visão.

Mulder a abraça, ternamente.

-         Scully... – fala ele, agora surpreso - ... veja com seus próprios olhos... ela apenas quis ajudar-nos... olhe onde estamos!

Ela confere com o olhar.

-         A gruta! – exclama, chorando, ainda.

-         Sim, Scully. Foi por aqui que pudemos atravessar para a outra dimensão! – firma-lhe bem os passos,  segurando-lhe a mão – Venha, venha!

Ele ajuda-a a caminhar sobre as pedras arredondadas e cinzentas, pequenas e grandes, que formam o solo e as paredes no interior da gruta.

Com ar melancólico, ela deixa-se levar como um autômato, sentindo que em seu íntimo, a figura da pequenina Emily sempre permanecerá.

 

“Às  vezes os sentimentos melancólicos trazem

consigo algum prazer também; um prazer suave,

íntimo, consolador.”

Julio Diniz