CRENÇAS ILÓGICAS
“Toda crença que não nos faz mais feliz e
mais livre é errônea e supersticiosa.”
Lavater
Capítulo 231
No escritório silencioso,
Mulder reflete, olhando algumas fotos espalhadas sobre a mesa.
Com o cotovelo
sobre a sua superfície, a mão segurando o queixo, ele vai analisando,
atentamente, cada semblante ali exposto à sua vista.
Tão absorto está
em seu trabalho, que não ouve passos que se aproximam.
-
Agente Mulder?
Ele volta o olhar
para ver quem chegara.
-
Boa noite,
senhor Skinner.
O Diretor
senta-se, lentamente, junto à mesa do Agente.
-
Fazendo serão
hoje? – pergunta.
-
Faz parte do
meu cotidiano. – diz, o Agente, sem sorrir.
-
É verdade, é
verdade. – confirma, levantando os óculos de sobre o nariz – Há algo de novo
para investigação !
Mulder fica
segurando um lápis nas duas extremidades, joga as costas na cadeira, enquanto observa seu superior a falar.
Skinner prossegue.
-
O Agente Lowry
não pode prosseguir com o trabalho, já que está com uma enfermidade desde a
sexta-feira passada.
-
Ah, então não é
um Arquivo-X! – exclama o Agente.
-
Bem, na
verdade, não o é, inteiramente, porém você é meu subordinado e deve acatar as
minhas ordens.
O Agente
levanta-se, inopinadamente, tomando o paletó que estivera pendurado no espaldar
da cadeira.
-
Agente Mulder!
– chama Skinner sua atenção, notando que ele vai deixar a sala.
Mulder aperta os
lábios, movimentando-os, demonstrando irritação.
-
Não se preocupe,
Diretor, eu e a Agente Scully estaremos prontos a cumprir nossa obrigação como
subordinados, amanhã, pela manhã.
Após dizer isso,
mantém-se de pé, segurando o paletó por sobre um ombro, demonstrando ao seu
superior que já é hora de deixar o escritório.
Skinner
levanta-se. E sai da sala, sem mais nada falar.
O Agente espera que Skinner saia, mas não se move do lugar, nem se volta
para olhá-lo. Alguns segundos depois apaga a luz da luminária que tem sobre sua
mesa. Em passos rápidos e pesados, apaga a luz da sala, sai e tranca a porta.
*
* *
Dana retira da
geladeira uma vasilha que contém salada
de folhas frescas; também um pote de yogurte e uma maçã. Senta-se na
mesa da copa. Coloca a cabeça entre as mãos, olhando fixamente os alimentos que
pusera sobre a mesa. Sente-se um tanto perturbada. Passara o dia inteiro
trabalhando com Mulder, numa investigação de risco para suas vidas, mas isso
não abalara seu sistema nervoso, nem sua mente, tanto quanto está acontecendo
neste exato momento. Há algo tomando conta de sua mente, impedindo-a de
manter-se equilibrada, consciente.
Nesse instante, em
sua imaginação, correm como um filme, coisas estranhas para seu entendimento.
“Mas o que é isso?
– pensa – Por que fico tendo esses pensamentos perturbadores? Nunca tive nenhum
contato físico com esse homem, desde há apenas poucos meses, que é o tempo em
que trabalhamos juntos. Nunca o havia visto em lugar nenhum... mas tenho a
sensação de que nos conhecemos há longo tempo... e que ... até já fizemos amor!!??
Mas o que será isso? Por que está acontecendo isso comigo? Será alguma
premonição? Mas eu não acredito nisso... meu parceiro é que vive com certas
crenças ilógicas na cabeça...!”
Ela retira, com
dedos nervosos, a tampinha do copo de yogurte e coloca-o de lado. Começa a
comer, com olhar distraído, a salada. Sente-se como se estivesse vivendo algo
irreal; uma vida estranhamente fantástica.
Logo, em sua mente
passa-se, agora, uma cena em que ela está numa cama, confortavelmente coberta
por perfumados lençóis.
Mulder
aproxima-se, em trajes íntimos. Deita-se ao seu lado. Abraça-a contra seu corpo
e a faz virar-se para seu lado. Beija, com paixão, E ela... corresponde!
“Oh, Deus!! Mas o
que será que está acontecendo comigo? Será que é o meu desejo mais íntimo,
desenhando-se freneticamente em minha mente pra me convencer a seduzir aquele
homem e faze-lo me amar? Será isso?”
Ela está
atordoada. Sente que tem a fremente necessidade de consultar um psicólogo, um
analista.
Repentinamente,
seu corpo todo estremece com o toque do telefone. Volta à realidade e ouve a
voz da secretária eletrônica:
-
Oi, Scully!
Aqui é o Mulder. Só pra te dizer que amanhã, cedinho, temos que ir direto para
o Aeroporto, ok? – uma pausa na voz =- É mais uma incumbência indevida do seu
querido Diretor Skinner!
Dana ouve o clique
da ligação sendo desconectada.
“Temos que viajar
cedo amanhã. – ela pensa – Tenho que descansar um pouco... se conseguir pregar
olhos esta noite...!”
Decide-se a
continuar a comer sua salada. Mas nem consegue. Está sem apetite. Empurra o
prato para o lado e começa a beber o yogurte. Está tão gelado que quase nem sai
do copo. Ela o balança, freneticamente, nervosa e isso faz com que algumas
gotas derramem-se sobre a superfície da toalha da mesa.
Dana olha para as
gotas caídas ali, como se não as enxergasse. Um pouco contrariada, consegue
tomar o conteúdo do copo. Levanta-se. Joga as vasilhas dentro da pia. Deixa a
água da torneira jorrar forte sobre o prato ainda cheio de folhas.
“Dana, olha só!
William está levado demais! Hoje subiu numa cadeira, só pra abrir a torneira da
pia!”
Essas palavras vêm
à mente de Dana, num repente. É a voz de Maggie. Sim, sua mãe! E esse William
de quem ela falara?
“William? Quem é
William? E só podia ser uma criança!”- pensa, confusa, sem saber decifrar o
sentido de sua imaginação.
Ela posta-se
encostada na pia, voltada para as paredes opostas da copa.
Garante a sim
mesma que não deseja e nem aceita, de maneira alguma ter em sua cabeça e
coração os mesmos sentidos fantásticos de Mulder, o seu parceiro “spooky”.
Mesmo com essa
decisão absoluta, sabe que no seu inconsciente, há um desejo secreto de ter um
filho. E essa voz que ouve de sua mãe em seus pensamentos, falando de uma
criança, deve ser o seu desejo inconsciente desse filho que deseja ter um
dia...
Dana vai para o
quarto, deita-se na cama, olhando para o teto. Passa alguns minutos refletindo.
Sente-se como se não estivesse no seu mundo. Há algo estranho que não consegue
decifrar. Ela fecha os olhos, lembrando uma cena que a tocara muito no dia
anterior, numa investigação sobre o desaparecimento da irmã do garotinho Kevin,
que via mensagens extra-terrestres na TV.
Quando ela e seu
parceira foram até à casa do menino, notara o olhar de carinho que Mulder
lançara para a menina que estava fotografada num porta-retrato. Essa cena a
emocionara bastante. Sabia que ele estava lembrando de sua irmã que
desaparecera tempos atrás: Samantha.”
*
* *
Mulder chegara bem
antes da hora no Aeroporto. Não conseguira dormir bem. Nem sabia o porquê. Mas
ali está, aguardando a chegada de sua parceira.
“Scully é uma moça
como bem poucas existem! – pensa – Gosto de trabalhar com ela; nós nos
entendemos muito bem. O engraçado é que dá até a impressão de que convivemos há
bastante tempo.”
Ele lança um olhar
vago por sobre todas as pessoas que transitam no vasto ambiente. Coça o nariz e
detém a mão ali, nessa posição. Algo lhe chamara a atenção.
“Interessante
isso...! – pensa – parece que o meu dedo anular tem uma marca levemente moldada
na pele... mas eu nunca usei nenhum anel...!”
Abre a mão direita
para observar os dedos. Não. A tênue marca só existe na mão esquerda.
“Coisa estranha! O
que será que coloquei nesse dedo? Talvez tenha brincado de enfia-l;o numa
argola de abrir latinhas de refrigerante...? Mas quando e onde...?
Após essas
reflexões, suas divagações são interrompidas pelo ruído das aeronaves pousando
no solo, lá na pista adiante. O Agente observa, através das vidraças, os aviões
deslizando sobre a superfície asfaltada.
-
Mulder...?
A voz de Scully ao
seu lado o surpreende.
-
Oi, Scully! –
dá um leve sorriso – Eu esperava que você chegasse daqui a meia hora!
-
Ora, por quê?
Acaso tenho hábito de me atrasar nos compromissos?
-
Não é isso que
eu quis dizer! – ele conserta e segura-a pelo braço – Venha, vamos sentar lá
adiante.
Àquele toque de
Mulder em seu braço, Dana sente o corpo arrepiar-se.
“Mas o que é
isso?! – pensa, sobressaltada – Que poder tem ele de me causar essa sensação
de.. – balança, instintivamente a cabeça, negativamente - ... prazer...?!”
-
O que foi? –
indaga o parceiro.
-
O que quer
saber, Mulder?
-
Você fez um
gesto como se estivesse querendo tirar do pensamento algo que a desagrada...
-
Nossa! Como
você...?
-
... ou apenas a
deixa agitada...! – conclui, olhando-a fixamente e balançando sutilmente a
cabeça.
Dana cessa
rapidamente seu comentário. Olha-o de soslaio. Seu parceiro de trabalho é
surpreendentemente perspicaz.
Mulder retira do
chão a maleta que ali pusera; coloca-a sobre os joelhos, abre-lhe o fecho,
erguendo o tampo flexível de couro.
-
Procurando
algo, Mulder?
-
Sim... eu
acredito ter trazido meu frasco de antidistônico.
-
Está precisando
acalmar-se?
Ele aperta os
lábios; sem olha-la, responde:
-
Tenho muitos
problemas; é desse jeito que consigo sobreviver. – lança um verde e esquadrinhador
olhar sobre sua colega, fitando-a
Instintivamente,
Dana ergue a cabeça, põe o nariz empinado e um ar de absoluto descaso. Cruza os
braços.
-
Scully... você
tem necessidade de proteção, apesar de sua desconfiança quanto à minha pessoa.
Ao mesmo tempo não deseja que eu me aproxime...
-
O quê...?! –
ela inicia.
Ele, porém, a
interrompe, com um gesto de mão.
-
Espere... deixa
eu continuar...
-
Ah, pára,
Mulder! Estou me sentindo como se estivesse no divã de um analista!
Mulder faz um
muxoxo.
-
Você não gosta
de ser analisada, Scully. – fala, com voz murmurante, sorrindo levemente.
Dana percebe, em
seu interior, que é melhor deixar pra lá essa conversa sobre desejos
interiores, pois é capaz desse homem incrivelmente sagaz descobrir até seus
mínimos ideais.
Ela apenas fecha
um dos botões de seu blazer que está aberto. Passa a ponta da língua em um canto da boca, com os lábios
entreabertos.
Olha para a
frente, sem sorrir.
“Coloque seus
ideais nas estrelas, mesmo que
você não consiga alcançar a metade do caminho.”
Tolstoi