OS CAMINHOS DA VIDA

 

O tempo passa em momentos. Momentos que,

ao se voltar ao passado, definem o percurso de

uma vida, assim como a leva para o seu final.

Quão raramente nós paramos para examinar

o caminho, para ver as razões por que todas

as coisas acontecem... para pensar se esse

caminho que nós percorremos na vida é feito

por nós  mesmos ou se é simplesmente um no

qual nos atiramos nele com  os olhos fechados...

Scully em All Things

 

Capítulo 232

 

A azáfama nas ruas causa tumulto na passagem dos transeuntes. A calçada apinhada de pessoas muito bem agasalhadas, torna-se estreita para tantos passantes.

Dana, tentando acompanhar os passos largos de Mulder, segue-o, caminhando rápido.

-         Mulder! – chama em baixa voz.

Ele pára, a fim de que ela possa alcança-lo.

-         Não entendo porque o Skinner nos mandou para esse lugar logo nas festividades de fim de ano!

-         É verdade, Scully. Mas você sabe que os manda-chuva do FBI são assim mesmo.

O casal continua andando.

-         Imagina que hoje é o último dia do ano! – diz ela, com um suspiro – E eu aqui...!

-         Chateada, não é, Scully? Sua família em festas, naturalmente sentindo falta de sua companhia e você aqui, junto do seu colega “spooky”...!

-         Não, não! Eu compreendo que trabalho é trabalho, Mulder! Não é isso que eu quis dizer!

-         Sei.

Neste exato momento soa, nos alto-falantes do lugar a música comemorativa para o final do ano velho e a vinda do novo ano, cheio de promessas.

 

Adeus, amor

Eu vou partir

Ouço ao longe um clarim

E onde eu for

Irei sentir

Os teus braços junto a mim.

A luz que brilha

Em teu olhar

A certeza me deu

De que ninguém

Pode afastar

O meu coração do teu.

No céu, na terra,

Aonde for

Viverá o nosso amor.

 

Mulder e Scully ficam parados, olhando, no meio da grande praça espocarem os fogos de artifício.

Ao seu lado dezenas de pessoas abraçam-se, beijam-se, têm os olhos brilhantes de lágrimas de emoção.

-         Feliz Ano Novo! – grita a maioria.

Dana, olha, extasiada para tudo.

A música lhe penetra até a alma. A emoção aperta-lhe a garganta. Sente desejo de chorar..

Porém, súbito, à sua mente vem, com nitidez, um momento que lhe dá a mais perfeita impressão de ter acontecido há alguns anos atrás.

 

Ela fecha os olhos. Parece sentir nesse momento aquele homem aproximando o rosto do seu, suave e docemente seus lábios se encontram, num beijo terno e puro.

Durante treze segundos aquele beijo havia aquecido seu coração.

-         Viu? O mundo não acabou. – ouviu a voz quente dele a lhe falar, após o beijo.

 

-         Scully...?

-         Hãn? – ela abre os olhos, repentinamente.

-         Você parecia estar rememorando algo importante em sua vida, por alguns instantes. – ele comenta.

-         Ah... ah, é verdade, é verdade! – ela admite, surpresa.

“Que coisa! – pensa estonteada – Pela lembrança que tive, esse homem que me beijou era... era... ele mesmo... Mulder! – pronuncia este nome em voz audível, saindo de seus pensamentos.

-         O que foi? Quer falar alguma coisa?

-         N... não! – passa as mãos na testa, sentindo-se ainda aturdida.

“Eu não estou conseguindo entender o que se passa comigo, tendo essas recordações assim....! Não entendo! Ainda mais que conheço meu parceiro há apenas alguns meses! Que estranho!” – pensa, um tanto afogueada; sente suas faces em fogo.

-         Sabe de uma coisa, Scully? Vamos entrar num desses bares e tomar alguma coisa? Precisamos comemorar também o Ano Novo!

-         Desculpe, Mulder, mas eu prefiro ir para o hotel.

-         Tem certeza?

-         Sim.

-         Ok. – não insiste; segura-a pelo braço, ajudando-a atravessar o mundo de gente que passa ao seu redor.

Procuram afastar-se o mais rápido, a fim de alcançar o meio fio de uma das calçadas mais vazias.

Mulder faz sinal para um táxi, que pára, após seu gesto. Após entrarem no carro, ele solicita ao motorista o caminho a seguir.

Dana, olhando para as ruas que passam rapidamente diante de seus olhos, tenta colocar para fora da mente as idéias arrasadoras que a estão deixando esgotada. Mas sente que não se acha capaz de conseguir faze-lo. Neste momento, olhando o perfil de Mulder, relembra o momento em que o sentiu emocionado, fitando a mulher selvagem, caída no chão, abatida como um animal pelos policias do local.  Dana percebe que seu parceiro é extremamente sensível. Ele havia sentido pena daquela criatura.

-         Olha só, Scully, que interessante os tipos de casa aqui são bem diferentes do que estamos acostumados a ver. – ele comenta.

-         Hãn...? – ela parece acordar.

-         Estou notando que você nem está prestando atenção. Parece estar com alguma preocupação na mente.

-         O quê? Preocupação...? – fala, levantando as sobrancelhas.

-         O que houve? Algum problema na família?

-         Não, Mulder, claro que não! Meu pai e minha mãe estão bem, graças a Deus. E meus irmãos também. Melissa, pelo jeito, até vai ficar noiva daqui a mais um mês.

-         Huum... festa! – ele sorri.

-         Festa...? – ela sorri também – Por que festa?

-         Ora, noivado sugere casamento, que logo é uma festa, pelo menos... no início.

Dana encolhe o pescoço para baixo, olhando-o de soslaio.

-         Você é contra o casamento, Mulder? Já foi casado?

-         Não, não. Vivi algum tempo atrás com alguém, mas não pudemos continuar.

-         Motivo...? – ela faz um gesto para impedi-lo de falar – Desculpe, não precisa me contar, se não quiser.

Ele olha para as próprias mãos sobre as pernas; aperta os lábios.

-         Incompatibilidade de interesses. – fala.

-         Aah...!

O táxi roda por mais alguns minutos.

-         Chegamos, senhor! Hotel Princeton! – anuncia o motorista.

Mulder paga o taxista e descem do veículo. Dirigem-se para a recepção do hotel.

-         Pois não. – diz o prestimoso atendente – O melhor quarto de casal que temos está disponível, senhor. É no quinto andar.

Dana afasta-se sutilmente do balcão e lança um olhar significativo para seu parceiro.

-         Ahn... por favor... são dois quartos separados. – solicita Mulder, lançando para Dana um respeitoso olhar.

-         Ah, separados! Desculpem-me! Mas pensei que...

-         As chaves, por gentileza. – interrompe o Agente, cortando o pensamento do recepcionista.

 

*   *   *

Dana sente-se um tanto reconfortada. Conseguira dormir tranqüilamente. Agora já havia tomado um banho e resolve sentar-se na confortável cadeira colocada na varanda, a qual descortina um céu azul, com nuvens brancas recortadas, brilhantes e esparsas, acima das montanhas escuras.

O sol está mais quente a essa hora da tarde.

Uma languidez toma conta do corpo frágil da Agente. Apóia a cabeça no encosto da alta cadeira e fecha os olhos. Sente que o seu corpo torna-se leve pela dormência de um estranho sono que sente neste momento.

 

-         Scully, - ele a chama, num murmúrio, agachando-se junto à ela; apóia-a em seus braços – Quer um pouco d’água? Pronto... fica assim. – diz, amparando-a, carinhosamente, ajeitando-lhe os fios de cabelos jogados na testa.

-         Caí no chão... – ela queixa-se, sentindo-se muito tonta.

-         Pronto, fica assim. – ele continua amparando-a, aconchegando-a mais contra seu peito.

-         O que está acontecendo comigo, hum?

-         Está tudo bem, Scully. -  afaga-a, docemente, preocupado.

 

Dana abre os olhos, subitamente.

O que fora isso? Um sonho? Uma premonição? Outra vez uma coisa estranha dessas acontecendo? Não consegue vislumbrar em sua imaginação o que havia ocasionado aquela cena.

“Nunca estive num acontecimento assim com  Mulder! Então... por quê? Por quê? O que significam essas cenas em minha mente se nunca as vivi com ele?”

Levanta-se, agitada.

Nem sabe por onde começar, porém já colocara em seu coração que, no momento em que estiver com ele novamente, vai procurar saber se esses pensamentos significam algum aviso de passagens que ainda irão acontecer em suas vidas.

O mormaço do tempo a faz sentir uma doce preguiça a tomar conta de seu corpo.

“Vou deitar um pouco e descansar, porque sei que o Mulder vem me chamar às cinco horas da tarde, para conhecermos os que nos chamaram para a investigação nesta cidade.

Ela começa a preparar-se para deitar e descansar por algumas horas.

Pouco a pouco vai desabotoando os botões perolados de seu quimono de cetim. E enquanto o faz, nitidamente vem à sua mente um pensamento:

 

Quão raramente nós paramos para examinar o caminho. Para ver as razões porque tudo acontece...”

 

Ela sacode a cabeça, tira rápido sua veste de sobre a camisola. Recusa-se a permanecer com esse pensamento em sua cabeça.

 

“... para considerar se o caminho que nós  percorremos na vida...”

 

-         Chega!! Que pensamento é este?! – fala alto, exasperada, com as mãos nervosamente crispadas. Seu olhar volta-se, instintivamente, para a cama.

-         Aah!! – ela toma um susto agora.

 

Numa espécie de visão fantástica, observara que o arrumado leito estava com lençóis jogados sobre ele e ali...

-         Mulder!! – murmura atônita, vendo seu parceiro adormecido, com expressão de paz.

A imagem desfaz-se rapidamente de sua mente.

Ela aperta os olhos, passando as mãos sobre a face afogueada.

*   *   *

 Dana abre os olhos, estremunhada. Olha o relógio que há na parede.

-         Oito horas?!

Nota que acordara ao som de leves pancadas na porá do quarto.

-         Um momento! – ela fala alto, vestindo rapidamente o quimono.

Dirige-se à porta para abri-la, alisando com os dedos os cabelos desalinhados. Gira a chave na fechadura.

-         Boa noite, Scully! Pensei que tivesse saído pra fazer um Cooper! – diz, com um sorriso matreiro.

-         Boa noite, Mulder. Desculpe a hora. Eu procurei me programar somente para um descanso, mas não estava muito bem, por isso me atrasei.

Ele a está fitando somente, com seu verde olhar observador.

Dana fica sem jeito.

-         Desculpe, Mulder. Eu vou me arrumar, ok?

-         Ok, Scully e não se preocupe pela aparência, sabe por quê?

-         Não...

-         Dá-me a impressão de que já a vi várias vezes acordar pela manhã... faz um gesto com a mão espalmada – Não leve a mal, não é uma insinuação, não!

-         Não tem importância. – ela responde - quase sem voz, sem olha-lo.

Seu instinto aguçado a obriga a fazer permanecer sempre afastado de si o seu parceiro audacioso, porém... encantador!

 

“O instinto é a atividade de um propósito,

 sem a consciência do mesmo propósito.”

Hartmann