PENSAMENTOS SURREAIS
 
“O pensamento é a maior força criadora da vida.”
Are Waerland
 
Capítulo 233
 
Mulder, com a pistola em punho, passo a passo, envereda pelo longo e estreito corredor.
Um ruído seco o faz voltar-se para trás, rápido e atento. Procura abrigo nas sombras da esquadria de uma grande porta. Novamente o ruído seco é ouvido.
Mulder  distingue uma figura alongando-se em sua direção, por causa da luz difusa que penetra no corredor.
-         Parado aí! Agente Federal!
Mas, nesse mesmo instante, a revanche de parte do perseguido logo vem.
E o Agente Mulder cai, desabando, pesadamente, sobre o piso.
O homem perseguido aproxima-se e, ao tentar atirar no Agente, sua arma demonstra estar descarregada.
Mulder, mesmo jogado ao chão de bruços, segura, ainda sua pistola na mão e dispara, porém, sem acertar seu alvo, que, ao ver o Agente à sua mercê, chega perto e chuta-lhe as costelas e a cabeça,  com as pontas dos sapatos, selvagemente.
Mulder, gemendo pela dor na cabeça e as costelas machucadas, não larga a arma e ainda tenta acertar o bandido com tiros. Num dos momentos em que o homem chuta mais uma vez o corpo de Mulder, surge a Agente Scully e, vendo a situação de seu parceiro, ordena ao bandido.
-         Agente Federal! Mãos pra cima onde eu possa vê-las! Agora!
O homem, surpreso, ensaia uma carreira, porém Dana dispara um tiro para intimida-lo, procurando não atingi-lo.
Ele pára e ela aproxima-se, rapidamente, algemando-o, enquanto três policiais o encaminham para fora.
Dana, agachada junto ao parceiro agora desmaiado, toma o celular, pedindo urgente paramédicos para acudirem o Agente.
*   *   *
Dana acompanha, apressada e preocupadamente, os paramédicos colocarem Mulder na maca e, em seguida, na ambulância.
Interiormente, sente que seu coração está inteiramente voltado para Deus; em seu espírito há o intenso desejo de pedir-Lhe pela vida desse homem com quem está partilhando o seu dia-a-dia. Sentada ao lado dele, dentro do veículo, Dana o fita, amargurada. 
“E se algo grave acontecer a ele, o quê, meu Deus, eu farei? – pensa, desanimada; ao mesmo tempo  que o outro lado de suas emoções lhe chama a atenção para a razão da situação – Se acontecer o pior... não! Na verdade, não deve haver nada grave com ele, a não ser que venha a ocorrer um hemorragia interna, tudo estará bem com ele... mas se não... bem... aí o jeito é enfrentar o dissabor de ver a morte de um colega...” – logo, no entanto,  sua mente volta-se, novamente para o lado da emoção – Não! Não! Ele não pode morrer! Não pode porque eu...”
Dana estaca os pensamentos, horrorizada pelo que sente que ia falar:
“Mas eu sinto o quê, por esse homem? Por que sinto-me tão fragilizada e abalada com esse acidente com ele? O que é isso?”
Mulder move-se, quase imperceptivelmente. 
Dana sente em seu coração  um rápido temor.
-         Ei...! chama-o, suavemente, falando bem junto a seu rosto.
Ele abre os olhos, com dificuldade.
-         Como está se sentindo? – pergunta – Mulder! – ela agora murmura, com os olhos transbordantes de lágrimas.
Porém este é um breve momento, pois, em seguida, delineia-se diante de seus olhos a cena em que ambos estão dentro de uma ambulância.
 
Estão deitados em macas. Sente que está imensamente entorpecida. Ainda assim, percebe que Mulder lhe estende a mão e ela faz o mesmo. Ambos estão sujos da infecta terra onde haviam estado aprisionados por horas.
Ela sente que àquele toque da quentura da mão dele, suas forças serão renovadas; eles que estiveram à beira da morte, a partir desse momento, sobreviverão.
 
-         Scully...! – ouve-o chamar-lhe.
Ela sente as lágrimas escorrerem involuntariamente sobre sua face.
Mulder estende a mão para toca-la em seu braço.
-         Não precisa chorar porque não foi desta vez, Scully... não foi desta vez... mas lhe prometo que na próxima...
-         Pára, Mulder! – ela sorri, ao mesmo tempo que chora – Não tem graça nenhuma o que está falando!
*   *   *
Skinner, ao telefone, aguarda, enquanto escreve algo em um bloco.
-         Dana Scully! – atende, do outro lado da linha a Agente.
-         Agente Scully, por favor, necessito que venha até o Bureau, trazendo um documento que o Agente Mulder tem na casa dele, ok?
-         Documento...?
-         Sim, Agente Scully. E o Mulder está bem, não é?
-         Sim, senhor Skinner... e eu estou aguardando para ele receber a sua alta e leva-lo para casa, agora.
-         Certo. Pegue o documento com o Agente Mulder e traga-o para mim.
-         Ok. Pode deixar.
Dana guarda seu celular.
-         O que foi, Scully?  - Mulder pergunta, fazendo uma careta, enquanto tenta movimentar o corpo dolorido.
-         É sobre o documento que o Diretor Skinner quer que eu leve ao Bureau.
-         Certo, Scully. Logo que chegarmos, vou lhe entregar. Vamos.
Dana permite que seu parceiro se apóie em seu ombro, para caminhar.
*   *   *
-         Scully...
-         Sim, Mulder?
Ele a observa abrir a porta do apartamento 42.
-         Você está com um aspecto cansado. Algum problema?
Ela sorri.
-         Imagina! Você é o doente e me pergunta se estou bem!?
-         Desculpe, mas é que a vejo um tanto tensa.
Dana o faz entrar e fecha a porta em seguida.
-         Eu não tenho dormido muito bem esses dias. E depois daquele caso das garotas gêmeas, fiquei um pouco impressionada. Tudo que se refere às crianças me deixa perturbada. São criaturas inocentes.
-         Aquelas não, Scully. E se continuar trabalhando ao meu lado, ainda verá coisas muito mais intrigantes, Scully.  Afinal, este é o cotidiano dos Arquivo-X. – fala, sentando-se, vagarosamente no sofá.
-         Onde posso pegar o documento para o Skinner, Mulder?
-         Na gaveta desse móvel ali. – ele aponta.
Dana abre a gaveta e retira o documento.
Mulder,  penosamente, retira os sapatos, tenta ajeitar-se no sofá. Abraça o próprio corpo.
Dana corre o olhar rapidamente pelo papel em suas mãos. Desvia a vista dali. Vê Mulder com um aspecto de como se estivesse com frio. Caminha até ele.
-         Está sentindo febre?
-         Não, Scully, febre não.
Ela coloca a mão sobre o peito dele, na abertura que a camisa de malha  lhe permite.
-         Não tem febre. Você está apenas debilitado, Mulder. – ajuda-o a se ajeitar no sofá – Vamos, tente descansar; eu fico aqui até você adormecer, ok? Mas vou pegar um lençol pra você.
Ela afasta-se para pegar um lençol, completamente amarfanhado, dentro de uma gaveta. Leva-o para com ele cobrir o seu colega.
Este já está com os olhos fechados, parecendo dormir.
Ela o cobre com o lençol. Em seguida olha em volta, vendo tanta coisa fora de lugar.
“Apartamento de homem solteiro é uma bagunça só!”- pensa, com um leve sorriso.
No chão, perto à porta da cozinha, um par de chinelos; sobre a pia uma caixa de leite vazia, a qual leva para a lixeira; dentro da pia  pratos e talheres usados. Dana os lava e enxuga em seguida.
Sobre uma cadeira, na cozinha,  uma peça de roupa de cor azulada. Ela abre e vê que é uma camisa. Toma-a e logo vem até suas narinas o gostoso cheiro do perfume de Mulder.
Retorna à sala.
Mulder está dormindo. Tranqüilo.
Dana aproxima-se. Ajoelha-se junto ao sofá. Ainda está com a camisa nas mãos. Seu coração enche-se de ternura.
“Ele aparenta tanta carência...!  ela pensa – Parece tão necessitado de amparo, como um menino!”
 
Como em um gesto automático, as mãos de Dana levam até seu rosto a camisa dobrada em suas mãos, encostando-a em sua face, fazendo-a, assim,  sentir a suavidade do perfume.
Um desejo de chorar, uma saudade, uma tristeza infinda abala-lhe o ser. E ela coloca sobre a beira do sofá a peça de roupa dobrada, repousa a cabeça sobre ela e fecha os olhos.
Um torpor a faz abandonar-se nessa posição.
*   *   *
Mulder abre os olhos. Pisca várias vezes. Olha à volta.
“Nossa! Estou em casa! Que sorte! Escapei mais uma vez!” – ele pensa.
Abre mais os olhos. Junto a seus pés vê Dana sentada no chão, a cabeça e os braços recostados sobre a beirada do sofá.
Ele ergue o corpo lentamente, percebendo que ela está dormindo. Um sentimento de enorme carinho inunda o seu coração. Levemente encosta os dedos sobre os cabelos ruivos de Dana.
Esta desperta. Olha-o, assustada. Ergue-se, rápida.
-         O que foi, Scully? – pergunta, vendo-a perturbada.
-         Ai, desculpa, Mulder! Eu adormeci. E agora, quando acordei, tive a impressão de que uma outra pessoa aqui do meu lado estava interrompendo o meu sono. Um homem estranho...!
-         Quem você imaginou? – ele ri.
-         Alguém que nunca vi, mas no seu semblante havia um certo sarcasmo, porque eu... – ela repara na peça de roupa em que sua cabeça estava repousando - ... eu... estava apenas descansando; como lhe falei...  – toma a camisa nas mãos.
-         Não precisa se explicar, Scully. Afinal, você está mesmo com um ar cansado. Mas fala, como era esse sujeito que você viu? 
-         Ah... eu... – levanta-se, rapidamente – ...não sei...me parece que eu estava aqui mesmo, no entanto não estava... e... sentia saudades de você...!
Mulder dá uma pequena risada.
-         Ainda estou vivo, Scully! A não ser que isso seja um aviso de que vou para o outro mundo...!
-         Ah, Mulder, pára com isso! Eu já falei! Ando tendo umas reações muito estranhas ultimamente.
-         Você poderia consultar um...
Ela dá meia volta. 
-         Mulder, tem certeza de que está bem? Posso ir embora agora?
Ele coloca a mão sobre o peito.
-         Não... eu estou mal, Scully... preciso de carinho...!
Dana faz um ar de riso, somente. Veste o sobretudo, rapidamente.
-         Você, como sempre, brincalhão...! – fala e dirige-se para a porta de saída.
*   *   *
Dana havia chegado do apartamento de Mulder. Sente-se esgotada. Como se suas forças a tivessem abandonado. Só deseja agora descansar, principalmente a sua mente esfacelada por tantos pensamentos surreais. 
Joga as chaves do carro sobre a mesa. Entra no recinto e pára diante do espelho. Contempla-se. Nota um ar abatido e traumatizado.
“Por que me sinto tão angustiada?” – pensa.
 
Coloca-se de perfil, a fim de melhor ver a silhueta de seu corpo pequeno e esguio.
Desliza suavemente a mão sobre o ventre. Traz no olhar a cortina diáfana de uma saudade, impedindo-lhe o brilho.
“Solidão?” – ela pergunta a si mesma.
Seus olhos enchem-se d’água e o rosto se contrai num choro manso e silencioso.
-         Mulder! – murmura – Ele não está aqui comigo! Mas tenho dentro de mim... dentro de mim... o meu filho!
 
Faz uma pausa e horroriza-se.
-         Meu Deus! O que estou falando? O que significa isso? – quase grita, exclamando essas frases.
O tilintar do telefone desperta-a de seu torpor de horror. Corre a atender.
-         Dana? – ouve, ao colocar o aparelho no ouvido.
-         Oi, papai! – responde, tentando animar-se – Tudo bem com você? Que bom ter ligado!
-         Dana... o que houve?
-         Nada... por que pergunta isso? 
-         A sua voz demonstra um nervosismo fora da conta!
-         Não...
-         Ah, já sei. Esse seu trabalho a deixa desse jeito. É uma pena, filha, que a sua escolha tenha sido essa, mas... ah, deixa pra lá! Sua mãe está aqui do lado e quer lhe falar, tá? Um beijo. Tchau, Starbuck.
-         Tchau, papai.
Dana está quase sentindo-se aterrorizada. Afinal o que poderia explicar ao seu pai sobre o que estava se passando em sua vida?
 
“O pai é o único deus sem ateus na Terra.”
Legouvé