“Diante da vastidão do tempo e da
imensidão do
universo, é um
imenso prazer pra
mim dividir
um planeta e uma época com você.”
Carl
Segan
Capítulo
235
Dana desce os poucos
degraus nervosamente.
Mulder a segue, sem pressa.
Ela abre a porta com raiva e entra. Põe-se no meio do
escritório de braços cruzados. Expressão dura.
Mulder joga-se com força na cadeira em frente à mesa de
trabalho. Toma um lápis e segura-o com as mãos, como se fosse quebrá-lo.
Concentra o olhar no objeto.
-
Mulder...
a sua atitude me deixou um tanto...
-
...
-
... suas palavras sarcásticas não me fazem muito
bem, Mulder. Me dão asco!
Ele a fita, levantando as sobrancelhas.
-
Nossa!
Não precisa tanto! Eu simplesmente cumpri a minha obrigação de livra-la de uma
situação incoveniente. – sorri, levemente.
Ela movimenta-se e vai para a cadeira diante do computador.
Senta-se.
O telefone toca estridentemente, quebrando o silêncio que
se havia formado no ambiente.
-
Alô!
Fox Mulder. – ele atende.
Dana tenta concentrar-se na tela do computador.
-
Não,
mamãe. Eu não vou poder ir até aí nesta semana; tenho vários problemas a
resolver...
Dana ouve essas palavras. Subitamente vem à sua mente uma
cena, que ela, de maneira alguma teria criado,
por acaso, em sua imaginação.
“- Eles a mataram,
Scully! – reclama Mulder, atordoado e com ar sofrido.
Ela senta-se em frente a ele. Fita-o, com fisionomia
concentrada.
-
Sua
mãe suicidou-se, Mulder. Eu fiz a autópsia. Ela estava morrendo! Uma doença
horrível que desfigura e que não tem tratamento. Havia registros de médicos e
ela sabia. E não quis viver mais...
Mulder a fita calado, por alguns segundos, como
que desejando acreditar em suas palavras de consolo. Leva as mãos à cabeça, com
os olhos fechados. Súbito, levanta-se e sacode abruptamente a mesa, tentando
desabafar a sua angústia.
Dana tenta conter-lhe os impulsos.
-
Ela
estava tentando me dizer alguma coisa...! – ele recomeça e joga-se na cadeira,
chorando – Ela estava... tentando... me dizer... – soluça, agora.
E qual um menino, chorando muito, procura abrigo e acalento
entre os braços confortantes de Dana.
Ela cinge-lhe a cabeça, amorosamente, com os braços,
afagando-a, dando o melhor de sua ternura, mantendo encostados os lábios nos
cabelos castanhos dele.”
Neste exato momento Dana sente um forte tremor, que lhe faz
pular da cadeira onde está sentada. Levanta-se, assustada. Resolve sair um
pouco da sala; enquanto abre a porta vê o colega com o fone no ouvido, ainda
falando com sua mãe.
A Agente sai dali. Coloca as mãos sobre os olhos e levanta
a cabeça, como que procurando ajuda do alto.
“Ah, se eu pudesse, neste exato instante, tirar os pés da
terra e deixar-me levar, etérea, pela imensidão do espaço...! Sair deste
mundo o qual já não consigo entender,
mesmo com todo o meu conhecimento...! Não estou agüentando mais isto! –
queixa-se num murmúrio – Que sonhos ou recordações são esses de fatos que nunca
passei?! O que significam, oh, meu Deus?
O ruído do telefone sendo colocado na base faz com que ela
volte-se para de onde viera o som. Entra novamente na sala.
O seu parceiro, cabisbaixo, parece cismar em pensamentos
que infestam sua mente. Aparece isso no seu olhar atormentado. Ele apóia os
cotovelos na mesa. Cabeça entre as mãos.
Dana, mesmo ainda enraivecida pelos fatos acontecidos antes
de retornarem ao Bureau e mesmo chocada com as cenas que lhe vêm à mente
continuamente, percebe que seu parceiro está passando neste momento, por algo
que o atormenta.
Ela, em silêncio, retorna à cadeira junto do computador.
Inconscientemente está compartilhando do estado de tristeza do Agente com quem
partilha o seu dia-a-dia.
* * *
A velocidade do veículo faz passar à vista do Agente as
ruas e avenidas como flashes luminosos. Olha para o lado e vê Dana, atenta ao
que pode ver através da janela.
-
Cansada,
Scully?
-
Naturalmente!
Você não?
-
Depois
de estar naquela base, sinto-me propenso a vagar pelo espaço, na imensidão do
Universo.
-
Hãn...?!
– ela surpreende-se pelo mesmo pensamento que tivera horas atrás; dá um vago
sorriso - Não sei porque não deu
preferência a tornar-se um astronauta ao invés de...
-
...
viver vagando em meio a coisas bizarras...?
Ela apenas sorri, com os lábios fechados.
Ele detém-se a prestar atenção à pista.
Dana, disfarçadamente, observa seu colega. Concentra-se a
pensar o porquê de ficar vendo cenas estranhas em sua imaginação... mas
estranhas...?!
“ Na verdade essa boca, esses lábios sensuais dele... dá-me
a impressão de já terem tocado em mim...!”
- pensa um tanto sem jeito.
Um frenesi faz com que todos os nervos de seu corpo se
retesem. É como se ela tivesse recebido uma carga elétrica.
Imediatamente desvia o olhar para o caminho que o carro
percorre, engolindo a estrada. Percebe que Mulder ainda permanece perturbado,
mesmo passados vários dias após a investigação sobre o que ele achava ser uma
abdução. Não havia se conformado em saber que o rapaz Max fora encontrado
ferido, mas vivo, quando, para sua concepção, ele fora levado por aliens
naquele galpão.
Ela mantém-se quieta, em silêncio. Força a mente para evitar
pensar. Tenta limpa-la de pensamentos o
máximo possível.
-
Tudo
bem, enigmática Agente Dana Scully?
Dana sai, de súbito, de sua concentração. Mulder está
usando o termo com que Max a tratara
quando tiveram contato.
-
Tudo
bem, Mulder.
-
É...?
Não parece.
Dana engole em seco. Sente-se desconfortável. A voz dele
parece penetrar-lhe a alma.
-
Ainda
está chateada comigo?
-
Ah,
Mulder, não quero mais falar sobre isso.
Ele faz um sinal positivo com a cabeça.
Dana fecha os olhos. Não quer conversar.
Mulder percebe e procura concentrar-se sempre na direção do
veículo.
Continuando com os olhos fechados, Dana deixa-se levar
pelos sons que ouve das ruas e o ronco discreto do motor do carro.
-
Dana,
quando você volta, filha? William está sentindo muita falta de você!
-
Aaãn??!!
- ela assusta-se, abrindo os olhos.
-
O
que foi, Scully? – quer saber Mulder.
-
Estranho...!
– passa os dedos na testa.
-
Está
sentindo alguma coisa?
-
Não,
Mulder... eu... não sei, na verdade algo estranho está se passando comigo...!
-
Como
assim?
-
Por
diversas ocasiões eu...
-
Você
o quê...?
Ela finge um sorrido descontraído.
-
Brincadeira.
Nada, não!
Mulder coloca a mão quente sobre o braço dela.
-
Fala.
– pede, com doçura.
-
Bobagem,
Mulder! Imagine! O que poderia ser? Eu estou muito bem!
O parceiro a olha, curioso. Seus olhos pequenos fitam a
figura frágil, porém firme de Dana Scully.
“A curiosidade pela vida alheia nos
afasta de nossos
próprios problemas.”
Marco Aurélio
v