INCÔMODA SIMPLICIDADE
“Toda gente gosta da simplicidade; admira-a;
pouca gente a adota; ninguém a inveja.”
Ségur
Dana entra em seu
apartamento pensativa. Mil indagações em seu cérebro. Sente-se até sem
ânimo. Acende o abajur sobre a mesa de vidro. Verifica se a secretária
eletrônica do aparelho telefônico tem algum recado. Descerra um pouco as
cortinas estampadas.
E continua pensativa. Quer entender aquele pensamento que
lhe viera num repente.
Aliás, não fora apenas um pensamento. Simplesmente tivera
uma visão: vira perfeitamente sua mãe a
lhe falar a respeito de William.
“Ela nunca se refere assim ao meu pai...! Sempre o trata por Bill... William... o que será
que significa isso? Meu irmão Bill? É... bem poderia ser... mas por que eu a vi
dizer que ele está sentindo a minha falta?”
- ela pensa.
Fecha os olhos, franze o cenho. Sente-se nervosa ao
extremo.
O toque do telefone soa estridente. Ela atende.
-
Oi,
mamãe! Estava pensando em você neste instante! – fala.
-
Ora,
pelo menos pensa um pouco na sua mãe! – diz Maggie, fingindo um tom choroso.
-
Mamãe,
se não tenho ido lhe ver mais amiúde é porque realmente estou atolada no
trabalho!
-
Eu
compreendo, filha.
-
Mamãe,
me diga uma coisa: você conhece alguém mais que tenha o nome de William?
Maggie dá uma risadinha.
-
Filha,
além do seu pai e seu irmão, conheço sim...!
-
É...?
-
Não
lembra? Você mesma me disse que o seu colega aí do FBI chama-se Fox William...
-
Ah,
sim! Claro, mamãe! Isso eu sei!
-
Bem,
mas também tem o pai dele!
-
É
verdade. - faz uma breve pausa,
meditando nas palavras que ouve.
-
Dana...?
-
S...
sim, mamãe, estou ouvindo! Eu estava só refletindo aqui um pouco...!
-
Mas
me diga, filha, por que me pergunta isso?
-
Por
quê?
-
Sim.
Dana coça o nariz.
Engole em seco.
-
Hãn...
é uma idéia somente...!
-
Idéia?!
-
É.
Não ligue. Sua filha tem trabalhado tanto, que anda meio biruta. Acredite.
* * *
Mulder e Dana haviam, realmente, tido um dia atribulado.
A investigação realizada, além de intrigante e bizarra,
havia deixado em ambos um traumático sentimento de completa impotência.
Não saíra da memória de Dana a forma como se vira
praticamente dopada por aquele homem estranho, o qual fizera com que ela se
tornasse um joguete em suas mãos. Sente-se, ainda, horrorizada, até agora. Sabe
que estivera entorpecida em seus sentidos. Felizmente Mulder a resgatara
daquele horrível lugar.
No carro, com Mulder dirigindo, Dana está olhando através
do vidro fechado da janela; nada lhe chama a atenção, porém. Sente, ainda, o
enjôo, o terrível mal estar que havia lhe tomado o estômago e o corpo, como se
a presença daquele homem vestido de preto, o que chamavam de Irmão Andrew, do
qual sentira tanto nojo e medo,
estivesse diante de seus olhos.
Observa o seu parceiro. Olha de soslaio na direção dele.
Está calado. No seu jeito circunspecto. As rugas
delineiam-se em sua testa. Sinal de preocupação.
Dana sente que ele está concentrado em algo que o
desagrada. Ela suspira profundamente. Leva a mão à testa e esfrega-a; quer
retirar de sua mente a cena na qual Mulder a pegara em flagrante, no quarto
escuro e fétido.
“- E eu a peguei quase fazendo sexo com aquele cara!:”-
dissera Mulder na ocasião.
Ela sente que não deve mais ficar remoendo esses
pensamentos, no que poderia ou não ter
acontecido.
Mulder volta-se para ela, neste momento.
-
Dana...
“Dana... – ela
pensa – ... gosto quando ele me chama assim.” – fita-o, em seguida, esperando
suas palavras.
-
...
eu, não suporto ver nada, nem ninguém que queira tocar em você.
Ela abre muito os grandes olhos azuis.
-
Como
disse?! – pergunta, surpresa.
-
Isso
que você ouviu.
Ela remexe-se no banco do veículo.
-
Mulder,
você já mediu suas palavras? Sabe o significado delas?
Ele não responde. Apenas faz um bico com os lábios. Calado.
Dana sente-se incomodada.
-
Mulder,
você está agindo como se eu fosse propriedade sua! Sente isso?
Ele a fita.
Os olhos verdes agora refletem a luz que vem dos postes de
iluminação na rua.
E ela, nota, então, que eles estão acinzentados. Sinal de
que seu parceiro está aborrecido. Remexe-se, novamente, nervosa.
-
Mulder,
você prestou atenção nas palavras que me disse?
-
Desculpe,
Scully...
-
Desculpar...?!
Mulder, você está levando a coisa pra outro caminho! Está se sentindo meu dono!
Uma buzinada insistente faz os dois pararem a conversa.
-
Não
ta bom da idéia, seu barbeiro? Tomou todas, é?
A voz esganiçada de um motorista soa, enraivecida, em
direção dos dois Agentes. E o homem, dirigindo com bastante velocidade,
ultrapassa o carro de Mulder pela direita, quase raspando a lataria do seu
veículo.
-
Mulder,
você quase bateu no carro do sujeito! – fala, atemorizada.
-
Você
não viu que ele é que está errado?
O silêncio agora toma conta do espaço do veículo. Nenhum do
dois quer iniciar uma nova tentativa para uma conversa informal.
Alguns minutos depois, ele estaciona.
-
Já
chegamos. Boa noite, Scully.
Ela pega a maçaneta da porta para abri-la. Permanece
parada.
-
Mulder,
você devia descer pra conversarmos um pouco. Acho-o um tanto estressado. E você
tem que reconhecer é que eu é quem deveria estar assim.
-
Só
se for pra trocar idéias de como aquele grupo estranho conseguiu fazer descer
um OVNI naquele campo de feno! – responde, na sua incômoda simplicidade.
-
OVNI...?!
– ela faz um semblante incrédulo.
-
Seja
o que for, Scully, odeio aquela turma de estranho, inclusive aquele que a levou
para aquele quarto! – fala baixo essas últimas palavras, demonstrando raiva. –
aperta os olhos e fita sua colega.
-
Mulder,
você...
Ele olha o relógio.
-
Estou
atrasado, Scully. Por favor, preciso ir.
-
Ah,
desculpe. – abre a porta para sair – É... algum encontro?
-
Sim,
as a sérviço. Phoebe Green.
-
A detetive da Scotland Yard?
-
Sim.
-
Ela
ainda não foi embora?
-
Resolveu
ficar pra completarmos um relatório. – ele olha novamente o relógio.
-
Sei...
– ela coloca a ponta da língua num canto da boca e levanta as sobrancelhas –
Não estava o caso já concluído, Mulder?
Ele olha para a rua. Não responde.
Dana sai e bate a porta do carro.
Mulder arranca com o veículo, rapidamente.
“Não olhe o relógio, mas
faça como ele;
continue
andando para a
frente.”
Sam Levenson