INCÔMODA SIMPLICIDADE

 

 

“Toda gente gosta da simplicidade; admira-a;

pouca gente a adota; ninguém a inveja.”

Ségur

 

Capítulo 236

 

Dana entra em seu  apartamento pensativa. Mil indagações em seu cérebro. Sente-se até sem ânimo. Acende o abajur sobre a mesa de vidro. Verifica se a secretária eletrônica do aparelho telefônico tem algum recado. Descerra um pouco as cortinas estampadas.

E continua pensativa. Quer entender aquele pensamento que lhe viera num repente.

Aliás, não fora apenas um pensamento. Simplesmente tivera uma visão: vira  perfeitamente sua mãe a lhe falar a respeito de William.

“Ela nunca se refere assim ao meu pai...! Sempre  o trata por Bill... William... o que será que significa isso? Meu irmão Bill? É... bem poderia ser... mas por que eu a vi dizer que ele está sentindo a minha falta?”   - ela pensa.

Fecha os olhos, franze o cenho. Sente-se nervosa ao extremo.

O toque do telefone soa estridente. Ela atende.

-         Oi, mamãe! Estava pensando em você neste instante! – fala.

-         Ora, pelo menos pensa um pouco na sua mãe! – diz Maggie, fingindo um tom choroso.

-         Mamãe, se não tenho ido lhe ver mais amiúde é porque realmente estou atolada no trabalho!

-         Eu compreendo, filha.

-         Mamãe, me diga uma coisa: você conhece alguém mais que tenha o nome de William?

Maggie dá uma risadinha.

-         Filha, além do seu pai e seu irmão, conheço sim...!

-         É...?

-         Não lembra? Você mesma me disse que o seu colega aí do FBI chama-se Fox William...

-         Ah, sim! Claro, mamãe! Isso eu sei!

-         Bem, mas também tem o pai dele!

-         É verdade. -  faz uma breve pausa, meditando nas palavras que ouve.

-         Dana...?

-         S... sim, mamãe, estou ouvindo! Eu estava só refletindo aqui um pouco...!

-         Mas me diga, filha, por que me pergunta isso?

-         Por quê?

-         Sim.

Dana coça o nariz.  Engole em seco.

-         Hãn... é uma idéia somente...!

-         Idéia?!

-         É. Não ligue. Sua filha tem trabalhado tanto, que anda meio biruta. Acredite.

 

*  *  *

Mulder e Dana haviam, realmente, tido um dia atribulado.

A investigação realizada, além de intrigante e bizarra, havia deixado em ambos um traumático sentimento de completa impotência.

Não saíra da memória de Dana a forma como se vira praticamente dopada por aquele homem estranho, o qual fizera com que ela se tornasse um joguete em suas mãos. Sente-se, ainda, horrorizada, até agora. Sabe que estivera entorpecida em seus sentidos. Felizmente Mulder a resgatara daquele horrível lugar.

No carro, com Mulder dirigindo, Dana está olhando através do vidro fechado da janela; nada lhe chama a atenção, porém. Sente, ainda, o enjôo, o terrível mal estar que havia lhe tomado o estômago e o corpo, como se a presença daquele homem vestido de preto, o que chamavam de Irmão Andrew, do qual sentira tanto nojo  e medo, estivesse diante de seus olhos.

Observa o seu parceiro. Olha de soslaio na direção dele.

Está calado. No seu jeito circunspecto. As rugas delineiam-se em sua testa. Sinal de preocupação.

Dana sente que ele está concentrado em algo que o desagrada. Ela suspira profundamente. Leva a mão à testa e esfrega-a; quer retirar de sua mente a cena na qual Mulder a pegara em flagrante, no quarto escuro e fétido.

“- E eu a peguei quase fazendo sexo com aquele cara!:”- dissera Mulder na ocasião.

Ela sente que não deve mais ficar remoendo esses pensamentos, no que poderia ou não  ter acontecido.

Mulder volta-se para ela, neste momento.

-         Dana...

“Dana...  – ela pensa – ... gosto quando ele me chama assim.” – fita-o, em seguida, esperando suas palavras.

-         ... eu, não suporto ver nada, nem ninguém que queira tocar em você.

Ela abre muito os grandes olhos azuis.

-         Como disse?! – pergunta, surpresa.

-         Isso que você ouviu.

Ela remexe-se no banco do veículo.

-         Mulder, você já mediu suas palavras? Sabe o significado delas?

Ele não responde. Apenas faz um bico com os lábios. Calado.

Dana sente-se incomodada.

-         Mulder, você está agindo como se eu fosse propriedade sua! Sente isso?

Ele a fita.

Os olhos verdes agora refletem a luz que vem dos postes de iluminação na rua.

E ela, nota, então, que eles estão acinzentados. Sinal de que seu parceiro está aborrecido. Remexe-se, novamente, nervosa.

-         Mulder, você prestou atenção nas palavras que me disse?

-         Desculpe, Scully...

-         Desculpar...?! Mulder, você está levando a coisa pra outro caminho! Está se sentindo meu dono!

Uma buzinada insistente faz os dois pararem a conversa.

-         Não ta bom da idéia, seu barbeiro? Tomou todas, é?

A voz esganiçada de um motorista soa, enraivecida, em direção dos dois Agentes. E o homem, dirigindo com bastante velocidade, ultrapassa o carro de Mulder pela direita, quase raspando a lataria do seu veículo.

-         Mulder, você quase bateu no carro do sujeito! – fala, atemorizada.

-         Você não viu que ele é que está errado?

O silêncio agora toma conta do espaço do veículo. Nenhum do dois quer iniciar uma nova tentativa para uma conversa informal.

Alguns minutos depois, ele estaciona.

-         Já chegamos. Boa noite, Scully.

Ela pega a maçaneta da porta para abri-la. Permanece parada.

-         Mulder, você devia descer pra conversarmos um pouco. Acho-o um tanto estressado. E você tem que reconhecer é que eu é quem deveria estar assim.

-         Só se for pra trocar idéias de como aquele grupo estranho conseguiu fazer descer um OVNI naquele campo de feno! – responde, na sua incômoda simplicidade.

-         OVNI...?! – ela faz um semblante incrédulo.

-         Seja o que for, Scully, odeio aquela turma de estranho, inclusive aquele que a levou para aquele quarto! – fala baixo essas últimas palavras, demonstrando raiva. – aperta os olhos e fita sua colega.

-         Mulder, você...

Ele olha o relógio.

-         Estou atrasado, Scully. Por favor, preciso ir.

-         Ah, desculpe. – abre a porta para sair – É... algum encontro?

-         Sim, as a sérviço. Phoebe Green.

-         A detetive da Scotland Yard?

-         Sim.

-         Ela ainda não foi embora?

-         Resolveu ficar pra completarmos um relatório. – ele olha novamente o relógio.

-         Sei... – ela coloca a ponta da língua num canto da boca e levanta as sobrancelhas – Não estava o caso já concluído, Mulder?

Ele olha para a rua. Não responde.

Dana sai e bate a porta do carro.

Mulder arranca com o veículo, rapidamente.

 

“Não olhe o relógio, mas

faça como ele;   continue

andando para   a frente.”

Sam Levenson