O HOMEM DE MINHA VIDA
 
“O homem é aquela criatura sem lógica
que quer um ambiente doméstico  num
hotel e um serviço de hotel em casa.”
André Barucci
 
Capítulo 238
 
O olhar atento da Agente percorre o ambiente quieto. Sua mão ágil já arrancara de dentro do  bolso do blazer a pistola.
-         Mulder!! – exclama, em alta voz.
-         Desculpe, Scully. – fala, em voz calma.
-         Quase me mata de susto!
Ele está sentado, apoiando o cotovelo no braço da poltrona, enquanto segura com a mão a cabeça. Semblante  tranqüilo.
Dana vai retirando o blazer.
-         Que achou da companhia? – ele pergunta, de chofre.
-         O quê?! – não entende.
-         Ou então o jantar, se prefere.
-         Mulder! O que significa...?
Ele endireita-se na poltrona.
-         Como um rejeitado, acompanhei tudo de longe.
-         Acompanhou... tudo?! Você estava me seguindo, Mulder?
-         Seguindo...? Eu...? Não, apenas eu estava...
-         Vamos parar com isso!  - exaspera-se – Eu já não estou mais entendendo você! De repente passou a vigiar-me, como se tivesse...
-         ... o direito de faze-lo! – ele completa.
Ela não retruca, porém, como deveria. Põe-se a olhar fixo a vidraça da janela da sala, com ar zangado.
-         Bem, Scully, minha parceira cética, já vou livra-la da minha presença. – levanta-se – Estou indo!
-         E você diverte-se, repetindo as frases idiotas que ouve de seus não menos amigos...
-         ... idiotas...?
-         Como o seu amigo Frohike.
-         Vou apresenta-lo novamente a você, Scully. Aquele é o Langly.
-         Aahn... – é só o que ela murmura.
-         Ora, deixa ele, Scully. É exatamente o que você passa quando está diante dos outros. – enquanto fala, vai se encaminhando para a saída.
-         Mulder, você veio aqui só pra me dizer que anda vigiando meus passos?
Sem voltar-se, ele pára.
-         Não... vim também pra dizer que você não é assim uma boa investigadora das minhas saídas.
-         O quê?! – espanta-se.
Ele volta-se e sorri.
-         É. Você seguiu-me tão bem que julguei que iria mesmo descobrir onde eu estava.
Dana está paralisada. Seus olhos azuis muito abertos, denotam a surpresa em que ela se encontra.
-         Mulder, eu... eu precisava lhe falar algo, mas não consegui encontra-lo. Foi isso!
-         Não se desculpe, Scully. Olha, sabe de uma coisa? A Phoebe nunca imaginaria que eu lhe disse que me encontraria com ela esta noite.
Dana arranca, com raiva, os sapatos dos pés e joga-os no chão.
-         Mulder, eu não admito que me fale assim!
-         Não fique zangada, Scully.    coça o nariz e dá uns passos pelo aposento – Quando você entrou no escritório eu fui para o banheiro. Você ficou alguns minutos e depois veio embora.
-         Inacreditável! – ela faz ar de admiração, cruzando os braços  – O Agente Especial Fox Mulder gosta de brincar de esconde-esconde com sua parceira!
Ele dá uma risada discreta.
-         Tem um  porém nessa sua história, Mulder! 
-         Por quê?
-         Tinha um brinco lá na mesa do escritório...
Mulder fita-a, dizendo com seu peculiar ar sarcástico:
-         Eu tinha resolvido furar a orelha.
Ela faz um ar de ira.
-         Você não estava de saída, Mulder? – joga a pergunta, irada. 
-         Claro. – volta-se para a saída do apartamento.
Dana caminha, a fim de ir para o outro aposento. Súbito, sem lembrar de que havia jogado os sapatos no chão, neles tropeça; seu corpo perde o equilíbrio e ela é atirada contra a poltrona, batendo com as costas num de seus braços e desliza para o chão.
Imediatamente os braços de Mulder amparam-na; carrega-a para o sofá. Cuidadosamente deita-a ali.
Ela dá um discreto gemido.
-         Machucou-se? – ele pergunta, passando a mão no braço dela.
-         Não é nada. Estou bem. – fala, com voz trêmula.
-         Vou buscar um pouco d’água. – levanta-se e sai da sala.
Dana, numa careta de dor, massageia as costelas, tentando amenizar o efeito da pancada.
Mulder reaparece com o copo d’água. Agacha-se junto ao sofá e  a faz beber a água, como uma criança.
-         Vamos, beba.
Ela toma o copo entre as mãos. Bebe um gole.
Os olhos de ambos se encontram.
Há uma indagação, uma compreensão mútua entre eles. Entrosam-se. Conhecem-se. Aceitam-se. Embora isso seus donos não admitam.
-         Scully... – murmura.
-         Sim...?
-         O brinco era da Phoebe, sim, mas eu o achei quando saímos daquela mansão incendiada. Depois disso não a vi mais.
-         Por que está me dizendo isso, Mulder?
-         No íntimo você queria saber, não é?
Continuam fitando-se.
Logo Mulder levanta-se.
Dana sente que não dá para esconder seus sentimentos de ciúme e desconfiança nas palavras dele.
-         Mulder...?
Ele volta-se para olhá-la.
-         Você está usando um novo perfume? – ela pergunta, disfarçando, para não deixa-lo notar que a pergunta está cheia de ansiedade.
-         Este? – enfia a mão no bolso – Minha mãe resolveu comprar pra me dar de presente, mas é que...
-         Sei... é fragrância feminina. – completa ela.
O parceiro dá um sorriso significativo. Havia entendido a suspeita da Agente ao fazer essa pergunta.
Os pensamentos de Dana voltam-se para o dia anterior em que estava ao lado do seu parceiro, no carro, enquanto aguardavam o sujeito passar na estrada com o caminhão suspeito de carregar uma entidade biológica extraterrestre.
Inclusive ela não gostara nada quando Mulder lhe falara:
 
“- Remotamente plausível é alguém achar você quente.”
 
“Que desaforo! – ela pensa – Mas ali, dentro do carro com ele adormecido, aquela estranha sensação de que somos mais que colegas, dominou-me novamente. Era como se estivesse por várias vezes estado junto a ele em seus momentos de sono. Me vejo como se já estivéssemos na... cama! – coloca a mão no peito, sentindo o acelerar do coração – Eu o sinto como se ele fosse o homem da minha vida...!”
-         Aaah...! – ela geme alto, saindo desses pensamentos.
-         Está com dor?
-         É... um pouco... mas vai passar.
-         Deixe eu massagear suas costas.
-         Não, Mulder, obrigada! Não precisa.
-         Tudo bem. – ele afasta-se.
Dana levanta-se, esfregando, com a palma da mão aberta, um lado das costas, enquanto encaminha-se para a porta de saída.
 
“A dor não tem remédio para
quem sofre pelo que ama.”

Jacques Chardonne