QUASE À M0RTE
“A morte é um sono sem sonhos.”
Napoleão
Capitulo 240
Mulder, olhando para a TV à sua frente, de vez em quando cerra as pálpebras. Pega as almofadas do sofá com mãos firmes, levando-as contra sua cabeça atordoada. Sente um imenso nervoso. De repente é como se a solidão o maltratasse.
Olha à volta; as quatro pequenas mesas na sala, a cortina escura; a estante no canto junto à janela; ali perto o computador; as cartas do baralho espalhadas sobre a mesa baixa junto ao sofá negro...
Tudo isso o incomoda neste momento. Não sabe o porquê sente um tremendo vazio na alma e esse ambiente já não é o que o agrada. Parece que não lhe pertence agora. Por quê? Não sabe. Estranha sensação.
Só entende que está abatido: emagrecera alguns quilos, desde que estivera no hospital, em quarentena.
Seus pensamentos vão para Scully.
“Pobre Scully! Esteve também internada, quase à morte. E eu disse a ela que seria um divertido passeio na floresta...!” – pensa ele, sentindo o peso do remorso a corroer-lhe a alma.
Levanta-se. Vai até a cozinha. Coloca um pouco de chá gelado num copo. Prova o seu conteúdo. Fica parado, observando os azulejos claros da parede. Em sua mente perturbada e acusadora, deseja saber como está sua parceira de trabalho. Ele havia deixado o hospital e ela tivera que permanecer por mais alguns dias.
“Pobre Dana! Quanto me arrependo de tê-la convencido a ir comigo para aquela floresta!” – fala consigo mesmo.
Fecha a geladeira. Larga o copo sobre a pia. Retorna à sala. Seus olhos vão direto para o telefone. Dirige-se até o aparelho. Pega-o e digita um número.
- Alô. – atende a fraca voz do outro lado da linha.
- Oi, Scully! Como está?
- Estou conseguindo sobreviver, Mulder.
- Scully... como hoje é sábado, estou sem nada pra fazer aqui... posso te ver?
- Tudo bem. – murmura, apenas.
- Não parece estar disposta a receber visitas...!
- Desde quando você é visita?
Ele sorri, para dizer:
- Scully, vou até aí. Tchau.
* * *
Dana sente-se horrivelmente sem forças. O mal-estar que a incomoda, impossibilita-a de fazer as coisas que necessita dentro de casa. Mas tem a obrigação de faze-las. Vai até a janela e descerra as cortinas. Toma uma pequena escada de abrir. Com uma vasilha com água à mão, sobe para molhar a planta sobre a estante. Desce após isso.
Umas pancadinhas na porta de entrada a faz dirigir-se para lá. Abre-a
Mulder está parado e um pouco sorridente.
- Hum, veio visitar-me tão formalmente...! – ela diz.
- É... uma visita de amizade e pedido de desculpas. – apresenta a ela um buquê de flores.
- Ah, Mulder, obrigada! – logo repara no que ele dissera – Desculpas...? Por quê fala isso?
Ele dirige-se para uma das poltronas listradas da sala. Senta-se.
- Scully, eu sou o responsável por deixa-la ficar naquele estado deplorável.
- Mas que bobagem, Mulder! Você também quase encontrou a morte!
- Sim, mas se eu não tivesse insistido para que você fosse até aquela floresta comigo, não estaria agora desse jeito!
Ela olha seu próprio corpo pequeno e magro.
- Eu não queria vê-la assim, Scully! Sinto muito.
- Não se preocupe. Agora estou bem. – leva o ramalhete de flores ao nariz – Lindas flores, obrigada.
- “Eu as tomei de um aleijado... “
- O quê, Mulder? Disse alguma coisa?
- Agora não. Por quê...?
- Nada, não...
Dana percebe que fora puramente sua imaginação que a fez ouvir essa frase.
“Começou tudo de novo! – preocupa-se, pensando – É como se ele me tivesse dito essa bobagem... essas palavras em outra ocasião.”
- Vou fazer um chá pra nós. – fala, em seguida, justamente para esquecer o incidente.
- Não, não se preocupe, Scully... não precisa!
- Mulder, eu quero fazer também pra mim. Pode deixar.
Ela dirige-se à cozinha. Retira do armário a chaleira para o chá. As ervas numa caixinha.
Mulder entra no ambiente, em seguida.
- Scully, às vezes fico pensando se você não está se sentindo desgastada em trabalhar comigo.
Ela vira-se para olhá-lo.
- Como desgastada? Esse é o meu trabalho também! Eu sei que nós dois passamos por várias situações desagradáveis, mas são as circunstâncias, pois qual é o trabalho que não tem os seus momentos em que tudo dá errado? - pega duas xícaras e o açucareiro.
Mulder está sentado ao lado da mesa.
Dana aproxima-se. Fica parada, fitando-o, ali.
- Oh, meu Deus! – exclama, de repente.
- O que foi, Scully? – ele indaga, vendo-a com o semblante abatido.
Ela não responde.
A cena foi perfeita em sua mente.
O seu parceiro, Mulder, ali mesmo, naquele lugar, sentado.
Um ferimento está em sua testa.
E ela, Dana Scully, passando um pedaço de algodão com medicamento no ferimento. Ele faz caretas, com dor, sentindo a ardência na ferida aberta em sua testa.
De súbito, as luzes do apartamento se apagam.
- Aaah, Mulder!! – grita Dan.
- Calma, Scully.
- Não deixe que me ataquem, Mulder! Não!! – em desespero, sacode a cabeça, tapando o rosto cm mãos crispadas.
Mulder tateia os objetos ao seu redor. Caminha na escuridão, para acha-la.
- Mulder!!
- Scully..., calma! – ele fala alto e segura-a entre os braços.
Dana está em prantos.
Ele a segura fortemente. Sente-a soluçar, sacudindo o corpo junto ao seu peito. Desliza as mãos sobre os cabelos dela.
- Scully, ouça... você está em casa! Aqui não há aqueles malditos insetos, Scully!
Ela continua a chorar.
A luz, neste instante, volta às lâmpadas da cozinha.
- Scully, olha! Já chegou a luz!
Ela abre os olhos, tentando ver entre as frestas formadas pelos dedos das mãos em seu rosto.
- Scully, olha! Pára com isso! Veja a luz! – ele retira-lhe as mãos nervosas do rosto.
- Onde estão? – pergunta, amedrontada.
- Não tem nada aqui! Estamos no seu apartamento! Não naquela maldita floresta! Por favor, olhe! – ele a ajuda a sentar-se.
Dana coloca os braços dobrados sobre a mesa e a cabeça sobre eles.
- Scully, não chore mais... veja! Sua cozinha, sua casa! Estamos aqui, Scully!
Ela, enfim, levanta a cabeça. Os olhos azuis cheios de lágrimas e a face molhada.
- Mulder... eu não quero ficar assim... uma mulher traumatizada...
Ele a afaga, docemente.
- E não vai lhe acontecer mais essas coisas, Scully... calma... eu estou aqui...!
Ela levanta o rosto para olhá-lo.
- Obrigada, Mulder. Eu não sei o que faria se estivesse sozinha aqui.
- Não se preocupe mais com isso. Não deve acontecer mais... nunca mais!
Agora ela levanta-se, decidida.
- Vou fazer o chá.
- Nem pense! Agora quem vai fazer sou eu! – anuncia ele.
Coloca a água fumegante nas xícaras, que já tem as ervas dentro.
A leve fumaça espalha-se após sair das xícaras.
Dana fica olhando. Uma lágrima ainda escapa de seus olhos, escorrendo-lhe pela face.
“A lágrima é a irmã triste do sorriso.”
Alfred de Musset