NÃO MAIS DISCUTIR
 
“As discussões são os escolhos da amizade.”
Edmundo de Amicis
 
Capítulo 243
 
Com seus habituais passos pesados e decididos Mulder, após sair do elevador, desce, rapidamente os poucos degraus que o dirigem para o escritório no porão.
Coloca a chave na fechadura e a porta já está destrancada. Dá de ombros com a surpresa. Olha o relógio: 21:35 horas.
Entra e estaca, logo após bater a porta. 
Na cadeira diante da mesa de trabalho, Dana, de pernas cruzadas, lê uma revista.
Mulder aproxima-se.
Ao ouvir os passos dele, Dana pára de desfolhar a página da revista e o olha.
-         Scully!! Nove e meia da noite e você aqui no escritório?!
Ela insinua um leve sorriso.
Ele achega-se e toca-lhe um ombro.
-         Está sofrendo de insônia, Scully? Um chazinho de camomila ajudaria, não?
Ela levanta a cabeça para fitá-lo.
Ele levanta a mão.
-         Ah... casca de maça e erva cidreira... para completar. 
Fitam-se por alguns segundos.
Mulder quebra o silêncio, pegando o queixo de sua parceira.
-         Sabe o Roland?
-         O de nossa última investigação? O que houve?
-         Ele contou, num relance, quantas estrelas tinha naquela sua blusa, lembra?
-         Sim...?
-         E eu... – pára de falar e fita-a mais intensamente - ... eu...
-         Você o quê, Mulder?
-         Eu não consigo decifrar toda a indagação que existe no seu olhar...!
-         Indagação...?!
Ele sorri, olhando-a, ainda.
Dana levanta-se. Desvia o olhar do dele.
-         Bem, Mulder, seus dotes psicológicos não surtem efeito satisfatório em mim, notou? – e põe à mostra todo o seu disfarce de que não está nem aí para as frases galanteadoras dele – E quero lhe falar, Mulder, que, embora aceitando suas opiniões sobre o comportamento doentio do Roland, minha teoria é de que, realmente aquele homem, embora doente, é o real assassino.
-         Mas Scully, era a cabeça do irmão dele congelado por processo criogênico que comandava a mente do Roland!
-         Ah, vamos Mulder... aquele sujeito praticava os assassinatos porque isso está dentro de sua consciência má!
-         Não e não! – ele dá uma volta pelo aposento e retorna para perto dela – Você teve a prova de que aquela cabeça do Grable manipulava o coitado do Roland!
-         Me convença...  – fala em tom baixo - ... se for possível!
-         Tá, Scully, não vamos discutir mais sobre isso, minha enigmática parceira. Esqueçamos isso!
Ele faz um sinal com a mão, como uma despedida. Sai dali a passos largos.
Dana fecha os olhos. Sente-se indignada.
“Por  que eu tenho que agir assim com ele? Por quê? – pensa, chateada.
Enraivecida consigo mesma, apaga as luzes. Dirige-se para a porta. Sai e tranca-a, com um suspiro profundo.
Sobe, lentamente os degraus e segue o corredor para esperar o elevador. Não se sente bem. Sempre o mal-estar que gera a cada discordância com o seu amigo a revolta.
Revolta-a porque, dentro da Agente Especial Dana Scully, habita o ceticismo, a intolerância aos pensamentos surreais do seu colega de trabalho.
Porém dentro da Dana Katherine Scully, mulher, sente o quanto quer bem ao seu parceiro. E esse bem pode ser retratado quase como... amor.
Ela desce até a garagem do prédio. Chega até seu carro. Quer ir para casa. Logo. Descansar de tudo. A mente e o coração.
*   *   *
Mulder chegara em casa. Ao seu solitário e silencioso apartamento.
Já tomara um relaxante banho. Preparara um sanduíche frio para disfarçar a fome.
Agora, deitado em seu sofá de couro negro, com os olhos cansados querendo detectar as imagens que passam na tela da TV, que vão e vem rapidamente em sua retina. Suas pálpebras pesadas fecham-se neste instante. Está quase sendo transportado para o mundo desconhecido do sono, quando o tilintar nervoso do telefone o faz abrir os olhos. O aparelho chama três vezes. Entra a voz na secretária eletrônica:
-         Mulder, por favor, se estiver aí, atende! – a voz demonstra aflição.
Num pulo Mulder põe-se de pé; pega o telefone.
-         Mulder, sou eu, Scully! – insiste a chamada.
-         Oi, Scully. – ele fala, atendendo.
-         Ah, Mulder... é que você saiu tão aborrecido do Bureau, que eu achei melhor pedir-lhe desculpas.
-         Você...? Pedindo desculpas, Scully? – Escuta... você está bem?
Ela não responde.
-         Ta bem, minha enigmática parceira. Está desculpada. Ok. Tenha bons sonhos esta noite, tá?
-         Mulder... Mulder!!
-         O quê...?
-         Não desliga! Por favor!
-         Tudo bem... pode falar, Scully.
-         Você... poderia vir até aqui?
-         Hoje, ainda...?
-         Sim...
-         Está acontecendo alguma coisa?
-         Não, não! Estou bem, é que... precisamos compartilhar nossas preocupações.
-         Certo. – cala-se um momento – Eu faço uma proposta.
-         Qual?
-         Sairmos um pouco.
-         Mulder... está frio!
-         Se não quer...
-         Não! Certo! Tudo bem. Vou me arrumar.
-         Ok. Logo chego aí.
Ele desliga . Seus lábios distendem-se num leve sorriso. Satisfeito.
Scully.  Só de tê-la no pensamento todo o cansaço da lida do dia nesse momento é plenamente posto de lado. O desejo de estar mais algumas horas com sua parceira percorre-lhe as entranhas. Sente um frêmito de prazer.
 
“As nossas  dores representam séculos:
os nossos prazeres, relâmpagos.”

Lemontey