PALAVRAS SUSSURRANTES
 
“A palavra foi dada ao homem 
para dissimular os pensamentos.”
Talleyrand
 
Capítulo 245
 
Ainda movimentando-se mansamente, ao som da dolente música, deixam extravasar seus anseios em palavras sussurrantes.
- Eu te quero tanto....! – ele diz, num murmúrio.
- E eu não posso viver sem você... nunca! E mesmo que as circunstâncias nos separem, eu ainda sou sua e serei sempre!
- Mas um dia todos esses empecilhos cessarão e poderemos viver nossa vida juntos,  sem impedimentos, nem sensação de culpa.
- Sei... mas... quando? Quando...? – ela chora.
Ele a aperta mais contra si.
- Não... não fique assim... sei que nesses raros momentos em que podemos estar juntos, é que temos a mais absoluta certeza de
  que jamais deixaremos de nos amar.
- E por que todo esse sofrimento? Se desde aquele início não tivéssemos ouvido as absurdas exigências com que nos cercaram, 
certamente poderíamos agora estar desfrutando de plena felicidade e não estar assim, amando-nos às escondidas...
- Shiiiii... não fale sobre isso,  porque naquela época o que contava era unicamente o dinheiro, o vil metal, do qual precisávamos
 para sobreviver, tanto eu quanto você...
- ... e diante daqueles malfadados argumentos fomos obrigados a viver no sofrimento... até hoje! – ela chora, ainda.
- Não... não chore! – levanta-lhe o rosto, segurando-o pelo queixo trêmulo – olhe, sinta... estamos aqui agora... juntos!
- Mas vai ser sempre assim?
- Não, não agora. Mas um dia esse tormento cessará!
- Não tenho certeza disso.
Calam-se. Ele a cola em seu peito, enquanto continuam ao compasso da melodia suave.
- Como está conseguindo enfrentar seus dias? – ele recomeça.
- Você usou o termo correto. Eu, realmente, enfrento o meu dia-a-dia. Tento faze-lo com garra, mas na maioria das vezes sinto
 comiseração por mim mesma por me saber tão infeliz! – olha-o nos olhos – E você?
- Eu...? Na hipocrisia de uma vida irreal, sem compreensão, nem apegos. Vou, como você, enfrentando as amarguras, no trabalho
 incessante que procuro fazer, pra não me ligar muito nessa minha desdita.
- Eu... sinto que não estou agüentando mais viver em eterna angústia... preciso renovar minha vida... me ajuda...! 
Ele pára seus passos, ainda enlaçando-a nos braços.
- E o que poderíamos fazer? Largar tudo? Largar a ilusão de nossas vidas truncadas pela infelicidade de um relacionamento enganoso?
E falam muito de perto. Face a face.
- Eu não sei... eu não sei...! – ela diz, com olhar suplicante.
- Só os momentos em que podemos estar assim é que compensam a nossa vida angustiada... – ele sussurra, procurando encostar os
 lábios nos dela.
- Eu te amo... te quero... – e entreabre os lábios rosados, esperando o beijo que vai chegar.
Os fortes latidos de um cão os assustam.
O casal separa-se, afastando-se um pouco.
- Mulder...? –  chama, meio intrigada.
- Scully... o que houve?
- O que houve...? Eu não sei dizer... de repente é como se eu estivesse noutro lugar...
- Sim... eu também senti essa sensação, Scully.
- Estranho... – ela sussurra.
E tive a impressão de que algo ou alguém falava por mim... uma sensação esquisita...!
- Mulder... eu tive essa mesma sensação de que... não era eu... falando com alguém desconhecido...me senti estranhamente levada a
 murmurar coisas que não me vêm à mente agora.
Mulder a aperta contra si, sorrindo.
- Ora veja só, Scully... o que está acontecendo com a gente, hein? Afinal nós estamos aqui pra curtir esse lugar diferente, esse contato
 com a natureza, importante pra nós, que vivemos nossa rotina de responsabilidades e perigo.
- Hum, hum. – ela confirma.
Mulder aspira inebriado o perfume que emana dos cabelos dela.
- Eu queria ter o poder... – cessa de falar.
- ... de quê, Mulder? – ela interrompe quase sem vontade; está adorando sentir o corpo dele junto ao seu.
-... de nunca vê-la triste, com esses belos olhos cheios de lágrimas... Scully, me diga... por que está chorando?
- Não, Mulder! Não estou ...! – hesita em responder – Eu...
- Fala, Scully...! – sussurrando – Saudade de alguém?
- Saudade...? – não sabe ao certo; em seu coração há fagulhas de um sofrimento que lhe abate nas chamas de uma paixão incongruente,
 que não consegue entender e os braços aconchegantes de Mulder lhe fazem retornar àquela terrível e espinhosa impressão de que já se
 amaram ... em outros tempos  - Ai, eu não sei o que se passa comigo!  – geme, então.
Ele afasta-a um pouco de si. Olha-a por alguns segundos. Desprende-se dela e aproxima-se de uma árvore que está próxima dali. Colhe
 frutos na mão. Retorna até onde Dana está.
- O que são, Mulder?
- Não conhece? – ele mostra as mãos abertas cheias com as pequenas e roxas  frutas.
- Amoras!? – ela tira duas delas e coloca-as entre os dentes.
Mulder fica a admira-la, absorto.
- O que foi, Mulder? – pergunta, sorrindo.
- É que vendo você assim, ao clarão do fogo, me dá a impressão de ser uma fada.
- Ooooooo, estupenda imaginação! Mas sabe Mulder, foi bom virmos aqui porque depois daqueles dias chatos que me fez passar, finalmente
 é um alívio ver que você está bem e agindo normalmente.
- Mas do que você está falando? – pergunta, curioso.
- Quando você passava por mim nos corredores do Bureau e fingia não me ver, eu me sentia terrivelmente mal e frustrada!
- Entendo, Scully, mas você sabe que eu...
... sim, sei que você explicou que estava sendo vigiado. – ela caminha, levantando as mãos – Tudo bem, tudo bem! – Mulder sabe...? 
- O quê – diz, comendo uma amora.
- Você é um sujo!!
- Como é que é...??!! – pára de mastigar,  com a mão segurando a fruta no ar.
Dana dá uma discreta risada.
- Desculpa, Mulder. Agora, vendo a sua cara espantada, tenho que rir.
- Por que está me xingando, Scully?
- Só pra contar a você que foi uma... uma amiga sua, na secretária eletrônica do seu telefone, que falou isso pra você. – aperta os lábios e
 depois passa a língua neles -  Ahn... Mulder... ela é ... sua namorada?
Ele a fita, aperta os lábios, fazendo um bico.
- Interessada, Agente Scully?
- Eu...? É óbvio que não, ora! É apenas... uma curiosidade!
- Ah...! – ele mastiga mais amoras e mostra-as ainda em sua mão -  Quer mais?
- Não, obrigada.
Mulder afasta-se e vai até a casa. Entra nela.
Dana passa o olhar pelo grande terreno, onde as chamas da fogueira ainda crepitam, enchendo de brilhantes gotas vermelhas o escuro
 do lugar.
Ele agora retorna, saindo da casa. Pára na soleira da porta, vendo sua parceira próxima à fogueira, que ainda arde.
À sua mente chega o instante em que, longe dela, gravara, para que logo  ela encontrasse o seu recado:
 
“eles te afastaram de mim, Scully e agora minha vida se baseia na vontade de te ver...”
 
e ele sabe e sente que em todos esses meses em que conhecera a Agente Dana Scully, estará sempre ligado a ela, física e espiritualmente;
  seus  corpos e espíritos para sempre estarão unidos, mesmo em meio às mais terríveis situações, até o final de sua existência na Terra.
 
“O   espírito  está no corpo
como um piloto num navio.” 
Aristóteles