BELEZA E FRAGILIDADE
 
“A beleza é um bem que não nos pertence
por ser impossível dar e conservar.”
Bion
 
Capítulo 246
 
Dana, de pé, de modo a sentir o calor vindo da fogueira, esfrega as mãos geladas, aperta-as soprando entre elas, tentando aquece-las.
Mulder, que ainda estava parado, apreciando a beleza e fragilidade de sua colega, aproxima-se.
-         A friagem da noite está demais, não?
-         Sim, Mulder! Arre! Que coisa! – queixa-se, ainda esfregando as mãos.
Ele toma-lhe as mãos geladas e coloca-as entre as suas.
-         Pronto! Você vai ficar bem. – fita-a, por instantes – Scully, estou sempre arrumando problemas pra você. Desculpe.
-         Por que diz isso? – olha-o, levantando as sobrancelhas.
-         Cada vez que acho que a levo a um lugar que acho ser bom, me dou mal.
-         Mas pára com isso, Mulder! De onde você tirou essa idéia? – ela sorri.
-         Desculpe, Scully.
-         Ei! Ora, vamos, que história é essa? Eu não estou sofrendo nada! Além do mais, estou gostando muito disso aqui!
-         Tenho certeza que não!
-         Ah, Mulder...! – ela retruca.
Em seus pensamentos, porém, há uma dúvida: falara essas palavras, sim, no entanto como poderia ficar toda a noite num lugar assim tão
 desconfortável e frio, sem a certeza de que estaria inconvenientemente tentada a ficar aquecida nos braços mornos do seu parceiro.? E o 
que poderia acontecer dessa situação?
-         Vem cá. – ele interrompe seus pensamentos, puxando-a pela mão, para entrar na casa.
-         O que vai fazer?
Ele, já dentro da casa, está colocando nas sacolas tudo o que havia trazido na viagem.
-         Não... não acredito que está arrumando tudo pra irmos embora!
Ele somente distende os lábios num sorriso.
Ela insiste.
-         Mas por quê, Mulder? Por que essa mudança de planos tão imediata?
-         Não se trata de mudança de planos, mas sim de sensatez, sabedoria.
Dana chega bem próximo a ele. Toma-lhe das mãos um pacote que ele ia colocar na mala do carro. Usa uma voz doce e convincente.
-         Mulder... eu quero ficar...!
Ele pára o que está fazendo. Fita-a  Passa as mãos sobre os olhos, levantando a cabeça, parecendo querer tirar um peso de sua mente.
-         Scully, não precisa se esforçar pra me ajudar...
Dana, pequena diante dele, levanta a cabeça para olhá-lo bem de frente.
-         Eu não uso de hipocrisia nunca, Mulder.  Principalmente com você!
-         Eu acredito em você, lindinha!
-         Hãn...?
“Como disse? – ela exclama, em pensamento – É como ele me chamava há tempos atrás! Me chamava...?! Quando? Como? Onde? Ah... 
sei... a primeira vez foi naquela ocasião em que ele estava jogando basquete... eu entrei na quadra de esportes e ele me saudou:
 
-         Oi lindinha...? Tudo bem?
-         Mulder, eu tenho a impressão de que você  vai trapacear e não vai trabalhar hoje de novo!
-         Scully, eu fiz cesta!
-         É? Fez muitas cestas. Só estou pensando se sobrou algum espaço...!”
 
-         Scully!!
A voz de Mulder ressoa nos ouvidos dela.
-         O quê???!!!
-         O que aconteceu? Você está sentindo alguma coisa?
-         Não... não! – leva as mãos à cabeça.
Ele a ampara, então, ao vê-la cambaleando. Toma-a nos braços e carrega-a para o carro.
-         Mulder, não...! – ela tenta resistir, fracamente.
Mulder a ajeita no banco do automóvel, coloca-lhe o cinto de segurança. Em fração de segundos joga na mala do veículo alguns pacotes que
 faltavam. Tranca a porta da casa. Entra, apressado,  no carro e dá a marcha. Faz a manobra. Olha para Dana.
Ela, apesar dos olhos abertos, parece não pensar. Semblante absorto.
Mulder dirige o carro para a estrada. 
*   *   *
 Muitos minutos já passados e Mulder preocupado, dirige, atento. A noite gelada somente deixa ver, através de intenso nevoeiro, as luzes dos
 postes quase desaparecidas e fracas no nevoento espaço. 
Dana suspira profundamente. Estivera, passados todos esses minutos, recostada ao banco  do  carro, sem proferir uma única palavra. Neste
 momento ela parece despertar.
-         Mulder, o que está fazendo? – pergunta, espantada.
-         Dirigindo, não vê?
Ela volta-se, para olhar através do vidro traseiro do veículo.
-         Pra onde estamos indo?
-         Vou leva-la a um hospital.
-         Pra onde, Mulder? O quê...? Não! Por favor, não! Que loucura!
-         Loucura é deixar vê-la a cada dia assim e não fazer nada!
-         Pára, por favor, Mulder! Eu não quero ir pra nenhum hospital!
-         Não posso deixa-la assim, Scully! Entenda! Você está doente!
-         Oh, meu Deus, pára! Eu não estou doente!
Ela passa a ficar inquieta, nervosa.
Mulder dirige para o acostamento da pista. Faz parar o veículo.
-         Acalme-se, Scully! – pede, amavelmente.
Os olhos de Dana, com as pupilas azuis banhadas em lágrimas, exclama.
-         Eu não quero ir a nenhum hospital! Eu não estou doente! – suplica.
Ele,  retirando  as mãos do volante, toca-a pelos ombros.
-         Está bem... calma... não vou leva-la a nenhum hospital, ok? Tudo bem agora?
Ela meneia a cabeça, em gesto positivo.
 
*   *   *
A enfermeira, cuidando de Mulder atenciosamente, direciona o olhar para a desconsolada moça a seu lado.
-         Não se preocupe; ele já está bem.  – fala, num modo amável.
-         O médico disse quando ele terá alta?
-         Não, ainda.
Dana suspira, angustiada. Estivera bastante irritada com a credulidade de Mulder em aceitar as opiniões do estranho homem que se dizia seu
 informante.
Depois surpreendera-se com a conclusão do exame da bactéria que havia mandado examinar, no qual descobrira-se que não era a de algum 
ser vivente na Terra. 
Mulder fora lhe mostrar o local onde vira estar sendo preparados seres humanos e onde foi criado o primeiro híbrido humano.
Agora encontra-se aqui, diante de seu parceiro bastante machucado. Quase perdera a vida no atentado que sofrera e no qual o seu informante
fora morto, bem  diante dos atônitos olhos dela.
E Dana teme. Teme por sua vida e pela vida de seu parceiro. No fundo sabe que não agüentaria viver sem ele. Não sabe explicar o porquê desse 
sentimento tão profundamente enraizado em seu coração. Não pode perde-lo. Não! Não pode! 
Seus olhos enchem-se de lágrimas. Ela engole o choro, enquanto fita o seu companheiro de lutas imóvel no leito.
A frase daquele homem estranho continua em seus ouvidos: 
 
“Não confie em ninguém.”
 
Dana continua acompanhando os gestos da enfermeira em seu trabalho cuidadoso com o paciente.
“Oh, Deus, não suporto ver Mulder nesse estado; e o pior é que me dá a nítida e louca impressão de que ele já foi prejudicado por extra-terrestres
 não sei quando... onde... como... não sei... ele me conta que somente a sua irmã Samantha foi levada por aqueles seres, mas algo me diz que ele
 também já foi...”
-         Scully...
Dana retorna de seus loucos pensamentos. Achega-se à cabeceira do colega para poder ouvi-lo melhor na sua fraca voz.
-         Oi, Mulder...! Que bom! Você está acordado. Sente-se bem?
A enfermeira conclui seus cuidados. Sorri para Dana.
-         Pronto. Ele é todo seu. – fala e sai, rapidamente, carregando a bandeja com medicamentos e seringas.
-         Que ótimo, Scully! – ele fala, num sussurro.
-         O que é ótimo? 
-         Sou todo seu!
-         Aaah, é isso! – ela sorri e abaixa o olhar, fingindo endireitar umas dobras no lençol da cama.
Mulder fita-a, com os olhos semicerrados.
-         Incrível! – murmura.
Dana levanta o olhar para ele, sem entender o motivo da admiração dele.
-         É até bom pra mim, Scully.
-         Mas o que você está querendo me dizer? Não estou entendendo!
Ele aponta para a blusa que ela está usando.
-         É que você hoje está me estimulando a sentir interesse por você.
-         Ah, é? Está se sentindo assim? Muito bom saber disso.
-         Mesmo?
-         Claro! Sinal de que já está recuperado. Quando começa a falar coisas sem nexo é que... 
-         ... sem nexo?! – interrompe ele – Você está usando essa cor azul-turquesa na blusa e isso é um ótimo estimulante!
-         Verdade? – olha para sua blusa e sente-se um pouco constrangida por notar, então, que vestida assim, sem seu blazer diário,  seu busto
 está mais evidente, na informal roupa ajustada – Mulder...  – nem sabe o que falar, para fazê-lo parar com esse assunto. 
-         Não se perturbe, Scully. – faz um gesto com a mão, cujo braço está com as agulhas do soro.
Ela, rapidamente, o impede de mover-se:
-         Não mexa com o braço. Não pode agora.
-         Tá... mas olha, estou falando isso é porque essa cor, além de deixa-la deslumbrante e combinar com seus olhos, ela a faz expressar uma 
personalidade revigorante e... 
-         ... e...?
-         ... e você quer ser vista como portadora de jovialidade e vivacidade. É isso.
-         Fala sério?!
-         Sim. Faz parte da psicologia das cores.
-         Ah, bem... interessante... e se eu estivesse vestida de vermelho?
-         Aí não seria bom pra mim... somente em parte.
-         Por que não? – levanta as sobrancelhas, admirada.
-         Ah, porque o vermelho não  é recomendável para as enfermidades ou quaisquer condições inflamatórias e, principalmente, queimaduras...
-         Nossa!! 
Mulder aperta mais os olhos, continuando a fitá-la.
-         Além do mais...
-         ... além do mais...? – ela quer ouvi-lo completar a frase.
-         ... indicaria uma sexualidade vigorosa, ardor, paixão...!
-         Então não é esse o caso. – ela fala, olhando-o de soslaio, num riso discreto.
“O riso é o sol que afugenta
o inverno do rosto humano.

Victor Hugo