INCÔMODA  CONVERSAÇÃO
 
“A conversação pode ser, muitas vezes, o prazer
 de alguns e aborrecimento de outros.”
Leopardi
 
Capítulo 249
 
O desconhecido continua fitando-a, insistente.
Dana sente-se enfadada. 
-         Sabe que vou assistir   a esse filme pela segunda vez?  - ele comenta.
Ela permanece estática, somente o  ouvindo.
-         Pois é, o filme é perfeito; o roteiro fantástico, os cenários fabulosos e tudo o mais.
Dana aperta os lábios. Sente-se, a cada momento,  mais incomodada com a conversação do desconhecido.
Mas, com alívio, vê que Mulder está retornando. Ele senta-se em seu lugar.
-         Demorei? – pergunta, sem olhar a parceira.
-         N... não...
Ele a olha, com um sorriso espontâneo.
-         Por que a hesitação?
-         Hesitação? Demonstrei isso a você?
-         Claramente! – e após esta exclamação estica o pescoço e observa o espectador atento à tela, ainda vazia,  que está
 sentado ao lado de Dana.
Mulder franze os lábios, continuando a observação. Fixa os olhos, então, na grande tela branca.
-         O cinema encheu bastante desde minutos atrás. – comenta ele.
-         É verdade. – ela confirma.
No mesmo momento em que um jovem casal senta-se em poltronas na frente de onde estão Mulder e Dana, as luzes se apagam
 e a projeção dos
 documentários começa na tela.
O  casal à frente se aconchega. O rapaz passa o braço ao redor do pescoço da moça.
O homem ao lado de Dana a olha. Parece curioso em ver o seu procedimento com Mulder junto a ela.
Dana levanta as sobrancelhas. Tenta concentrar-se nas imagens da tela. O sujeito ao seu lado não desvia o olhar da  bela figura
 de cabelos ruivos,
 perfil de estátua grega, pele de infinita brancura,  junto à sua poltrona.
Ele confere com a visão disfarçada se ela não está de mãos dadas com, segundo ele imagina, seu namorado.
Minutos se passam.
Mulder toma a caixinha de pequenas bolinhas de chocolate e entrega-a a Dana, que a segura.
Ela está nervosa. Seus dedos estão trêmulos e indecisos. Pega uma das bolinhas e a coloca na boca.
Mulder olha-a, sorrindo levemente. Após isso detém o olhar na tela.
O homem ao lado de Dana coloca, discretamente, os dedos no braço da poltrona, a fim de que toquem na pele da moça.
Ela retira o braço, imediatamente .
Esse seu gesto serviu para que o estranho tocasse com a ponta dos dedos em seu seio, mesmo sob a roupa.
Dana novamente remexe-se em sua cadeira. Aproxima o corpo para o lado de seu parceiro.
Este continua de olhar fixo na tela.
Passados alguns minutos mais, o nervosismo de Dana já se encontra no auge. Mas mantém-se quieta.
Mulder estende para ela a mão, pedindo uma bolinha de chocolate.
Dana resolve usar uma estratégia, a fim de fazer o estranho ao seu lado pensar que ela e Mulder têm intimidades. Toma uma das
 bolinhas e a
 aproxima dos lábios de Mulder. Que os entreabre. E  segura entre os dentes a guloseima. Ele sorri e fita sua amiga.
Esta não se faz de rogada e segura o seu olhar.
Mulder sente-se encorajado. Afinal, sua parceira parece estar esperando um gesto de ternura de sua parte. Ele passa o braço sobre
 seus ombros.
 E aperta-a, docemente.
Dana suspira, aliviada. Assim sente-se mais segura de que o desconhecido não mais possa assedia-la. Tenta concentrar-se nas imagens
 da tela.
Momentos se passam. O desenrolar do filme exibe uma música romântica. 
O homem ao lado de Dana, com o braço discretamente estendido para baixo, tenta acariciar sua coxa, mesmo estando esta protegida
 pela roupa.
Tudo muito rápido se passa neste momento. A mão de Mulder, que segurava docemente o ombro de sua colega,  nessa mesma posição,
 se estende
 para agarrar o sujeito pela gola da camisa .
-         O que é isso?! – grita o homem, tentando levantar-se. 
-         Shiiiiiiii!!
Pessoas fazem o ruído, a fim de que o silêncio retorna à sala de projeção.
Mulder continua prendendo-o pela gola e o faz levantar-se.
Dana, ali entre os dois, sente-se perturbada.
-         Não, Mulder! Deixa! – pede, em voz baixa.
O Agente, porém, não a ouve.
-         O que está pensando que é, cara? – o homem reclama.
Segurando-o com mais força agora, Mulder empurra-o para que saia pelo espaço existente entre as poltronas,  completamente tomado
 pelas
 pernas dos demais espectadores da fila de assentos.
Dana acompanha os dois.
-         Mulder, espera! Calma! – ela pede.
O sujeito reage, debatendo-se, para não ser levado.
-         Me solta, cara! O que é isso?! 
Nada faz o Agente mudar de idéia.
-         Segurança!! – alguém grita na platéia.
Mulder carrega o estranho pelo corredor do cinema  após manietado e chegam ao hall. 
O segurança e o gerente aproximam-se, rapidamente, ao vê-los.
-         Olha, manda esse cara me largar! Ele é louco! – berra o homem.
Mulder o segura mais fortemente com somente uma das mãos. Com a mão que está livre retira do bolso do casaco seu crachá.
-         Agente Federal . – fala em voz soturna, exibindo o documento às vistas do sujeito e dos dois homens à
 sua  frente.
*   *   *
O carro desliza na pista iluminada.
Dana, cotovelo apoiado na janela aberta do veículo, deixa que o vento revolva seus ruivos e longos cabelos.
Mulder nota isso. Seu desejo,  neste momento,  é, se lhe fosse possível, abraçar usa bela amiga e com ela poder usufruir longas horas de
 prazer.
Ela, continuando a olhar para fora, comenta, num murmúrio:  
-         Mas que aventura!
Mulder está calado, atento ao trânsito tranqüilo àquela hora.
Dana dá uma discreta risada antes de dizer:
-         Quando a gente tira algumas horas pra relaxar, vem um idiota e destrói tudo!
Ele a olha por um instante. Abre a boca, para falar. Fecha-a logo. Passam-se segundos para resolver dizer:
-         Mais uma vez estraguei sua noite, Scully. Já não tenho mais como pedir desculpas.
Ela o fita, compreendendo sua frustração.
-         Mas ainda tem conserto.
-         O quê tem conserto? – pergunta, sem entender.
-         Olha ali.
Mulder põe o olhar na direção que ela lhe indica.
Às margens de uma lagoa, cujas águas resplandecem sob a luz prateada da lua, mesas e cadeiras estão expostas e nelas pessoas se
 encontram, usufruindo as delícias do lugar belo e silencioso e tranquilo, junto à natureza.
-         Você quer ir ali? – pergunta Mulder, vendo que ela sente-se deslumbrada com o local – Fala sério?
-         Sim, Mulder. Se você quiser...
-         Vamos lá. 
Rapidamente ele procura lugar para estacionar o carro. Logo consegue. Retira o cinto de segurança. 
Dana faz o mesmo.
Aproximam-se de uma das mesas e sentam-se.
Lançam suas vistas para o lindo panorama: as águas em profundo azul, ondulam sob a brisa que sopra e os raios da lua dão um ar
 sobrenatural sobre todas as coisas.
-         Huuum... muito gostoso isso aqui... talvez mais que o cinema, se pudéssemos ter ficado.
-         Sem dúvida, Scully. – ele debruça-se sobre a mesa para achegar-se a ela e fala com voz sussurrante – Me perdoa, tá? Eu,
 realmente, não sei escolher bem os lugares em que desejo estar com você.
-         O Bureau é o mais certo, Mulder.
-         Ah, pára, Scully! Não quebra o clima!
-         Quebrar... o clima...? Do que está falando? 
Mulder aperta os lábios. Fita-a, insistente, no seu olhar perscrutante, procurando quebrar a altivez da sua amiga.
-         O que estou falando Scully, é que junto de você o pior dos lugares é um paraíso!
Ela sorri lindamente e segura o olhar dele. Suspira profundamente. Em seguida fecha os olhos, entreabre os lábios, passando a ponta
 da língua sobre eles, como se estivesse meditando naquelas suaves palavras do seu doce... amigo.
 
“O homem tem olhos para ver;
a mulher para serem vistos.”
Houdelot