EM OUTRA OCASIÃO
 
“Tudo quando a mulher razoavelmente 
pode prometer é não procurar ocasiões.”
Levis
 
Capítulo 250
 
Um grande e iluminado painel chama a atenção de Dana. Nele está a figura de um menino, com brilhantes olhos e a mão 
estendida para a frente, na direção de um brinquedo.
-         Mamãe, compa um calinho vemelho pa mim!
Ela ouve, nitidamente, essa voz infantil dentro de seus ouvidos.
-         William, meu filho, espera! Deixa que o papai compra.
Agora ela ouve a voz de Mulder pronunciando essas palavras.
-         Oh, Deus! – geme em voz audível.
-         O que aconteceu, Scully? 
-         Ahn...?
Dana parece despertar, levando as mãos aos ouvidos.
-         Eu ouvi! Eu ouvi! Mas por quê?!
Mulder a segura pelos ombros.
-         O que você ouviu, Scully?
-         Alguém me falando! Uma criança!
Ele esboça um sorriso:
-         Está impressionada com alguma coisa?
Ela não responde, de pronto. Está intrigada. Permanece em ar cismado, por instantes.
-         Mulder... e você respondia a ele...! – ela explica, assustada.
-         Eu... respondi...? O quê?
Dana solta seus ombros das mãos do  colega. O que vai dizer a ele? Como poderia contar-lhe que ele havia respondido
ao pedido da criança, dizendo-se pai dela? O que o Agente Mulder pensaria dela? Que, na verdade, seu desejo é tê-lo
como pai de seu filho um dia?
Por isso Dana não responde de pronto  às perguntas que Mulder lhe faz neste momento. Ela tapa a boca com as mãos.
Pensativa. Enche-se de coragem para perguntar:
-         Mulder...
-         O quê...?
-         O nome William significa alguma coisa pra você?
Ele balança a cabeça, dando uma discreta risada:
-         Claro que sim! Assim como pra você também, Scully! Haja visto seu pai e irmão...!
-         Eu sei... – murmura.
-         E não é a primeira vez que me pergunta isso!
-         Desculpe, Mulder.
Ele aproxima-se, novamente.
-         Não! Não se desculpe... olhe, você não quer conversar comigo sobre essas suas ... esses seus... pensamentos?
-         Por favor, Mulder, agora não! Em outra ocasião... talvez.
-         Certo. – ele tem um ar resignado.
Ela fita o manto azul escuro do céu, que lhe parece um estojo guardando faiscantes diamantes.
Ele a observa fitando o infinito.
-         Dana...?
“Ai... quando ele me chama assim, sinto-me quase desmaiar de emoção, de prazer...!”- ela deixa-se envolver por este pensamento.
Ele prossegue:
-         ... minha mãe cantava uma música que aprendeu com alguém, muito bonita e que dizia assim:
 
Noite alta, céu risonho, a quietude é quase um sonho,
O luar cai sobre a mata, qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor,
Só tu dormes, não escutas o teu cantor,
Revelando a lua airosa a história dolorosa desse amor.
 
Lua, manda a tua luz prateada despertar a minha amada,
Quero matar meus desejos, despertá-la com meus beijos
Canto e a mulher que eu amo tanto,  não me escuta está dormindo,
Canto e por fim, nem a lua tem pena de mim
Pois ao ver que quem te chama sou eu, entre a neblina se escondeu.
 
-         Huum... lindo! Muito  romântico, Agente Mulder! Você está se tornando um cara muito poético!
Ele envia em sua direção um leve sorriso.
Uma melodia suave invade o espaço tranqüilo nesse momento. Alguns pares já dançam na pista adiante.
Mulder levanta-se. Com a mão estendida, faz um gesto para que Dana o acompanhe em passos de dança.
Ela cede a seu convite. 
Dançam sob os dolentes acordes.
Mulder, com o queixo encostado nos cabelos ruivos  e perfumados de Dana, sente em seu corpo o desejo fremente de desfrutar 
com ela horas de intenso prazer.
Dana, por sua vez, deixa-se levar pelos braços dele. Suas carnes trêmulas de emoção, buscam encontrar ali, naquele quente e doce 
refúgio, um jeito de  minorar as lembranças de muitos segundos, minutos, horas, dias, meses, anos... já passados ao lado de alguém
como Mulder, mas que não sabe quem é, nem quando poderia ter esse fato acontecido.
“Mas por que sinto Mulder como se fizesse parte de minha vida? Esse perfume que emana dele, é como se já tivesse penetrado
em minhas narinas desde há tempos atrás. A doce sensação de senti-lo assim, junto a mim, essa voz que pode convencer até uma
mulher de pedra e que eu... eu luto pra não me deixar levar por suas palavras...! Ai... por quê essa indecisão...? Por quê?”
Mulder afaga,  deliciado, as costas de Dana, sentindo o calor que irradia do seu corpo pequeno, grudado ao seu. Segura o queixo
dela, suavemente. 
Dana levanta o rosto.
Ele vê ao seu alcance a boca rosada, de lábios entreabertos, esperando que a dele se aposse e nela deixe toda a força do seu desejo.
Quer provar os lábios de sua linda parceira, ali entre sues braços.
-         Ahn... – ela suspira ao ouvir um som.
O toque do celular dentro do bolso do casaco de Mulder é que lhe interrompe a atitude ousada de quase beijar sua amiga.
Ele retira o aparelho, soltando Dana de seus braços.
-         Fox Mulder. – atende, mal humorado; ouve por alguns segundos – Ok. Entendido. – conclui o telefonema e desliga o aparelho,
  guardando-o no bolso; - Dou um doce, se você adivinhar quem era.
-         E precisa, Mulder? Além do mais, estou em dieta!
Ele sorri, meio sem graça. Segura-a pela mão, indicando que devem continuar a dançar.
-         Não, Mulder! Desculpe, eu prefiro ir embora.
-         Tem certeza, Scully?
-         Naturalmente. Com Skinner ligando numa hora dessas é porque logo cedo tem algum problema à nossa espera.
-         Certo. – é só o que ele diz, segurando-lhe o braço para saírem do lindo e inspirador recanto.
Dana sente em seu interior perturbado um imenso desejo de ter o poder de enviar um raio fulminante até onde está o Diretor  Skinner.
Alcançam, então, o estacionamento.
Os Agentes entram no carro e colocam os cintos de segurança.
Mulder dá a partida no motor do veículo. 
Enquanto o carro afasta-se do local, Dana pode ver com deslumbramento, os pálidos raios da lua banhando as folhas, as águas, a
relva ao redor das inúmeras mesas e cadeiras.
Desvia o olhar da paisagem que vê pela janela para detê-lo no seu companheiro de lutas ao seu lado. Repara o perfil dele.
“Fascinante! – pensa – E ele não é exatamente o que se pode chamar de belo, mas apenas... totalmente fascinante! O conjunto
que forma sua fisionomia, deslumbra qualquer  mulher. Ele tem a boca linda.. e quase ... quase me beijou...! E, por que não
aconteceu? Por que aquele impedimento? Ai, meu Deus... por que me faço essa pergunta? Mas eu sei que já conheço seu modo de
beijar... sei como é o gosto de sua saliva... sei o modo como  ele respira quando está colado a mim... até conheço o ritmo de seus
 batimentos cardíacos...! Ah, não! Por que penso tudo isso? Por que  tenho essas descrições do impossível em minha mente? Por que?”
-         Scully, me diga: que tal? Gostou? 
Dana tem seus pensamentos interrompidos e gosta disso. Somente assim pode pôr de lado sua fértil imaginação.
-         Ahn... se gostei? Claro!
-         Podemos voltar aqui outras vezes; o que acha?
-         É uma idéia plausível, Mulder, desde que...
-         ... desde que o quê, Scully?
-         ... possamos dar um fim no Diretor Assistente Skinner, pra não cortar o nosso prazer!
Mulder joga a cabeça para trás e dá uma risada:
-         Aaah... estou gostando de ver seu novo modo de pensar, Scully!
 
“O riso é a mais antiga e ainda a 
mais terrível forma de crítica.“

Eça de Queiroz