MANTENDO SILÊNCIO
 
“O reino do silêncio está em toda parte,
menos em nosso coração.”
Vargas Vila
 
Capítulo 251
 
As conhecidas pancadinhas na porta ecoam no apartamento neste momento.
Num gesto rápido, Dana joga sobre o corpo um quimono  leve e apressa-se em pegar sua arma que está no bolso do blazer.
Logo em seguida, ouve o ruído de chaves na fechadura. Ela sente-se aterrorizada. Esconde-se no canto formado entre a estante
e a janela da sala.
-         Scully!
Ela ouve chamar. Mantém-se calada. Quieta. 
Mulder entra. Põe o dedo no comutador, na parede. Acende a luz.
-         Scully! – ele chama, novamente.
Dana mal consegue respirar.
Mulder caminha até a cozinha, vai ao quarto, batendo com os dedos na moldura da porta. Desiste. Retorna. Vagarosamente,
deixa largar o corpo no sofá. Suspira, profundamente. Relaxa e recosta-se, levando a cabeça para trás.
Dana,  observando atentamente, sente vontade de sair de seu esconderijo. Mas o pavor vence esse desejo.
Ele, por sua vez, mantém-se quieto. Fecha os olhos.
“Meu Deus, devo me arriscar?” – ela pensa, desejando sair do lugar, mas mantendo silêncio. Mas não repara
que a ponta de seu chinelo  empurra o pé de uma cadeira, arrastando-a, com ruído.
-         Scully...? – ele levanta-se, rapidamente.
Ela já havia deixado seu desguardado esconderijo.
-         Scully...  você está aí?  O que houve? Scully...?
Mas ela permanece em silêncio.
Mulder aproxima-se. E quer toca-la nos ombros.
-         Não toque em mim! – ela ordena, com a arma apontada para ele.
-         O que é isso, Scully? O que está acontecendo com você?
-         Afaste-se! Estou armada!
-         Calma, Scully...! Sou eu...!
-         Estou avisando, vou atirar!
-         Scully, sou eu... Mulder! Não está me reconhecendo?!
-         Fique onde está! 
-         Você está bem, Scully...? Escute, lindinha... o que eu fiz... o que houve?
Ante esse chamado, Dana recua ao passado, que sempre se apresenta nos momentos mais importantes
de sua vida. Esse modo de Mulder trata-la, como já ouvira várias e várias vezes... isso não a deixa
prosseguir em seu intento, convencendo-a de que é, realmente, o seu parceiro e amigo.
-         Mulder... é  você...? – indaga, duvidosa.
-         Você está bem? Não... – ele a olha com atenção - ... não está... me diga o que aconteceu.
-         Mulder...? – ela repete, vagarosamente, deixando-se tocar por ele.
-         Scully... – ele murmura.
-         Mulder... é que... eu imaginei aquele sujeito fingindo ser você... estou apavorada, ainda.
Mulder achega-se a ela, retira-lhe da mão a arma e a aperta em seus braços, brandamente.
-         Fique calma! Sou eu mesmo, Scully. – acaricia-a nos cabelos e toca na cicatriz em sua testa – Já está 
-         sarando este machucado e vai sarar mais rápido agora. – deposito um leve beijo em sua testa ferida.
E nesse toque tão terno ali, entre seus braços quentes e esse coração que ela já está familiarizada com seu
pulsar, tranqüiliza-se.
“É ele! O meu Mulder! Sinto-o, verdadeiramente.!” – pensa, aliviada.
-         Oh, meu Deus, desculpa, Mulder, mas depois de tudo aquilo que eu passei, ainda me sinto ameaçada.
-         Eu sei, Scully. Aquele cara... o Caçador de Recompensas pode transformar-se em qualquer um. De 
-         repente... – ele pára de falar, afasta-a de seu corpo para olhá-la de frente – Ei!!! Você nem é a 
-         verdadeira Dana Scully e eu estou aqui, mantendo-a entre meus braços!
Mulder faz um semblante tão engraçado, que causa em sua amiga um riso ameno. E ele a aperta contra si, 
novamente.
-         Mulder... eu nem perguntei como você está se sentindo após recuperar-se daquela quase trágica aventura.
-         Estou bem; tudo certo. – ele solta-a de seus braços.
Ela afasta-se.
-         Mulder, esse nosso trabalho às vezes nos leva a ficar com os nervos à flor da pele. Tem momentos
-          que penso que nem vou agüentar. Eu lhe devo gratidão para o resto da vida...
Ele a olha, querendo entender; abre os lábios para perguntar, mas ela faz sinal para que não a interrompa no
que quer dizer.
-         ... por não ter a menor hesitação em dar sua irmã em troca da minha vida. – ela conclui.
Ele levanta-se.
-         Espere! –  ela prossegue – Obrigada, Mulder.
Ele senta-se novamente no sofá.
-         Como você se sentiu ao saber que a sua irmã não era, na verdade, a sua irmã, geneticamente falando? – 
-         ela volta a conversar.
Ele segura a cabeça com as mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos. Nada responde.
Dana aproxima-se. Nota que ele está tenso. Deve fazer tudo para descontrai-lo, então. Senta-se ao seu lado.
-         Mulder, - fala em tom alegre – mamãe telefonou hoje pra nos chamar pra tomar um lanche na casa dela.
-         Chamou a mim, também?
-         Sim! – ela levanta as sobrancelhas – Qual o espanto?
-         Bem, ela não me conhece direito...!
-         Ah, claro que sim! Não se faça de rogado. A não ser que...
-         Que o quê...?
-         ... você já tenha algum compromisso...
Ele ri e abaixa a cabeça, olhando  para  os próprios pés.
-         Bobagem, Scully. Já cancelei o encontro com uma boazuda, só pra lhe fazer companhia!
Dana entende. Ele é incrivelmente inconveniente com suas piadinhas.
*   *   *
Mulder observa a mãe de Dana arrumando prazerosamente a mesa de jantar.
-         Fox, desculpe se não tenho exatamente as iguarias a que você está acostumado a comer.
-         Iguarias...?! – ele dá um sorriso sem graça.
-         Mamãe, ele não tem grandes preferências; está acostumado a ...
-         Almoçar e jantar sanduíches! – ele completa a frase da moça.
-         Oooh! – exclama Maggie, fazendo semblante de horrorizada; sorri em seguida, dirigindo-se à filha – 
-         Dana, eu vou buscar a jarra de suco.
-         Ah e eu lhe ajudo, mamãe! – rapidamente a filha levanta-se e a segue até a cozinha.
-         Fiz um gostoso suco pra vocês, filha.
-         Que bom! – fala, pegando os copos no armário.
Maggie pára por momentos e olha para a filha.
-         Você me disse que saíram ontem?
-         É... fomos ao cinema e...
-         Puxa vida! Até que enfim você se distrai um pouco depois desse trabalho insano!
Dana olha para a mãe. Abre os lábios, mas nada fala.
Argumentar o quê? Na realidade ela tem toda a razão em considerar sua labuta do dia-a-dia um contra-senso.
-         Diga filha, e o filme foi bom? Você gostou? Como foi?
Neste momento Dana enrubesce. Sente suas faces em fogo. Como pode responder à mãe o que achou? Estar 
ao lado daquele homem que a fascina a deixou extremamente perturbada. Fora do mundo. Na sua mente,
então, o desenrolar das emoções daquela noite, se transformam como em cenas reais, agora.
*   *   *
Mulder e Dana dançando, sentindo a emoção de seus corpos sob o manto prateado da lua, não tinham palavras
para manter um diálogo rotineiro. Sentiam-se como se estivessem noutro mundo, noutra dimensão, tal o 
encantamento da ocasião. Assim permaneciam, calados, por vários momentos. 
A brisa da noite, soprando no lugar,  fazia revolver os cabelos longos de Dana.
Mulder, notando que uma mecha dos ruivos fios estavam a  cobrir os olhos dela, parou os passos da dança que 
seguiam à   dolente música, e, gentilmente, afastou-os. Deslizou os dedos sobre o rosto dela, parecendo querer 
sentir seus sentimentos naquele instante. Fazia deslizar, suavemente, os lábios na face rosada de Dana, que fremia
ante essa doce carícia.
Ele ergueu, mansamente, o queixo dela,  aproximou dos lábios que se entreabriram, ansiosos por sorver as delícias
daquela  boca que ela tinha a sensação de que já a beijara muitas e muitas vezes e até desbravando as intimidades
de seu corpo.
-         Aaah...!
Palmas entre o espocar estrondoso de fogos, assustou os Agentes, que, diante de todo esse barulho, retornaram à 
realidade.
No escuro do céu os pontos faiscantes luminosos brilhavam, assim como no segundo seguinte desfaziam-se no espaço.
*   *   *
O restante do encantamento daquela noite a faz divagar e seu semblante demonstra êxtase. E  suspira, profundamente.
Maggie, notando algo diferente em sua filha, nada mais indaga.
 
“Todos  podem  viajar com delícia  no ideal,
mas somente na realidade se repousa bem.”
Veillard