ALMA CONFUSA
 
“Se deve converter a alma em 
uma fortaleza inexpugnável”
Antístenes
 
Capítulo 252
 
Dana olha seu parceiro, preocupada.
-         Mulder, você está machucado! Deixa eu dirigir!
-         Esquece, Scully. Caso o meu outro olho resolva fechar também, eu sigo a direção pelo faro. Afinal, este carro
 já sabe de cor o caminho de casa.
Ela finge não ter ouvido a piada. 
O ruído do celular a faz estremecer. Ela o pega e o coloca no ouvido.
-         Dana Scully. – atende.
-         Oi, Scully! Aqui é o Frohike. Há mais de dez minutos que tento ligar para o Mulder e não consigo. Sabe dele?
Ela olha seu colega ao lado.
-         Vou passar pra ele. 
-         Não! Pode dar um recado? É só pra dizer que o estamos aguardando hoje à noite aqui, para o que combinamos!
Irritada, Dana passa o celular para Mulder.
-         É o seu amigo Frohike. – fala, com um suspiro de chateação.
-         Alô, Mulder! É o Frohike!
-         Fala, cara! 
-         Já dei o recado à sua adorável parceira, que parece não ter gostado da idéia! Estamos esperando aqui hoje à
 noite. Achamos os indícios que você quer daquele caso. O Langly trabalhou bem nas pesquisas.
-         E ela, como reagiu?
-         A mulher do bandido?
-         Sim?
-         A gente conversa quando você chegar, ok?
-         Ótimo. Logo estarei aí. – ele desliga o telefone e o entrega à parceira.
-         Mulder, procura não deixar o telefone desligado, que é pra atender os seus encontros de... horas de lazer...!
Ele sorri, com ar zombeteiro. Sua colega acha que seria um encontro de farras amorosas.
-         Scully, por favor, fiquei congelado por muitos dias e agora preciso de calor... humano! – olha-a, fixamente.
Dana sente o olhar intenso de seu parceiro. Nem sabe como consegue reagir a esse apelo de carinho, ternura...
amor. Na verdade, ainda não consegue entender o que se passa dentro de sua própria alma confusa, mas
irremediavelmente apaixonada.
*   *   *
Dana lança a vista ao redor; paredes brancas, móveis laqueados em cor branca, utensílios médicos...
-         Hospital!! É um hospital!! – senta-se na cama e já vai colocar os pés no chão quando a porta se abre.
-         Ah, enfim!
Ela vê Mulder entrando e falando-lhe em voz alta.
-         Você?! Já deixou o hospital, Mulder? Já está bem?
-         Sim. – ele aproxima-se – E já estava preocupado em vê-la dormir demais.
-         É o efeito dos barbitúricos que me deram.
Ele senta-se numa beira da cama.
-         Scully, depois daquela situação incrível, deu até pra ver que você será uma velhinha bem esperta...!
Ela ri.
-         E você um idoso consciente. – fala e em sua imaginação vê-se naquele contratorpedeiro da Marinha,
 dominados, ela e seu parceiro, por aquela força misteriosa que lhes havia provocado um envelhecimento rápido.
-         Eu bem gostaria de fazer uma viagem de navio, mas sem passar todo aquele vexame de ficar velho à força. 
– ele fala, sorrindo.
Dana coloca os pés no chão; logo apóia-se na cama.
-         Ai... nossa!
-         O que foi, Scully?
-         Meus ossos todos doem! – queixa-se.
Ele balança a cabeça.
-         Tsc, tsc, tsc, a idade quando chega é terrível!
-         Pára, Mulder! – recrimina-o, com uma careta de dor.
-         Brincadeirinha, Scully. É pra lhe descontrair.
Ele leva a mão à cabeceira do leito e aperta o botão da campainha, para fazer vira enfermeira.
*   *   *
A grande extensão do verde diante de seus olhos faz deslumbrar e ao mesmo tempo relaxar os nervos e a mente.
Grossos e altíssimos troncos de árvores seculares espalham-se por todo o local silencioso, onde agradável brisa corre, 
fazendo movimentar as folhas e flores.
-         Que está achando do lugar, Scully?
-         Nossa, Mulder! Excelente!
-         Depois de repousarmos à força num hospital, nada como isso aqui.
-         Tem razão. – ela fala e encosta-se no tronco de uma das enormes árvores; respira com força.
Mulder a fita. Com carinho. 
-         Foi bom o Diretor Assistente nos dar uns dias de licença, hein Scully?
-         Com certeza. De outra maneira estaríamos naquela sala abafada, cercados de pilhas de papéis por todos os lados...
 – interrompe sua fala, pois vê que Mulder dirige-se a um sorveteiro que passa no momento, com sua carrocinha.
Logo Mulder retorna, com dois sorvetes nas mãos.
-         Huum... que bom! – ela exclama, pegando um que ele lhe oferece – Obrigada.
Os dois começam a saborear as iguarias.
Dana está distraída, degustando o gostoso  creme na casquinha, quando nota que Mulder a observa. Ela’está deslizando a
 língua sobre a superfície gelada da bola de sorvete e decida parar, vendo a atenção do seu amigo totalmente voltada para ela.
-         Scully... – ele murmura.
-         O que é, Mulder?
-         Seus lábios... estão sem batom.
-         Ah... – ela passa a língua sobre os lábios.
Nesse instante vem à lembrança dela, nitidamente, uma cena.
Mulder,  num relance, havia lhe tomado das mãos o sorvete, após dizer que sua saliva era melhor do que arroz integral sem gordura.
-         E você tomou meu sorvete...! – ela exclama, num murmúrio.
-         Eu?! – olha para a própria mão, segurando  a guloseima – Mas está aqui o meu! Não tomei nada de você!
Dana está como num êxtase, olhar perdido, dizendo as palavras, num sussurro.
-         E você falou...
-         O que eu falei, Scully? – pergunta, lambendo o sorvete e olhando curioso para sua colega.
-         ... falou que sua saliva...
Mulder pára de súbito de saborear seu sorvete, para prestar atenção no que Dana vai falar.
-         ... era melhor  do que ...
Ele dá uma risadinha.
-         Era melhor do que o quê, Scully? – está intrigado.
Dana sai de seu torpor, num repente. Permanece calada. Leva a mão à testa.
Mulder não insiste na pergunta; percebe, porém que há algo estranho no que sua parceira ia falar.
“Por que, em quase tudo que ela memoriza em sua percepção, me ouve falar com ela? Mas, por que exatamente EU?”
- ele pensa, muito intrigado, ainda.
-         Scully...? – chama-a, de mansinho, querendo faze-la voltar à realidade – Scully, você tem visões? 
-         O que quer dizer? 
-         Pergunto se passa por sua mente cenas, as quais você acha que já se passaram em sua vida?
-         É muito estranho, Mulder... eu não entendo...! A todo momento, em tudo que vejo ou que faço, alguma coisa vem,
 imediatamente, em minha memória, me fazendo como que relembrar acontecimentos passados.
Mulder passa o dedo acima do lábio superior.
-         Isso talvez seja um desejo inconsciente de que eu estivesse junto a você, no passado.
-         Ah, Mulder! E por que eu desejaria isso? – fala, chateada.
-         Não somos amigos, Scully?
-         Sim, somos! Claro!
-         De qualquer forma, existe um fundo psicológico.... um elo... 
-         Hum, tá bom, Mulder. – diz, com meio sorriso, interrompendo-o.
Dana resolve voltar a saborear o sorvete, tentando esquecer tudo o que se passou, por poucos segundos,  em sua mente.
 
“O  esquecimento  é  o 
único que vence o amor.” 
Calderon