JEITO LOUCO DE VIVER
 
“Viver é combater; combater é viver.”
Beauharnais
 
Capítulo 253
 
Mulder sente-se mal. Como se estivesse prestes a morrer.
“Scully... – pensa ele – ela é o meu lenitivo, a minha forma de reviver desse estado lastimável no qual me encontro agora... Scully...
ela é parte da minha vida...! Mas... o que estou dizendo, afinal...? Será que estou apaixonado de verdade por ela? Eu  a acho
linda, com sua figura frágil, sua inteligência, perspicácia, até seu cepticismo me cativa! – ele levanta-se, então, com dificuldade
e gemendo – Quero ir até Scully... preciso dela...!”
*    *   *
Dana sente-se nervosa e em ansiedade. Tantos acontecimentos a deixaram desnorteada. Ter sido advertida e correr o risco de
ser despedida do FBI a deixara completamente perturbada. O seu trabalho, a sua árdua rotina, mesmo desse jeito louco de viver,
é a sua forma de suportar a sua existência.
‘O que eu faria, se perdesse meu emprego? Ele me ajuda, além de minha sobrevivência, a suportar a minha vida vazia
de encantos...  de amor...! – pensa,  angustiada.
Ouve batidas na porta. Apressa-se a chegar até ela em passos rápidos. Abre a porta.
É Mulder.
Dana o ampara com ternura. Abraça-o, carinhosamente, para ajuda-lo a caminhar. Tira-lhe o casaco e leva-o para sua cama,
fazendo-o deitar-se, comodamente.
-         Mulder... o que está sentindo? Como você está?
-         Com muito sono, Scully.
-         Claro! – ela suspira, acariciando-lhe os revoltos cabelos castanhos – Você estava sendo envenenado aos poucos, Mulder!
Ele geme um pouco, se mexendo na cama.
-         Mataram meu pai, Scully!
-         Eu sei, eu sei... descanse um pouco... você tem que relaxar para o remédio fazer efeito.
-         Fica aqui comigo. – pede em voz cansada.
-         Está certo; eu fico.
Ela senta-se ao seu lado, na cama. Fita-o, penalizada. Ali doente, machucado, tão carente; sente pena de seu parceiro.
Ele fecha os olhos, esgotado. 
-         Scully... – murmura.
-         Sim, Mulder?
-         Aqueles arquivos...
-         Com os códigos em navajo? – ela o afaga, como a um menino – Esqueça deles, agora. Precisa descansar.
-         Eles querem me prejudicar e a você também. Eu não vou permitir que você se prejudique por minha causa!
-         Esqueça isso também, Mulder! Por favor! Faça um esforço!
Ela levanta-se.
-         Não, Scully! Fique aqui! – pede.
Dana o olha, compadecida e ao mesmo tempo achando engraçado.
“Parece um garotinho, com todo esse tamanhão! Essas pernas longas e fortes, esses braços que servem para aconchegar
uma mulher ao seu corpo... nossa! Eu estou me sentindo cada vez mais atraída por ele, mas... eu não sei... vou ter que
magoá-lo... tenho que levar a arma dele para fazer um teste no FBI; sei que ele vai achar que sou uma traidora, mas tenho
que fazer isso para ajuda-lo.”
-         Fica aqui, Scully!
-         Sim, Mulder, sim. É que vou rapidinho ali na cozinha. – volto já.
-         Promete?
-         Sim, prometo.
Ela afasta-se. Vai até o armário da cozinha. Pega uma xícara. Na geladeira pega a caixa de leite e enche a xícara. Sai dali, 
levando o leite até o quarto.
Mulder está se remexendo na cama, parecendo incomodado.
-         Mulder, fica quieto! Vamos, descanse!  Toma o leite. Está sentindo o quê?
-         Só carência... – resmunga.
-         Carência...? Do quê?
-         De você.
Ela sorri.
-         Ah, já vi que você não está tão mal assim...!
-         É isso. Então vou embora. – fala e senta-se, com certa dificuldade.
Ela o impede.
-         Fica quieto, Mulder, Deita, anda!
Dana o empurra, suavemente, para que ele se deite. Ajeita-lhe o travesseiro.
E ele, com o braço em torno da cintura dela, puxa-a  para cima de seu peito.
-         Mulder, descansa! – ela, sutilmente, ergue-se e solta-se  de seu braço.
-         Então fica aqui comigo.
-         Fico sim. Prometo.
-         Agora.
-         Agora. – confirma.
-         Ta. – suspira, conformado – Vou tentar descansar.
-         É isso que tem que fazer.
-         Com música, então.
-         Música...?  – ela ri – Você não tem jeito, Mulder!
-         É, mas não quero ouvir CD.
-         Sei... – fala, olhando-o de soslaio.
-         Quero que cante pra mim.
-         Cantar... pra você...?
-         Sim; o que tem de estranho?
-         Mulder, vamos lá; chega de piadas. Tem que repousar para o remédio fazer efeito!
-         E quero descansar ouvindo você cantar.
-         Mas eu não sei cantar, Mulder!
-         Sabe, sim.
-         O quê?! Por que diz isso?
-         Porque sei que pode.
-         Mulder, pára! Eu vou sair daqui!
Ele a segura pelo braço.
-         E eu vou embora!
-         Ah, meu Deus! Por que você é assim, Mulder? Eu quero tanto ajudar você! Você está doente, ferido, quase morreu e fica assim? 
-         Fica, Scully... aqui comigo e canta pra mim.
-         Arre, Mulder! Cantar o quê?
-         Aquela do Jeremias.
-         Ahn...? Mulder... o que disse?
O agente, apesar de estar apertando a mão de sua parceira, parece estar em transe. E diz, murmurando:
-         Uma vez me disseram que a melhor forma de se recuperar o calor do corpo é entrar num saco de dormir com uma pessoa que 
         esteja nua. – ele está com os olhos fechados, enquanto sussurra as palavras.
Em fração de segundos os pensamentos de Dana voltam-se para algum lugar estranho de seu passado. Vê-se numa floresta escura;
sombras parecem fazer balançar os arvoredos. Ela está sentada junto a um grande tronco e...
-         ... e você estava  comigo...! – murmura, absorta.
Mulder geme e está trêmulo.
Ela debruça-se sobre seu peito.
-         Você ouviu o que eu disse, Scully?
Ela o vê falar para responder:
-         Se chover sacos de dormir, talvez você tenha sorte. – sussurra, quase no ouvido dele.
Mulder esboça um sorriso.
-         Cadê a fogueira, Scully?
-         A fogueira... apagou, Mulder.
-         Sei... Scully... de quem você gostava mais quando era criança? Da Vilma ou da Beth?
-         Eu gostava mais do jeito da Beth.
-         Eu também.
-         Mas nunca teria me casado com o Barney.
-         Scully, estamos aqui, na escuridão... – continua ele, murmurando, com olhos fechados e segurando fortemente a mão dela.
Dana, ainda derreada sobre o peito dele, sente as lágrimas descerem por sobre sua face, enquanto lhe fala:
-         Vê se dorme, Mulder....!
-         Canta alguma coisa... Jeremias...
Ela chora, e bem junto a ele, começa:
-         Jeremias era um sapo boi.... ele era meu bom amigo...
E enquanto canta, deixa-se levar pelas lágrimas de tristeza  pelo estado de seu amigo, pelo remorso do que terá que fazer, ao pretender
levar sua arma ao FBI para um teste de balística, mas chora, principalmente, porque está, na sua imaginação, vendo toda a cena que,
tem certeza, já se passara em sua vida, não sabe onde, nem quando, mas..  junto a Mulder.
Ela percebe que ele já afrouxara a mão que segura a sua. Adormecera.
 
Devemos chorar pelo homem
à nascença e não à morte.”
Rochefoucauld