NÃO ESTOU TE RECONHECENDO!
 
¨O reconhecimento é um atalho que,
rapidamente, conduz ao amor.¨
Teophile Gautier
 
Capítulo 255
 
Dana, sentada diante do computador, tenta, frente à tela azulada, concentrar-se no no que
tem a fazer. Não consegue, porém. O coração bate agitado, os dedos parecem ser frágeis órgãos
trêmulos e imprecisos. Não parecem coordenar com seu desejo de trabalhar bem.  Religa o
aparelho, a fim de recomeçar a digitar. Pára, de súbito. Respira fundo. Concentra-se, com os olhos
fechados. Recorda-se, no entanto, da irmã assassinada. Dói-lhe o peito, neste momento. A angústia 
lhe toma de assalto, seguida pela tristeza. E de seus olhos escorrem as quentes lágrimas.
Mulder entrara no escritório neste instante. Contempla, por segundos, sua parceira. Achega-se a ela.
Coloca a mão sobre as dela, que repousam na mesa.
               - Queria poder te ajudar, Scully... – fala, suavemente.
Ela meneia a cabeça, agradecida.
Mulder a faz levantar-se.
               - Venha, vamos esvaziar um pouco a mente.
               - Não, Mulder! Preciso terminar esse relatório!
               - Sei que precisa; mas Skinner pode esperar. Venha. – puxa-a pela mão.
Dana o acompanha, passando os dedos sob os olhos. Saem do escritório.
A agitação da rua os torna mais incomodados nesta manhã.
               - Scully, prefere ir a um lugar calmo e depois almoçar ou o contrário?
               - Não, Mulder, eu nem quero almoçar; eu não estou bem.
Ele balança a cabeça, concordando; fita-a, com seu penetrante olhar.
    - É compreensível, Scully, que esteja nesse estado de tristeza; é como a tragédia que passei,
 quando minha irmã foi abduzida.
Ela fecha os olhos, angustiada.
    - Triste fim para Melissa... ela tinha tantos planos...! E eu me sinto culpada, Mulder! Mataram-na
 por minha causa...!
Ele a segura novamente pelo braço, fazendo-a caminhar. Entram no carro. Colocam os cintos de segurança.
 Ele dá partida no motor. Ela mantém-se por vários minutos olhando para suas próprias mãos no regaço.
Mulder está dirigindo, mas a observa, de soslaio. Durante vários minutos prosseguem calados. Meia hora
depois o carro é estacionado num lugar amplo. Saem do veículo. Caminham, sem pressa, em direção a uma
grande praça. Em dado momento ela tropeça num desnível da calçada. Neste imediato momento Mulder a 
ampara, impedindo-a de sofrer uma grande queda. Eles param um pouco de caminhar.
               - Tudo bem, Scully?  – pergunta, atencioso.
               - É uma leve distensão, mas dá pra caminhar sem problemas.
    - Tem certeza de que não quer que a leve em meus braços? – fala, com seu belo sorriso de menino.
Dana o olha somente, com ar de reprovação.
Súbito, Mulder estaca. Olha atento  para um  determinado local.
Dana nota seu ar de surpresa.
    - O que foi, Mulder? O que está vendo ali? – tenta enxergar o motivo da atenção dele.
    - Scully, repare... – aponta -  ... lembra dessa galeria, onde passamos há muito tempo atrás?
- Não; não conheço esse lugar.
- Claro que conhece! Nós estivemos aqui, Scully!
- Quando? – movimenta a cabeça num gesto de dúvida.
- Venha; eu lhe mostro. – puxa- a  pelo braço.
Seguem em direção a uma galeria. Pilastras de mármore ladeiam a passagem central do lugar. Eles
caminham em frente.
Dana estranha o objetivo de seu parceiro.
               - Mulder, o que você está procurando aqui?
               - Você vai ver...
               - O que pensa encontrar, Mulder? – insiste.
Ele pára; fita-a com o semblante crítico.
               - O retorno à nossa vida anterior, Scully.
               - Do que você está falando? Que piada é essa?
    - Bem, se isso a deixa tão espantada, que acha se eu lhe disser que estamos fugidos do FBI?
 Ela fecha os olhos, num gesto impaciente.
               - Mulder, não estou num momento muito bom pra ouvir suas piadas.
Ele fita ao longe, aperta os lábios, passa a mão nos cabelos que lhe caem à testa, fazendo-os
levantarem-se e retornarem, revoltos, ao mesmo lugar.  Novamente fixa  o olhar na direção dela.
    - Tudo retornou à minha memória, Scully. Agora já recobrei toda a minha história de vida 
anterior à esta em que estamos. Posso lhe dizer até que...
- ... quê...? – interrompe-o.
- ... quero lhe dizer que... tente lembrar, Sculy... você é minha mulher.
Dana cruza os braços.
               - O que significa isso? – ela pergunta.
               - Scully, ouça, tudo retornou à minha mente agora, acredite!
               - Mas do quê você está falando? Que está querendo me dizer?
               - Você é minha mulher, Scully! – ele repete, com ênfase.
Ela continua em atitude fechada, de braços cruzados, a qualquer assédio galanteador de seu colega.
 Olha-o, fixamente, com os lindos olhos azuis, brilhantes.
    - Mulder, eu sempre o considerei um homem íntegro, respeitador, honesto, além de culto e 
inteligente, mas agora...
    - ... agora você vai ter a confirmação de que tenho uma memória fotográfica.
    - Por que está afirmando isso?
Ele balança a cabeça. Aperta os lábios e passa o dedo indicador sob o nariz. Lança para ela um leve
 sorriso.
               - Minha cética parceira, nós somos casados e temos um filho e ...
    - Pára, Mulder! – ela exprime um ar preocupado – Oh, meu Deus, você não está bem! O que está
 se passando com você?
- ... estamos às vésperas de outro filho e principalmente... – ele prossegue.
Ela faz um gesto impaciente, nervoso, mais preocupada ainda.
    - Mulder, por favor, veja! Você não está num universo à parte, não! Estamos aqui no chão,
 Mulder! Na Terra! Acorda!
Dana fecha os olhos, morde os lábios, movimenta a cabeça, num gesto impaciente. O que pode fazer
por seu delirante parceiro? Um mal da matéria ela até poderia ver uma forma de tratamento, porém
um mal da mente não sabe como fazer para ajudá-lo a sair desse conflito consigo mesmo. E ele próprio
tem, com seu conhecimento em psicologia, que  ajudar-se a si próprio.
Mulder, por sua vez, numa expressão reflexiva, continua fitando-a com seu olhar esquadrinhador. Em
seguida abaixa a cabeça num gesto tímido, recatado, para dizer:
    - Scully, desculpa eu falar isso... eu conheço toda a intimidade desejável do seu corpo...
Ela,  continua fitando-o e  o ar de curiosidade que tomava conta de seu semblante, transforma-se em 
expressão de dó, paciência e compreensão. Em seu íntimo percebe que não pode sentir raiva de seu
parceiro.
    - Scully, - continua ele - ... nós nos amamos, Scully... temos uma família... por que não tenta lembrar?
Ela apenas o fita, num ar de comiseração.
Ele aproxima-se e, sem ela esperar tal gesto, abraça-a, fervorosamente.
    - Mulder... – tenta desvencilhar-se -   ... você precisa... se conter... está acontecendo alguma coisa 
com você...! – murmura, afogueada, entre os braços anelantes de seu parceiro, mas, na verdade, 
sente-se sem forças para fazê-lo desistir daquele abraço impetuoso – Mulder, por favor... pára 
com isso! – murmura, suavemente.
- Scully, olha... eu vou te dizer ... conheço o gosto de sua saliva...
Dana fecha os olhos; encontra-se num estado entre apavorada e deslumbrada; o coração acelerado.
Ele continua:
    - ... eu sei de todos os caminhos de seu maravilhoso corpo... as carnes macias e quentes dos
 seus seios...
- Ai, meu Deus... Mulder...! – exclama, em voz mais alta, percebendo que seu corpo todo está 
fremente ante a quentura dos braços de Mulder e suas palavras de paixão.
- ... e conheço também os seus instantes de gozo e êxtase, me sentindo dentro de você, Dana...
minha amada...!
- Pára com isso, Mulder! O que está acontecendo com você? Nós nunca...
Eles desliza os lábios ansiosos por sobre a face dela, procurando-lhe a boca.
Dana sente que seu corpo deseja entregar-se às carícias das mãos desejosas dele. A luta interior é
 intensa. Mas tem que resistir a esses impulsos. Consegue, então, desprender-se dos braços dele,
com certa irritação. Fala rispidamente:
    - Sempre acreditei em sua atenção  e respeito para comigo nesse tempo em que trabalhamos
juntos, mas não lhe dou permissão pra continuar com essa conversa fora de propósito ou...
              - Scully, tenta colocar a mente em funcionamento! Eu sei que houve um lapso de
			 tempo e memória nessa dimensão em que estamos, mas a gente vai conseguir sair 
			dessa ...! Escuta... como você explica essas imagens que vêm à sua mente tantas vezes?
		 Você mesma tem dúvidas sobre o que acontece! Diga se não estou falando a verdade!
- Isso que acontece comigo não significa que nós dois... Mulder, o que você está querendo? 
Me fala a verdade... não estou te reconhecendo! 
Ele, num gesto impaciente, aperta os lábios; dá umas passadas para trás e retorna para achegar-se
a ela, novamente.
    - Escuta, Dana, eu te amo desde quando te conheci. Sempre te respeitei, Scully! Só que agora,
 chegando à realidade que me vem à mente, eu só quero alertá-la do que está à nossa espera! A 
volta à nossa vida anterior!
Num gesto que demonstra discrição e um tanto de timidez, prossegue, fitando-a:
    - Desculpe meu ardor, Scully; certamente a qualquer momento você terá sua memória de volta
 e aí poderá avaliar o que estou sentindo neste instante.
- Mulder... – ela tenta argumentar qualquer coisa, mas ele a impede.
- Não, não fale nada! Apenas me acompanhe. – puxa-a pela mão, fazendo-a acompanhá-lo em 
direção dos enormes aquários que ali estão ex postos, nas laterais do interior da galeria, com suas
águas levemente movimentadas pelas bolhas de ar, como mosaicos ondulantes, exibindo as
inúmeras variedades de peixes na  larga passagem, cuja obscuridade   é somente quebrada  pela
iluminação dos grandes tanques transparentes.
 
¨Entra quase sempre no respeito 
uma certa parte do temor.¨
Valtour